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Do início ao fim
Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) contabiliza desde os primeiros insumos até os resíduos e destino final do objeto de estudo
Carros elétricos são menos poluentes. Verdade? Depende. Eles não geram gases de efeito estufa queimando combustível. Mas de onde vem a energia elétrica com que eles foram abastecidos? Se for de usinas termoelétricas que utilizam carvão mineral ou óleo diesel, por exemplo, o saldo pode não ser tão positivo assim. E se a comparação for com um veículo movido a etanol? Aí surgem também outras questões: de que planta é obtido esse biocombustível? Que terras foram utilizadas para cultivá-la? Que outros insumos são utilizados no processo industrial? Que resíduos são gerados durante a fabricação? Qual o destino deles?
Essas perguntas procuram informações do que tem sido chamado de ciclo de vida do produto: como ele nasce (insumos), é transportado, consumido e, finalmente, morre (consumo, descarte e reciclagem). A metodologia mais utilizada hoje para quantificar possíveis impactos ambientais de todas essas etapas é a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV).
O professor Armando Caldeira Pires, da Universidade de Brasília (UnB), chama atenção para o que a ACV avalia de fato. "Na verdade, o que ela faz é analisar o impacto ambiental da atividade humana", afirma o professor. "Nós tiramos uma matéria-prima da esfera ambiental, a transformamos por vários processos da esfera tecnológica e então ela volta para a esfera ambiental", resume. O que ACV faz é medir os fluxos de materiais e energia e identificar os potenciais impactos ambientais ao longo desse percurso.
A pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical (CE) Maria Cléa de Figueirêdo explica que o primeiro passo para realizar uma ACV é o planejamento. Nessa fase, define-se o objetivo do estudo. Certificação do produto, comparação de materiais ou melhoria de processo são as principais possibilidades. "Isso vai refletir lá na frente, uma vez que o nível de detalhamento e revisão por terceiros é bem mais complexo se estou buscando a certificação", exemplifica. É preciso decidir também qual será o escopo da análise. Pode-se fazer a avaliação de todo o ciclo de vida do produto, desde a aquisição de matéria-prima até sua disposição final, ou até o produto sair da fábrica, por exemplo.
Na sequência, são identificados todos os processos, insumos, resíduos e outros itens que fazem parte do objeto de estudo. Então, os potenciais impactos ambientais de todas essas entradas e saídas levantadas são quantificados. Nessa fase, que é chamada de inventário, os técnicos utilizam softwares e bases de dados internacionais para a complexa matemática de dados que os espera. Ao final, os diferentes números obtidos são convertidos em uma única unidade de medida – toneladas de carbono equivalente é uma das utilizadas – para permitir comparações. Os dados são relacionados sempre a uma função do produto. Assim, em uma análise da castanha-de-caju, por exemplo, todas as informações seriam relativas a um quilo do alimento ou à quantidade de calorias por ele fornecidas.
A última etapa é a interpretação dos dados gerados. A partir dela, pontos críticos podem ser identificados e planos de ação elaborados para reduzir o impacto ambiental. Para Cléa, da Embrapa Agroindústria Tropical, ACV não deve ser usada apenas para obter números, mas servir como um instrumento de melhoria do processo de produção.
O também pesquisador Gilmar Santos, da Embrapa Agroenergia, diz que, justamente por fornecer subsídios para comparação entre produtos e melhoria de processo, a ACV pode servir também como um instrumento para tomada de decisão e marketing via rotulagem ambiental. Os resultados dos estudos podem orientar empresários e produtores rurais na escolha de materiais, rotas tecnológicas e insumos, assim como prover o consumidor de informação ambiental para escolher entre dois produtos, por exemplo. Da mesma forma que empresas e consumidores, governos também podem utilizar a ACV como instrumento para a formulação de políticas públicas na área ambiental.
Impactos ambientais são quantificados
ACV ganhou credibilidade internacional por ter um embasamento científico muito forte e permitir quantificar potenciais impactos ambientais. A necessidade de pesquisa para uso de ACV continua existindo, especialmente no Brasil. Uma das necessidades é o desenvolvimento de métodos de avaliação de impactos apropriados para as condições locais. "Muitos impactos são globais, mas muitos mais são regionais", lembra Cléa. Gases de efeito estufa, por exemplo, geram consequências para todos os países, independentemente de onde são emitidos. Escassez hídrica, por outro lado, é um problema regional. "Os impactos regionais precisam ser trabalhados metodologicamente para refletir as condições de cada região do planeta", frisa.
A adaptação metodológica é parte dos esforços da Rede de Avaliação de Ciclo de Vida da Embrapa, que reúne nove Unidades de pesquisa e a sede da Empresa. Capacitação de pessoal é outro objetivo da rede. Atualmente, pelo menos 17 projetos de pesquisa da instituição utilizam ACV. Em Fortaleza (CE), Cléa utiliza essa ferramenta para avaliar tecnologias em desenvolvimento. O trabalho é feito quando se chega, no laboratório, a uma tecnologia viável do ponto de vista técnico. A pesquisadora e sua equipe avaliam como podem melhorar o desempenho ambiental do produto, antes do escalonamento.
Por exemplo, a análise de uma tecnologia em desenvolvimento para extração de nanocristais de diversos resíduos lignocelulósicos identificou um consumo muito elevado de água e energia no processo com fibra de coco, além de desperdício de material. O procedimento, então, foi totalmente repensado e, hoje, além dos nanocristais, está sendo extraída lignina para a produção do biogás que alimenta o sistema. "O objetivo não é excluir possibilidades, mas buscar oportunidades de melhoria", ressalta Cléa.
Da mesma forma, um estudo baseado em ACV de pegada de carbono do melão permitiu estabelecer sistemas alternativos de produção, utilizando recursos como a adubação verde para reduzir a quantidade de fertilizantes nitrogenados utilizada. Com isso, os pesquisadores observaram redução de 20% na pegada de carbono da fruta. "Ela não era tão alta quando comparada com outros países, mas vimos que havia opções para melhorar", diz Cléa. Trabalho semelhante deve ser realizado agora com a manga em parceria com a Embrapa Semiárido (PE).
Grandes cadeias
Sistemas naturais como inspiração
Além do forte embasamento científico e da capacidade de gerar dados quantitativos, também contribui para o sucesso da ACV o fato de ela ser regulamentada por um conjunto de normas ISO (ISO 14.040) e constituir requisito para a rotulagem ambiental de produtos.
O professor Armando Caldeira Pires, da UnB, conta que "os conceitos básicos de ACV já vêm sendo discutidos desde a década de 1950, quando os primeiros biólogos e bioeconomistas começaram a observar o funcionamento dos sistemas naturais, ecológicos, e a espelhar esse funcionamento para avaliação de sistemas industriais".
O primeiro estudo baseado em ACV a se tornar referência mundial foi realizado em 1965, quando a Coca-Cola estava avaliando diferentes materiais para a composição de suas embalagens. De acordo com o professor Gil Anderi, da Universidade de São Paulo (USP), na década de 1970, com a crise do petróleo, "essas avaliações começaram a ser importantes porque permitiam estimar o desempenho ambiental de fontes alternativas".
Mas foi na década de 1990, com a publicação da primeira norma da família ISO 14.040, que a adoção da metodologia tomou maior impulso. Outra norma, a ISO 14.025, de 2006, estabeleceu regras para a rotulagem ambiental com base em ACV. A partir dela, certificações fundamentadas por estudos desse tipo puderam ser exigidas no comércio internacional. Foi o que fez a França, passando a solicitar rótulo ambiental para 46 tipos de frutas importadas, inclusive a manga brasileira.
Brasil
No Brasil, empresas exportadoras já vêm fazendo ACV de seus produtos para garantir a colocação deles no mercado externo, especialmente o europeu. Naquele continente, o fator ambiental já é o terceiro item com maior peso na decisão de compra do consumidor, ressalta Caldeira Pires.
No entanto, o mercado brasileiro ainda tem muito o que avançar no que diz respeito à ACV. Um dos pontos críticos mais destacados pelos profissionais com atuação na área é a construção de inventários para prover as bases de dados internacionais de informações precisas sobre as condições de produção brasileira.
Marília, da Embrapa Meio Ambiente, conta que, atualmente, só há dados para quatro produtos brasileiros na principal base utilizada: soja, cana, madeira e eletricidade. "Mas soja e cana, por exemplo, são inventários construídos por equipes europeias e os dados não são atuais. Então, quando se usa esse dado para comparar o nosso produto com o de outro país, em geral o nosso é desfavorecido", alerta. "Só quem conhece o setor consegue fazer um inventário de qualidade. Por isso, a nossa lição de casa é investir nisso", complementa.
Em março, foram entregues inventários nacionais e regionais de soja, milho e algodão, feitos por técnicos brasileiros, para a base de dados do Instituto Brasileiro de Informação de Ciência e Tecnologia (Ibict). Eles estão em processo de revisão e, em breve, devem estar disponíveis não só na base local, mas também na European reference Life- Cycle Database. "A partir daí, qualquer pessoa no mundo que vá fazer um trabalho sobre a nossa soja, por exemplo, vai poder usar dados que a equipe de pesquisadores brasileiros gerou", destaca Marília. À medida que as pesquisas forem avançando, as informações podem ser atualizadas. Os inventários de cana-de-açúcar, com informações regionais e dados consolidados para o País, também estão prestes a ser entregues.
Rede Empresarial
Além da construção de bancos de dados, o professor Gil Anderi, da USP, lembra outros dois desafios apontados, ainda em 2004, durante workshop para estabelecer estratégias para a consolidação de ACV no Brasil. O primeiro deles é o comprometimento dos segmentos econômicos. Anderi diz que nota o crescimento do interesse, com o aumento de demandas de empresas a seu grupo de pesquisa. Um marco na adesão do setor empresarial aos estudos nessa área foi, certamente, a criação da Rede Empresarial Brasileira de ACV, em meados de 2012.
O grupo inicial que formou a rede era composto por Braskem, Danone, Embraer, GE, Grupo Boticário, Natura, Odebrecht, Oxiteno e Tetra Pak. Outras companhias já se juntaram à rede, inclusive a Embrapa. Marília conta que o grupo está impulsionando o programa brasileiro de ACV, especialmente a construção dos inventários. Tem atuado ainda na capacitação de pessoal, outro desafio identificado no workshop de 2004.
Anderi aponta a necessidade de acreditação de profissionais para realizar estudos e atuar na construção dos inventários de dados. Ele tem observado, com entusiasmo, que as empresas que o procuraram não estão interessadas apenas em consultoria, mas em preparar seus profissionais, se não para executar a ACV, para praticar o life cycle management (gestão do ciclo de vida), ou seja, incluir a preocupação com o ciclo de vida na gestão dos processos produtivos.
Inclusão de indicadores sociais
Vivian Chies
Embrapa Agroenergia
Arte: Renato da Cunha Tardin Costa
Embrapa Agrossilvipastoril
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/