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Pesquisador fala sobre água na agricultura na Câmara dos Deputados
O pesquisador Lineu Rodrigues, da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF), representou a Embrapa na audiência pública realizada pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra) da Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 23 de agosto. O encontro, que foi requerido pelo presidente da Cindra, deputado Valadares Filho (PSB/SE), teve como objetivo debater o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e nivelar informações sobre a última atualização do plano (2016-2020).
O PNRH foi estabelecido pela Lei 9.433/97 e orienta a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e a atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH). Elaborado de forma participativa, envolvendo tanto instituições do SINGREH como da sociedade em geral, o plano busca estabelecer um pacto nacional para a definição de diretrizes e políticas públicas voltadas para a melhoria da oferta de água, em qualidade e quantidade, gerenciando as demandas e considerando a água um elemento estruturante para a implementação das políticas setoriais, sob a ótica do desenvolvimento sustentável.
O pesquisador da Embrapa Cerrados abordou as relações entre agricultura, irrigação e recursos hídricos, bem como fez algumas considerações a respeito do PNRH e apontou como a Embrapa poderia contribuir para o plano. Ele lembrou que o Brasil é o terceiro maior país exportador agrícola, e a agropecuária representa cerca de 23% do PIB nacional e 37% da mão de obra, ocupando 246,9 milhões de hectares, sendo que a agricultura irrigada, intensiva em uso de água e energia, ocupa 6 milhões de hectares ou 2,4% desse total – “Essa é a agricultura que deve ser incluída nos planos (de recursos hídricos)”, afirmou.
Rodrigues destacou o nexo entre água, alimento e energia. Por exemplo, 55% dos custos de operação da infraestrutura da água são com energia; 15% da água utilizada é para a produção de energia; 2,7 bilhões de pessoas utilizam biomassa convencional para cozinhar ou aquecer; e o aumento na área irrigada deverá ser de 11% nos próximos anos. Até 2050, está previsto aumento de demanda de energia em torno de 80%, de água em 55% e 60% em alimentos. “Isso é importante porque tem que estar previsto nos planos. O plano é fundamental não só para favorecer o desenvolvimento, mas também para o desenvolvimento ordenado”, explicou, apontando que o PNRH pode contribuir para garantir formas de acesso à água.
O pesquisador lembrou que para garantir à população o acesso aos alimentos em quantidade suficiente, é preciso garantir o acesso à água. “Temos que produzir alimentos em quantidade suficiente e a irrigação, nesse contexto, é fundamental, pois tem um fim nobre, que é a produção de alimentos”, lembrou, apontando que a agricultura atual visa não apenas à produção de alimentos, mas também de fibras, energia, biomassa serviços ecossistêmicos, entre outros.
Num cenário projetado para o ano 2050, a área plantada no Brasil será de 92 milhões de hectares, sendo que a porção irrigada (16%) será responsável por 41% da produção, com valor de produção entre 80% e 85%. “Enquanto a agricultura de sequeiro demanda menos água, mas é muito mais variável, a agricultura irrigada dá mais estabilidade à produção de alimentos. Se não tivéssemos irrigação, haveria escassez de alimentos no mundo”, observou Rodrigues.
Para se fazer agricultura, são necessários vários fatores, principalmente água e solos aptos. A irrigação é usuária intensiva de água e se confunde com produção de alimentos. “Mas há regiões do Brasil, como o Oeste da Bahia que suspenderam a irrigação por falta de água. Nesse sentido, está a importância do planejamento estratégico e dos planos na produção de alimentos relacionando água e energia. Temos que melhorar o monitoramento e obter melhores dados para que possamos ter cenários mais confiáveis e prever um desenvolvimento mais ordenado”, explicou.
O pesquisador mostrou exemplos de regiões críticas, como as bacias do Rio Preto e do Rio São Marcos (DF), cujos momentos de falta de água decorrem da falta de planejamento em microescala. Segundo o pesquisador , 16% dos rios federais estão em estado crítico, com base no balanço hídrico quali-quantitativo.
Rodrigues lembrou que, além da produção de alimentos, a água tem diversas outras finalidades de uso. “É uma decisão que tem que estar no PNRH, e quem define isso é a sociedade”. Segundo dados da Unesco, 82% da água utilizada pelos países em desenvolvimento é empregada para fins agrícolas. “É preciso ter cuidado com esse número, pois há uma variação regional muito grande. Se observarmos as regiões hidrográficas do Brasil, apenas três utilizam mais de 70% da água para irrigação. Por isso, temos que gerar dados mais confiáveis”, destacou.
Por outro lado, ele mostrou que, no Brasil, a irrigação demanda apenas 2,6% da vazão total dos rios, excluindo-se os amazônicos, e acrescentou que a variabilidade da precipitação anual promove variabilidade na vazão dos rios, ocasionando conflitos de uso da água. “Não é criar uma cultura de desperdício, mas temos que ter isso em mente e fazer um plano considerando as diferenças regionais. Principalmente nas bacias mais críticas, onde já existem conflitos, é preciso um olhar e um monitoramento diferente, e cenários mais confiáveis”, afirmou, apontando que o País tem mais de 75 milhões de hectares aptos para a irrigação.
Considerações sobre o PNRH
O pesquisador teceu considerações a respeito do PNRH, apontando alguns problemas. “Em bacias críticas, principalmente naquelas onde predomina a agricultura irrigada, o plano é fundamental para orientar a alocação e reduzir os conflitos”, apontou, ressaltando que a variabilidade da demanda por água na irrigação dificulta a gestão dos recursos hídricos.
Segundo Rodrigues, os diversos planos de recursos hídricos em níveis nacional, estadual, local e de bacia são mal coordenados e não chegam a ser colocados em prática por falta de financiamento ou por capacidade limitada de acompanhamento e execução. “Eles não estabelecem prioridades ou critérios claros para definir os recursos hídricos disponíveis e orientar as decisões de alocação para o desenvolvimento de energia hidrelétrica, extensão da irrigação e uso doméstico, entre outros. Em geral, não levam em consideração os eventos cíclicos, como as secas, carecendo assim de clareza em termos de prioridade para uso da água em tempos de crise”, acrescentou.
Para o pesquisador, os ministérios e órgãos públicos devem estar mais integrados, pois o isolamento setorial dificulta a coerência política entre os setores de recursos hídricos, agricultura, energia, licenciamento ambiental, saneamento e uso do solo. A disponibilidade de dados e informações sobre recursos hídricos acessíveis e de boa qualidade varia entre os estados, prejudicando a tomada efetiva de decisão sobre quem recebe a água, onde e quando. Outro problema apontado é a abundância de planos, muitas vezes fracos na prática, pois as informações fornecidas pelo planejamento não são cumpridas corretamente. “Os planos de recursos hídricos devem ser uma ferramenta essencial para identificar as lacunas, implementar estratégias, construir consenso entre as partes interessadas, orientar a ação concreta e medir o progresso na realização das metas”, apontou.
O pesquisador falou sobre um projeto coordenado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) que diagnosticou e avaliou os resultados do PNRH e fez recomendações para a construção do novo plano, a vigorar a partir de 2021. Na avaliação global da implementação do plano no período de 2006 a 2015, a maior parte dos programas e prioridades estabelecidos teve avanços incipientes ou não atenderam às expectativas do SINGREH devido à falta de execução de planejamento inicial, de definição de metas e prazos, de indicadores de acompanhamento e de estabelecimento de responsabilidades.
O projeto do IICA propõe uma estratégia de implementação das metas e indicadores e metodologia para monitoramento e execução para o período 2016-2010. Durante a revisão do PNRH, em 2016, foram aprovadas 16 prioridades para o novo ciclo. O pesquisador citou algumas delas, tais como integrar a política de recursos hídricos com a política ambiental e demais políticas setoriais; estabelecer critérios de autorização para o uso da água e fiscalização dos usuários; e desenvolver ações para a promoção do uso sustentável e reuso da água.
Contribuições da Embrapa
Por fim, Lineu Rodrigues apontou possíveis contribuições da Embrapa para o cumprimento das metas contidas nessas prioridades. Ele explicou que o instrumento de apoio gerencial da Empresa são os portfólios, que têm uma visão temática para organizar os projetos de pesquisa e de transferência de tecnologia que se inserem na agricultura irrigada; promovem o direcionamento, a promoção e o acompanhamento dos resultados a serem alcançados; e identificam lacunas importantes que precisam ser mais bem trabalhadas, além de incentivarem editais de projetos.
O pesquisador integra o comitê gestor do portfólio “Mudanças Climáticas”. Ele apresentou as vertentes (tecnologias de irrigação, recursos hídricos etc.), os temas (manejo de culturas irrigadas, métodos de irrigação etc.) e os subtemas (otimização dos fatores de produção, estratégias de manejo de irrigação, práticas de conservação de solo e água e ecofisiologia e relações hídricas) selecionados para o portfólio. “Podemos linkar algumas ações do portfólio que já são atividades realizadas dentro da Embrapa para contribuir com as metas do PNRH, melhorando a efetividade do plano”.
No entender de Rodrigues, se bem planejado e executado, o PNRH contribui efetivamente para reduzir os conflitos e a segurança hídrica, bem como para aumentar a segurança alimentar e reduzir a pobreza. Para isso, ele considera fundamental que hajam metas pactuadas com os usuários, além de quantidade e qualidade de dados para fortalecer o monitoramento e de uma visão de bacia hidrográfica por parte dos usuários.
“Como sociedade, devemos ter a noção de que estamos integrados a um sistema maior, e que uma ação afeta quem está mais abaixo. Costumamos pensar só nos problemas do rio, enquanto temos que pensar na bacia, que é onde as coisas acontecem. Tendo uma bacia boa, você tem um rio bom”, ensinou. Da mesma forma, segundo o pesquisador, é limitado visualizar somente a demanda de uma parcela da bacia. “Na perspectiva de bacia hidrográfica, tem-se uma visão mais completa do sistema, de que forma os usuários são afetados e de como conversar melhor com esses usuários. Isso impacta diretamente na eficiência do sistema”, concluiu.
A audiência pública contou com a presença dos deputados Raquel Muniz (PSD/MG) e Deoclides Macedo (PDT/MA). Também foram expositores Adriana Lustosa, gerente de projetos da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente; Ubiratan da Silva, secretário-executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento Básico; Wilson de Azevedo Filho, representante dos Pescadores e Usuários de Águas para o Lazer e Turismo da Câmara Técnica do Plano Nacional de Recursos Hídricos (CTPNRH); e João Clímaco de Mendonça Filho, representante das organizações não governamentais na CTPNRH.
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
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