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Agricultura familiar e a difusa conceituação do termo

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Escolhida como tema do ano de 2014 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a agricultura familiar mereceu destaque nas agendas de organizações públicas e privadas ligadas à temática em todo o mundo. A escolha do Ano Internacional da Agricultura Familiar foi aprovada por unanimidade pelos 193 países membros da ONU, mas a mesma conformidade não é encontrada quando o assunto remete aos critérios que defi nem o caráter familiar de uma propriedade agrícola.

Globalmente, não existe uma defi nição universal sobre agricultura familiar e em alguns países o conceito é bastante amplo no que se refere ao tamanho da propriedade e aos diferentes níveis de renda e de produção, sendo que o referencial básico diz respeito unicamente à sua condução, estritamente familiar. Esse é o caso dos Estados Unidos, por exemplo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), nesse país o conceito de agricultura familiar inclui propriedades de todos os tamanhos, e com diferentes níveis de renda e administradas pela família.

No Brasil, a partir de 2006 foram defi nidos alguns critérios que determinam o pertencimento, ou não, de uma produção agrícola em um contexto familiar. De acordo com a Lei nº 11.326/2006, para ser considerado como agricultor familiar é preciso que a propriedade tenha, no máximo, quatro módulos fi scais (que varia conforme o município e a proximidade maior ou menor com as zonas urbana e rural), onde seja utilizada predominantemente mão de obra da própria família, assim como a base de sustentação da renda familiar tenha origem nas atividades econômicas vinculadas ao próprio empreendimento. 

As normas foram estabelecidas em função do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, que fi nancia projetos ao pequeno produtor rural, com juros mais baixos do que aqueles aplicados aos demais tipos de produtores. Dessa forma, para ter acesso ao programa é necessário que o produtor apresente a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), emitida pelas instituições e órgãos autorizados pelo governo, que com o documento reconhecem o caráter familiar da propriedade.

Se em alguns setores é vista como um instrumento importante para fortalecer a agricultura familiar,
a exigência gera controvérsias. Tendo o Ano Internacional da Agricultura Familiar como tema de
capa, Hortaliças em Revista ouviu pesquisadores da Embrapa Hortaliças sobre essa e outras questões relacionadas às políticas públicas direcionadas a esse segmento produtivo.

No entendimento da pesquisadora Maria Thereza Pedroso a lei deveria sofrer alterações. Em sua argumentação, ela afi rma que como atividade econômica seria desejável estabelecer critérios correspondentes a essa realidade e deixar de lado os requisitos definidos na lei, "que não retratam os diversos cenários percebidos no meio rural". "O que chamamos de agricultura familiar é regulamentado por uma lei que está em total desacordo com a realidade, no sentido de que existem pequenos produtores de base familiar que querem ter acesso ao crédito e se inserir nos programas do governo e não conseguem".

A pesquisadora, que publicou sob o selo da Embrapa – como coautora – o artigo intitulado "Agricultura
Familiar: é preciso mudar para avançar", sustenta que os pequenos produtores de base familiar, hoje,
no Brasil, muitas vezes precisam contratar mão de obra, devido ao esvaziamento de suas unidades, com os fi lhos migrando para zonas urbanas e periurbanas. Outra questão apontada por ela diz respeito à renda: expressiva quantidade desses estabelecimentos rurais é sustentada não prioritariamente pela renda agrícola. Ou seja, grande parte do rendimento familiar é proveniente de trabalho assalariado em atividades não agrícolas de vários dos seus membros. Segundo Pedroso, "a institucionalização da expressão agricultura familiar ignorou ser a agricultura uma atividade antes de tudo econômica". Este é, para ela, o cerne da questão.

Pequeno, médio, grande...

Num universo de um milhão de hectares plantados com hortaliças orbitam grandes produtores, produtores agroindustriais, pequenos produtores e, dentro dessa última classifi cação, os agricultores familiares. É justamente essa linha difusa que chama a atenção o fato de que, apesar de pequenos, o acesso a financiamento possibilitado por políticas públicas alcança apenas aqueles que estão dentro de normas preconizadas pela lei. Ou seja, apenas aqueles que sejam reconhecidos como agricultores familiares podem ter acesso a crédito para financiamento da produção.

Nesse contexto, as normas previstas na Lei 11.326 são consideradas problemáticas pelo pesquisador
e chefe-adjunto de Pesquisa & Desenvolvimento Ítalo Guedes. Assim como a pesquisadora Maria
Thereza, ele aconselha um viés menos excludente na formulação de políticas públicas voltadas para o pequeno produtor rural. "Temos pequenos produtores e se eles cabem na defi nição legal de agricultor familiar, nem sempre é o caso; se eles cabem dentro de uma definição mais ampla de agricultor familiar, talvez seja este o melhor caminho", avalia. 

Para exemplificar, o pesquisador aponta a experiência de produtores em cultivo protegido, na região do Distrito Federal, que possuem de uma a duas estufas, onde adotam um bom nível tecnológico
e produzem culturas de grande valor agregado, como pimentão e tomate. "São pequenos produtores
que têm menos de um hectare para produzir, são basicamente familiares e com alguns empregados,
mas não se enquadram nos critérios estabelecidos pela lei".

A visão de Guedes é compartilhada pela pesquisadora Milza Lana, da área de Pós-Colheita, para quem o modelo que prevalece hoje não reconhece, muitas vezes, a importância dos pequenos
e médios, que não se encaixam na definição de agricultores familiares, responsáveis pela produção
de hortaliças e outros produtos que garantem a diversidade de nossa alimentação. De acordo com
a pesquisadora, "o ideal é que haja uma política agrícola para propriedades de todos os tamanhos e
com diferentes escalas de produção, pois todas têm importância econômica e um importante papel para garantir a segurança alimentar do País".

Pesquisa X Agricultura Familiar

E a pesquisa de hortaliças, como fica em todo esse contexto? "Não existem rótulos e quando a tecnologia é desenvolvida e disponibilizada ela pode ser utilizada pela cadeia produtiva como um todo", sustenta Guedes, que considera enviesada a informação de que existem alguns segmentos da produção de hortaliças mais benefi ciados com as pesquisas que outros. Na sua opinião, o que pode restringir o acesso a algumas tecnologias é a falta de informação e, em alguns casos, de recursos para aqueles que estão fora do arranjo defi nido como agricultura familiar. 

Assim, a questão do acesso à tecnologia, segundo ele, é muito mais de fi nanciamento e de assistência técnica e extensão rural, mecanismos que fogem do papel da Embrapa. Para suprir algumas dessas defi ciências, em alguns casos adaptam-se tecnologias, como é o caso do Irrigas®, uma ferramenta para monitorar a água do solo, que mostra ao produtor a hora de irrigar. "Tanto licenciamos a tecnologia para uma empresa que digitalizou o processo, o que permite sua adoção por sistemas mais monetarizados, como mostramos como instrumentalizar a tecnologia utilizando materiais de uso doméstico", destaca o pesquisador, que assistiu alguns posseiros, no Núcleo Rural de Taquara, região do Distrito Federal, que fazem uso da tecnologia com materiais mais simplificados "e que funcionam". "Esse é um exemplo de que pode se investir em ambos os lados da cadeia
produtiva, apresentando alternativas". 

Ao contrário do Irrigas®, que pode ser usado por grandes produtores, a Casa de Embalagem de
Lona foi concebida para ser usada por pequenos produtores. Composta por uma estrutura simples, ela
é constituída de uma barraca móvel que abriga uma mesa para selecionar hortaliças e para proporcionar mais conforto ao produtor. Por ser móvel, é possível levar a estrutura para onde ele for, e proporcionar maior comodidade ao produtor, o que vai refletir na qualidade do produto. Conforme Milza Lana, que idealizou e tem realizado testes com o equipamento entre os produtores, "a barraca é basicamente uma estrutura para pequenos, pois o grande constrói barracão de alvenaria".

 

Anelise Macedo (2.749/DF)
Embrapa Hortaliças

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