21/05/14 |   Plant production

Artigo - Nitrogênio e qualidade tecnológica do trigo

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Photo: Pedro Luiz Scheeren

Pedro Luiz Scheeren - Pesquisa avalia N no espigamento

Pesquisa avalia N no espigamento

Nota técnica

29/08/13

1. Nitrogênio no solo e o crescimento da planta de trigo

O nitrogênio (N) é um dos principais componentes da matéria orgânica do solo. Ele perfaz de 1 a 5% do volume da camada superficial do solo. O teor de N na matéria orgânica é cerca de 5%. Assim, um solo com 3% de matéria orgânica conterá 3 t de N/ha na camada de 20 cm de solo, mas apenas uma pequena fração deste N tornar-se-á disponível durante um ciclo da cultura. Considerando que a liberação ou imobilização de N depende da atividade biológica, em determinado período pode ocorrer mineralização de N na forma de nitrato (NO3-) e de amônio (NH4+) e em outro, imobilização de N. Os fatores mais importantes neste processo são a temperatura e a umidade do solo e o teor de N nos restos culturais.

As plantas preferem absorver N na forma de NO3-. Elas não emitem sinais aos microorganismos do solo para que estes produzam mais NO3- no período em que elas têm maior demanda. Exsudatos das raízes podem estimular a atividade biológica, mas é provável que na maioria do tempo exista dissintonia entre a quantidade de NO3- presente no solo e a demanda de N da planta. É devido a este fato que há necessidade de adubar o solo. Ao se aportar fertilizante contendo N e alguns dias após ocorrer aumento da intensidade da cor verde da planta, isto é indicativo que este solo apresentava quantidade insuficiente de N em relação à necessidade da planta.

Dada a complexidade química dos processos de mineralização e de imobilização de N, é difícil estimar, de antemão, em qual momento o solo apresentará suprimento suficiente ou insuficiente deste nutriente. No entanto, resultados de pesquisas demonstram que o solo geralmente apresenta falta de N durante o inverno, particularmente na fase inicial e no período de crescimento rápido do trigo. Por essa razão, é indicado aplicar N na semeadura e durante os estádios de afilhamento e alongamento, pois estas fases precedem o período de maior demanda da planta. Ainda deve ser levado em conta que os fertilizantes contendo N, sejam de origem mineral ou orgânica, quando aplicados na superfície do solo, necessitam ser transportados pela água da chuva até atingirem as raízes. A incorporação de fertilizantes nitrogenados no solo, seja pela semeadora ou pela água da chuva ou de irrigação, evita a volatilização de amônia (NH3), particularmente da ureia.

As reações químicas de conversão dos fertilizantes nitrogenados em formas químicas de N absorvível pelas raízes (NO3- e NH4+) demoram alguns dias. É importante considerar este espaço de tempo na adubação, a fim de suprir N à planta na fase em que há acúmulo rápido de biomassa, que ocorre entre o alongamento e a antese. A partir do início de formação do grão, os fotoassimilados acumulados nos diversos órgãos da planta são translocados para o grão. Dessa forma, o rendimento de grãos depende, entre outros fatores, do total de nutrientes acumulados até a floração e do que ainda será absorvido após o início de formação do grão. Denota-se, portanto, que as reações químicas de N no solo são dinâmicas e, quantitativamente, imprevisíveis. Em consequência, há necessidade de uso de informação derivada de experimentação de campo.

2. Composição do grão de trigo

O grão de trigo é composto principalmente por amido e proteína. O conteúdo de proteína total varia, em média, entre 12 a 14%, sendo estimado com base no teor de N x 6,25. Duas classes de proteínas - glutenina e gliadina - têm propriedades únicas em termos de capacidade de formar massa de pão capaz de resistir à pressão do CO2 oriundo da ação do fermento sobre o amido. Elas são responsáveis pela força e elasticidade da massa e, em conjunto formam o complexo denominado glúten, que é a porção insolúvel do endosperma do grão e é obtido através da lavagem da massa, seguida de centrifugação e secagem para determinar a quantidade de glúten seco. A qualidade do glúten pode ser medida por vários testes, sendo a alveografia e a farinografia os mais empregados no Brasil. A alveografia expressa a força do glúten (W), simulando o comportamento da massa na fermentação, em que são formados os alvéolos ocupados por CO2. A farinografia avalia a capacidade de absorção de água e a consistência da massa.

Evidências experimentais sugerem que ao se aportar N ao solo na forma de fertilizante, em qualquer estádio da planta, a força de glúten aumenta levemente, em razão de pequeno aumento do teor de glutenina e gliadina no grão. O desafio é fazer com que o grão apresente maiores teores destes componentes como consequência da aplicação de N ao solo e, internamente, induzir a planta a converter esse N em compostos que melhorem a capacidade de panificação da farinha.

Sabe-se que a constituição genética da cultivar de trigo é fundamental, mas também há fatores ambientais e nutricionais relevantes relacionados com a força do glúten e outras características importantes no uso do trigo para pão, massa ou biscoito.

Quando a farinha é usada para a confecção de pão, não basta a planta ter acumulado muito N e formar um teor satisfatório de proteína no grão se uma parte mínima desta não for na forma de glutenina e gliadina.

3. Classificação comercial do trigo

De acordo com a Instrução Normativa n° 38, de 30 de novembro de 2010, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Regulamento Técnico do Trigo classifica comercialmente o trigo em "Grupo", "Tipo" e "Classe". O "Grupo" diz respeito ao uso proposto: Grupo I - trigo destinado diretamente à alimentação humana; e Grupo II - trigo destinado à moagem e a outras finalidades. O "Tipo" envolve tolerância de defeitos do grão, tais como peso do hectolitro e umidade, havendo os Tipos 1, 2 e 3.

A "Classe" define a qualidade da farinha sob o ponto de vista tecnológico e é estabelecida em função das seguintes determinações: a) força do glúten (W, do teste de alveografia, sendo expresso em 10-4 Joules e representa o trabalho necessário para deformação da massa); b) estabilidade (teste de farinografia, em relação à absorção de água, sendo expresso em minutos); c) número de queda (NQ, ou Hagberg Falling Number, expresso em segundos), que apresenta relação direta com a germinação do grão antes da colheita, decorrente de excesso de umidade que ativa a enzima alfa-amilase e principia o crescimento do embrião, danificando a qualidade da farinha. As classes de trigo são: a) Melhorador; b) Pão; c) Doméstico; d) Básico; e) Outros usos, conforme especificado na Tabela 1.

 

 

Observa-se na Tabela 1 que para uma farinha ser da classe "Melhorador" não basta apresentar um valor elevado de W se a estabilidade e/ou o NQ for baixo.

O teor de proteína é empregado em vários países como critério de classificação comercial de trigo. No Brasil não tem sido observada correlação entre o teor de proteína total, a força de glúten e a estabilidade para as cultivares em geral, o que inviabiliza, por ora, o uso da análise do teor de proteína para inferir a força de glúten. Contudo, essa correlação poderá ser significativa para uma cultivar específica.

4. Época de aplicação de N e qualidade da farinha de trigo

Trabalhos recentes realizados pela Embrapa, nos Estados do Rio Grande do Sul e Paraná, evidenciaram não haver vantagem, em termos de força de glúten, da suplementação de N na época do espigamento em relação à aplicação no período inicial de crescimento da planta. As cultivares testadas atingiram valores de força de glúten previstos em sua classificação comercial quando o N foi aplicado na época atualmente indicada nas seguintes publicações: a) Informações técnicas para trigo e triticale – safra 2013; e b) Manual de adubação e de calagem para os solos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, 2004.

As indicações técnicas sobre o uso de N, emanadas da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale para a safra de 2013, são as seguintes: "Para as doses mais elevadas de N pode-se optar pelo fracionamento em duas aplicações em cobertura: no início do afilhamento e, o restante, no início do alongamento. Aplicação tardia de N em cobertura, após a fase de emborrachamento, geralmente não afeta o rendimento de grãos, mas pode aumentar o teor de proteína no grão, sem que, necessariamente em todas as situações, o valor de W (força de glúten) seja alterado a tal ponto de modificar a classificação comercial do produto colhido".

A base experimental que se dispõe atualmente não permite afirmar que o N aplicado em determinado estádio será fator indutor de maior força de glúten em qualquer cultivar. Isso ocorre porque, em tese, a planta não seleciona o N absorvido em determinada fase para formar mais glúten, pois esta porção é sintetizada durante o enchimento do grão. Se o solo apresentar deficiência de N nesta fase é possível que venha haver efeito na qualidade do grão. Pode também haver diferença varietal específica nesta característica. Sabe-se somente que ao aumentar a dose de N ocorrerá aumento gradativo do potencial de rendimento, mas não necessariamente da força de glúten. Com isso, não se pode afirmar que o N, absorvido no alongamento, por exemplo, é menos importante que o N absorvido na antese para formar glúten. Os resultados obtidos pela Embrapa Trigo, em diversos locais do Rio Grande do Sul, nos últimos anos, comprovam isso. Em geral, os dados são erráticos, havendo variação do valor de W em função da dose de N, em relação à época de aplicação de N e sua interação com a cultivar e o ambiente climático em que foram obtidas as amostras de grãos usadas nas análises da força de glúten.

Por Eliana Maria Guarienti, Fabiano Daniel De Bona, João Leonardo Fernandes Pires, Márcio Nicolau, Mércio Luiz Strieder, Pedro Luiz Scheeren e Sirio Wiethölter.

Eliana Maria Guarienti, Fabiano Daniel De Bona, João Leonardo Fernandes Pires, Márcio Nicolau, Mércio Luiz Strieder, Pedro Luiz Scheeren e Sirio Wiethölter.
Embrapa Trigo

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