Recém-inaugurado, Laboratório de Biologia Sintética viabiliza pesquisas na fronteira da ciência
Recém-inaugurado, Laboratório de Biologia Sintética viabiliza pesquisas na fronteira da ciência
O Prédio da Biologia Sintética da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília – DF) foi inaugurado nesta terça-feira (21/05), com uma área de 935,22 m² e 10 laboratórios. No novo prédio, serão desenvolvidas pesquisas na fronteira da ciência, capitaneadas pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Biologia Sintética (INCT-BioSyn), que financiou a obra. No evento de inauguração, Elibio Rech, pesquisador e diretor do INCT-BioSyn, deu alguns exemplos de resultados importantes alcançados pelo instituto, e que estão entre as pesquisas desenvolvidas no local.
Na área de preservação da biodiversidade, ele citou a clonagem dos genes que produzem a fibra da teia de aranhas da Amazônia, Mata Atlântica e do Cerrado. “Com isso, podemos fazer uma modelagem e descrever uma sequência genética dessas aranhas, que pode ser introduzida numa bactéria, numa planta, ou ser totalmente sintética”, explicou. De acordo com ele, isso ajuda a conservar a biodiversidade, “pois agora, se quisermos produzir uma fibra da teia de aranha, nunca mais será preciso ir na natureza matar uma aranha para fazer o estudo da fibra”.
Para Rech, essa tecnologia abre a possibilidade de um novo conceito de domesticação sintética da biodiversidade. “Extrativismo não é algo que nós esperamos que vá acontecer ao longo de muitas décadas mais. Com a Biologia Sintética, vamos agregar valor à biodiversidade sem fazer extrativismo ou devastação”, esclareceu.
O pesquisador disse que em outro projeto, estimulados pela questão da conservação, foi feito o metagenoma de todos os biomas brasileiros. “É um banco de dados de solo e raiz que certamente nos possibilitará descobrir novas moléculas e potenciais de produtos, seja bioinsumos, por exemplo, ou seja moléculas específicas para determinados setores de produção”, comentou.
Cianovirina
Ele citou ainda uma pesquisa realizada em parceria entre a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês) e a Universidade de Londres, que conseguiu comprovar que sementes de soja geneticamente modificadas constituem, até o momento, a biofábrica mais eficiente e uma opção viável para a produção em larga escala da cianovirina – uma proteína extraída de algas – muito eficaz no combate a vários vírus, inclusive, o HIV.
Com relação à essa proteína, Rech faz parte de um grupo de cientistas que defende um conceito humanitário sobre o DNA recombinante. “A ideia é podermos licenciar essas moléculas livres de royalties sobre as patentes, especialmente para países em desenvolvimento”, comentou. Essa ideia “vingou” para a cianovirina e hoje a Embrapa pode usá-la, livre de royalties, não só no Brasil, mas também na África. “Mas infelizmente não tivemos o mesmo resultado para todas as moléculas ainda”, lamentou o pesquisador, lembrando a importância dessa tecnologia para gerar novos medicamentos mais acessíveis para a população.
Ele citou o exemplo das mulheres que, em muitos países da África, não têm a opção de usar preservativo e acabam se infectando com o HIV. “Se conseguirmos produzir em larga escala a cianovirina, podemos gerar um produto para a mulher usar antes do ato sexual e que reduza a contração do vírus”, ressaltou.
A eficácia da cianovirina também foi testada contra o SARS-CoV-2, vírus da família dos coronavírus responsável pela pandemia de covid-19 em 2020. Os estudos confirmaram que a molécula dificulta a mutação do vírus. Em testes com animais, um spray nasal com cianovirina obteve bons resultados. Agora, para tentar resolver a questão da produção em larga escala da molécula, os cientistas estão pesquisando a possibilidade de multiplicá-la em plantações de tabaco, que já têm uma grande infraestrutura instalada no País, especialmente na Região Sul.
Por meio da Biologia Sintética, os pesquisadores também conseguiram desenvolver um “biochassi”, que é um genoma de soja que vai ser usado pelo programa de melhoramento pelos próximos 10 ou 20 anos, segundo Elibio Rech. “Usando engenharia metabólica, nós inibimos determinadas enzimas para potencializar o uso da soja como biocombustível e também para melhorar a saúde humana”, explicou.
Célula mínima
As chamadas células mínimas também estão entre as pesquisas já em desenvolvimento no novo Prédio da Biologia Sintética, em parceria com o J. Craig Venter Institute, dos Estados Unidos. A célula mínima é uma célula com um genoma 100% sintético que, como o próprio nome diz, tem em seu código genético apenas o necessário para mantê-la viva e se multiplicar em ambiente controlado.
Pesquisadores do J. Craig Venter Institute (JCVI) e da Synthetic Genomics, Inc. (SGI) projetaram e construíram a primeira célula bacteriana sintética mínima, a JCVI-syn3.0, usando a primeira célula sintética, Mycoplasma mycoides JCVI-syn1.0 (construída por esta mesma equipe em 2010).
Com células mínimas cedidas pelo J. Craig Venter Institute, a equipe está injetando a JCVI-syn3A, uma célula derivada da JCVI-syn3.0, em cabras para ver como elas vão responder à presença dessas bactérias in vivo, já que todos os estudos feitos até agora foram in vitro. Objetivo é descobrir formas de tratamento específicas para a pneumonia causada pela Mycoplasma mycoides em cabras, e verificar como vai ser a atuação da célula mínima.
Em outra frente da pesquisa, está sendo testada a interação da JCVI-syn3A com os neutrófilos humanos – o tipo leucocitário mais abundante na circulação, que constituem a primeira linha de reconhecimento e defesa contra agentes infecciosos no tecido. Até o momento, a célula mínima não provocou nenhuma reação desse mecanismo de defesa, indicando que, a princípio, ela é inerte ao sistema imunológico. Esse fator é crucial para o desenvolvimento de vacinas e outras aplicações médicas, como a entrega de fármacos no organismo.
“A próxima pergunta, ainda mais na fronteira da ciência, é: será que vamos conseguir pulverizar uma plantação e ligar e desligar genes específicos das plantas? Nós podemos gerar circuitos totalmente genéticos na planta, que ligam e desligam genes conforme as necessidades do produtor. Fizemos isso com células animais, humanas, células-tronco, com todo tipo de célula para testar, e conseguimos resultados bastante promissores”, assinalou Rech, e completou: “Eu tenho certeza de que o uso da tecnologia de DNA recombinante ainda vai trazer grandes benefícios para nós, seres humanos, num futuro bem próximo”.
Solenidade
Participaram também do evento de inauguração do Prédio da Biologia Sintética a presidente Silvia Massruhá, da Embrapa, Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Carlos Augustin, presidente do Conselho de Administração (Consad) da Embrapa e assessor do Ministério da Agricultura, Cleber Soares, secretário-executivo do MAPA, Clenio Pillon, diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa, além de empregados e colaboradores da Unidade.
A presidente Silvia Massruhá, destacou que a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia sempre foi referência para os pesquisadores da Empresa. Ela disse que o Prédio da Biologia Sintética será de grande importância para o desenvolvimento de pesquisas de ponta em áreas como a biotecnologia, que se mostrou crucial para a humanidade na recente crise da covid-19. “Foi a biotecnologia que permitiu o desenvolvimento tão rápido de vacinas contra a doença”, assinalou.
Massruhá ressaltou também o papel da Embrapa na formação de novos pesquisadores e lembrou que a Diretoria Executiva da Empresa estuda a possibilidade de trazer de volta o megaevento Ciência para a Vida, em 2025, para promover uma aproximação ainda maior dos pesquisadores com a sociedade.
A presidente falou sobre a importância de se rever o modelo de financiamento da Embrapa, que foi criada num momento em que o Estado era o único provedor de recursos. “Hoje sofremos com questões orçamentárias em função dessa dependência quase que exclusiva, mas estamos ampliando cada vez mais as nossas fontes de financiamento, por meio de parcerias público-privadas e emendas parlamentares, por exemplo”, explicou Massruhá, afirmando que outras opções, como a criação de um fundo patrimonial, também estão sob análise.
Pioneirismo
Marcelo Lopes, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, ressaltou o pioneirismo da Unidade que, segundo ele, “é o berço da Embrapa”. Ele lembrou que o Centro de Pesquisa foi responsável, por exemplo, pela primeira clonagem animal do País e pela primeira planta geneticamente modificada totalmente nacional.
“Hoje nós temos mais um pioneirismo: estamos inaugurando o primeiro laboratório dedicado à Biologia Sintética do Brasil. Mas essa caminhada não se faz sozinho”, frisou Lopes, se referindo à importância dos Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs), financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que se caracterizam por grandes projetos de pesquisa de longo prazo em redes nacionais e ou internacionais de cooperação científica, envolvendo pesquisadores e bolsistas das mais diversas áreas.
Lopes destacou que além do INCT-BioSyn, a Unidade coordena o INCT PlantStress Biotech, cujo objetivo é gerar ativos biotecnológicos aplicados à seca e pragas em culturas relevantes para o agronegócio. “Esse tema é fundamental neste momento em que estamos discutindo o que fazer e quais pesquisas desenvolver frente às mudanças do clima, cada vez mais evidentes”, assinalou.
Com relação à Biologia Sintética, o chefe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia lembrou que esse novo ramo da ciência precisará de uma linguagem mais próxima do grande público, “mas certamente trará grandes contribuições na busca de soluções para os problemas da agropecuária”.
Recursos
Ricardo Galvão, presidente do CNPq, disse que o conselho está articulando a criação de um fundo patrimonial para que a entidade não dependa só de recursos do governo e conclamou a comunidade científica a participar mais ativamente da Lei Orçamentária Anual.
Carlos Augustin, presidente do Consad, explicou que a Embrapa estuda formas de ampliar a captação de recursos internacionais por meio de fundos humanitários e bancos de desenvolvimento, por exemplo. “A venda de serviços pela Empresa também está em discussão. Por que não?”, afirmou.
Infraestrutura
O novo Prédio da Biologia Sintética conta com 10 laboratórios: Genoma Sintético (NB2); Manipulação Genética de Microrganismos; Engenharia Genética Vegetal; Cultivo Vegetal in vitro; Engenharia Molecular I; Engenharia Molecular II; Engenharia in silico de Genomas; Microscopia; Bioengenharia de Proteínas; e Biomimética.
Os equipamentos disponíveis no local constituem o estado da arte para a realização dos experimentos e para que se atinjam as metas dos projetos em andamento com precisão e celeridade.
Entre eles destacam-se o Sequenciador Nanopore Promethion 2 (que realiza sequenciamento rápido de genoma ou qualquer fragmento de DNA ou RNA, onde os dados podem ser analisados em tempo real durante o experimento – é a terceira geração de sequenciadores); FACS Aria III (realiza separação de células com alta acurácia); Espectramax ID5(realiza medidas em absorbância, fluorescência e luminescência); Sistema de fotodocumentação e análise – Ibright (analisa imagens de DNA, RNA e proteínas em gel e membranas); Sistema de microfluídica DOLOMITE (produção de lipossomas e biopolímeros que podem ser aplicados no desenvolvimento de nanocarreadores de princípios ativos, bem como na produção de células sintéticas ); Shakers Infors HT Minitron + Leitor de OD em tempo real SBI (utilizado para cultura bacteriana com controle automático e em tempo real da densidade ótica [OD]); Lupa de fluorescencia Zeiss; e um Microscopio Observer 7 Zeiss, para captura de imagens celulares em tempo real.
Com essa infraestrutura, será possível atuar em linhas de pesquisa como coleta e caracterização de recursos biológicos; geração e análise de dados genômicos em larga escala, construção de peças, circuitos e rotas genéticas para gerar e testar novas hipóteses sobre genes e função de proteínas; desenho, síntese e construção de genomas; e engenharia de proteínas, com foco na geração de ativos biotecnológicos e agregação de valor à biodiversidade nacional.
Atuarão no Prédio da Biologia Sintética quatro empregados e 24 bolsistas – desde iniciação científica, graduados, mestres, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos. Dos empregados, três são pesquisadores e uma é analista. O Prédio da Biologia Sintética conta ainda com uma Sala de Armazenamento a Frio, uma Sala de Lavagem e Esterilização, uma Sala de Convivência, uma Sala de Reuniões, duas Salas de Colaboradores e cinco salas para pesquisadores e analistas.
A reforma do prédio custou R$ 850 mil e foi financiada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Biologia Sintética (INCT-BioSyn), com recursos oriundos do CNPQ/FAP-DF (2014) e CNPQ/MAPA (2023).
Eduardo Pinho (MTb/GO - 1073)
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
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