Agricultura orgânica cresce com adoção de resultados de pesquisa
Agricultura orgânica cresce com adoção de resultados de pesquisa
Photo: Ana Lucia Ferreira
Consórcio de espécies é uma forma de diversificação de culturas recomendada na agricultura orgânica, contribuindo para a atração de inimigos naturais de pragas agrícolas.
Em 1991, quando o casal Jovelina Fonseca e Luiz Paulo Ribeiro deixou a cidade do Rio de Janeiro e foi morar na região serrana com o propósito de plantar alimentos livres de agrotóxicos e resíduos químicos, seus familiares e amigos disseram que era loucura.
Passados mais de vinte anos, Jovelina e Luiz Paulo são a prova de que é possível produzir alimentos orgânicos sem agredir o meio ambiente. "No início foi tudo muito difícil. Chegamos a plantar 40 espécies diferentes para ver o que era possível produzir sem fertilizantes químicos e agrotóxicos", conta Jovelina.
No Sítio Cultivar, onde vivem em Nova Friburgo (RJ), eles produzem 14 variedades de verduras e legumes ao longo do ano. Por mês, são cerca de 6 mil itens, entre produtos in natura e os minimamente processados, que já chegam ao consumidor lavados, cortados e prontos para o consumo. A produção é comercializada em supermercados locais e gera oito empregos diretos no sítio.
O crescimento da lavoura de Jovelina e Luiz é proporcional ao que a agricultura orgânica obteve nos últimos anos em todo o mundo. Em 2006, quando o último censo agropecuário foi realizado pelo IBGE, havia 5 mil produtores orgânicos no Brasil. Atualmente, já são cerca de 8 mil e a área de produção está em torno de 1,5 milhão de hectares. Estudos recentes revelam ainda que o crescimento do setor nos últimos cinco anos pode chegar a 46%.
Demandas do setor
Apesar do aumento da conscientização ecológica e da demanda por parte dos consumidores, produzir alimentos sem adubos químicos e agrotóxicos ainda é um desafio para os agricultores. Para o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Rogério Dias, essa é uma área que carece de estudos. "É claro que temos situações pontuais, mas não poderíamos dizer que as tecnologias estão atendendo os produtores orgânicos do País inteiro", comenta.
Segundo Dias, as principais necessidades do setor estão relacionadas a insumos, adaptação de variedades, sementes, produção animal e tecnologias para pós-colheita e processamento. Ele reconhece o esforço da pesquisa, mas lamenta a falta de uma política nacional de desenvolvimento tecnológico voltada para o incremento da agricultura orgânica. "Tem o esforço isolado de pesquisadores que estão muito engajados e contribuem para o processo. Mas ainda não é um compromisso das instituições", enfatiza.
Atenta a essa demanda, a Embrapa incluiu a agricultura orgânica e a agroecologia entre os 17 temas reconhecidos como estratégicos e de relevância nacional a serem priorizados em sua programação de pesquisa. A Empresa também assumiu o compromisso no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) de criar um núcleo de agroecologia e produção orgânica em 20 dos seus 47 centros de pesquisa.
Uma das ações no âmbito do Planapo é a criação do portfólio Sistemas de Produção de Base Ecológica da Embrapa, dentro do qual foram levantados 41 projetos relacionados à transição agroecológica e produção orgânica, além de cinco novos projetos. "Estamos organizando a coordenação das ações do Planapo porque elas vão ser desdobradas em toda a Empresa e fora dela. A partir do portfólio, vamos treinar e capacitar técnicos para que eles possam difundir essas tecnologias", explica Waldyr Stumpf Junior, diretor-executivo de Transferência de Tecnologia da Embrapa.
Resultados de pesquisa
Na Embrapa, os pesquisadores desenvolvem, adaptam e testam novas técnicas para as diferentes regiões do País. Algumas práticas já estão sendo empregadas por agricultores e outras ainda estão restritas aos campos experimentais, mas também apresentam bons resultados.
Fertilizantes orgânicos – Se na agricultura orgânica não é possível usar substâncias químicas, o agricultor precisa de alternativas. E algumas estão disponíveis, como o composto orgânico 100% vegetal. A tecnologia tem a vantagem de não utilizar esterco, ser de baixo custo e manejo simples. "Esse adubo foi desenvolvido para substituir o esterco e a cama de aviário, que estão cada vez mais difíceis de serem encontrados e podem trazer riscos de contaminação biológica. Além disso, não precisa ficar revolvendo constantemente, o que facilita o uso", diz o pesquisador da Embrapa Agrobiologia Marco Antônio Leal, que desenvolveu a técnica.
Substratos para mudas – Uma das dificuldades do agricultor é conseguir mudas orgânicas de qualidade, e a opção, na maioria das vezes, é produzi-las na propriedade. Mas os substratos industriais quase sempre fazem uso de materiais originados de extração (turfa, vermiculita, areia) e de adubos minerais solúveis não admitidos na agricultura orgânica. Um substrato desenvolvido pelos pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, em parceria com a UFRRJ, utiliza fontes renováveis com maior rendimento e custo reduzido.
O substrato é produzido a partir da mistura de húmus de minhoca, fino de carvão vegetal e torta de mamona. "Ele é bom em especial para as mudas de hortaliças porque tem características físicas, como a capacidade de retenção de água e aeração, e características químicas, como a capacidade de fornecer nutrientes de forma adequada para o crescimento das mudas", explica o pesquisador José Guilherme Marinho Guerra.
O produtor de hortaliças João Galo, de Teresópolis(RJ), faz uso do substrato e vem conseguindo bons resultados em sua lavoura. "Eu utilizo há algum tempo e é até bem melhor do que alguns que estão no mercado. Tendo os materiais, é fácil fazer. As mudas ficam viçosas e muito bonitas", garante.
Diversificação – Na agricultura convencional, é comum grandes extensões de terra cultivadas com uma única cultura. Mas na orgânica, é necessário diversificar. Para isso, os técnicos recomendam o consórcio de espécies, ou seja, o plantio de duas culturas em uma mesma área, e a rotação, em que o produtor alterna a espécie cultivada durante o ano. "Essa diversificação, além de trazer mais lucro para o produtor, também cria um espaço onde aparecem mais inimigos naturais das pragas agrícolas, o que ajuda no controle de pragas", explica o pesquisador da Embrapa Agrobiologia José Antônio Espíndola.
A agricultora Izabel Michi Yamaguchi Xavier fez a opção pelos orgânicos há seis anos. Em seu sítio de cinco hectares, em Seropédica (RJ), ela mantém uma variedade de 40 culturas alternadas durante o ano. Mas nem sempre foi assim. "Antes eu tinha apenas três ou quatro culturas plantadas e era difícil até para comercializar", explica. Além de fazer uso de técnicas como rotação e diversificação de culturas, Izabel produz seus insumos na propriedade. Com isso, ela aumentou em 80% o lucro de sua lavoura.
Cultivares – Como grande parte dos materiais desenvolvidos nos programas de melhoramento genético destina-se ao sistema convencional, a pesquisa busca avaliar a aptidão de cultivares ao sistema orgânico. Uma linha de ação da Embrapa promove a identificação de cultivares de hortaliças. "Avaliamos tanto a aptidão de materiais genéticos lançados pela Empresa, como também cultivares comerciais que já ocupam uma parcela do mercado", detalha a pesquisadora Mariane Vidal, da Embrapa Hortaliças.
Os ensaios de avaliação e de competição de cultivares levam em consideração as hortaliças com maior relevância socioeconômica para a agricultura orgânica e algumas comerciais. Em relação aos materiais comerciais, foram indicadas cultivares de espécies de hortaliças como alho, cebola, abóbora, alface, pepino e pimentão.
"Quando se recomenda uma cultivar que originalmente foi desenvolvida para a agricultura convencional, é preciso propor ajustes no manejo do sistema produtivo para que o material responda bem às diferenças do sistema orgânico", explica Mariane. Ela chama a atenção para o fato de que produtividade e resistência são características desejadas nesse sistema.
Perspectivas para a pesquisa
Dentre as frutas produzidas no Brasil, a banana ocupa o segundo lugar em área colhida, produção e consumo aparente por habitante. Boa parte da produção vem de agricultores familiares, que podem se beneficiar ao incluir em suas rotinas práticas preconizadas pela agricultura orgânica, que contribuem para maior sustentabilidade da agricultura e garantem a conservação de recursos naturais.
A bananeira demanda grande quantidade de nutrientes. A pesquisa está avaliando o efeito de adubos orgânicos de coberturas vegetais vivas para uso em compostos orgânicos, com materiais facilmente encontrados pelo produtor rural. Uma opção em análise é esterco de curral acrescido de torta de mamona e podas de grama de jardim.
Para a cobertura viva de solo, que reduz ou até elimina o uso de fertilizantes minerais nitrogenados, são dispostos dois arranjos. A primeira opção é composta por coquetel vegetal com 75% de leguminosas (mucuna-preta + feijão-de-porco + crotalária- juncea) + 25% de não leguminosas (girassol + sorgo). A segunda contém coquetel vegetal com 25% de leguminosas + 75% de não leguminosas.
Para o agricultor, além da redução de custos com fertilizantes, o uso de cobertura viva pode auxiliar no controle de plantas espontâneas e da erosão, pois a superfície do solo não fica desprotegida, ao contrário do que ocorre no manejo convencional.
Já no que se refere às espécies frutíferas de clima temperado, o controle de pragas e doenças nos pomares é o maior problema. Segundo o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS), Cesar Bauer Gomes, para as fruteiras como pessegueiro, ameixeira, figueira, videira, por exemplo, não existem produtos químicos com registro de uso no controle de nematoides parasitas.
Bauer vem trabalhando em duas linhas de pesquisa: utilização de resíduos orgânicos e de coberturas verdes no manejo de nematoides fitoparasitas; e seleção de agentes biocontroladores de patógenos e promotores de crescimento de plantas (bactérias benéficas colonizadoras de raízes capazes de controlar o nematoide-das-galhas). Os resultados dessas pesquisas podem solucionar o problema de falta de materiais com resistência genética ou tolerância a essas pragas, disponíveis no mercado.
Ana Lucia Ferreira (Mtb 16913/RJ)
Embrapa Agrobiologia
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Paula Rodrigues
Embrapa Hortaliças
Léa Cunha
Embrapa Mandioca e Fruticultura
Cristiane Betemps
Embrapa Clima Temperado
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