27/12/18 |   Natural resources

Oportunidades em ambientes de montanha são foco de Mountains 2018

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Photo: Liliane Bello

Liliane Bello - O professor Martin Price, reconhecido pelo trabalho no IPCC, foi o presidente da comissão científica do evento

O professor Martin Price, reconhecido pelo trabalho no IPCC, foi o presidente da comissão científica do evento

A cidade de Nova Friburgo, na região serrana fluminense, sediou de 10 a 14 de dezembro o Mountains 2018, com debates que englobaram desde produção agrícola e pagamento de serviços ambientais até turismo ecológico e mudanças climáticas, passando por diversos simpósios internacionais e culminando na criação da Rede Latino-Americana e do Caribe para Pesquisa em Ambientes de Montanha. “O objetivo é reforçar a pesquisa na área e estabelecer metas para melhorar a vida das pessoas, com sustentabilidade”, afirma a pesquisadora da Embrapa Agrobiologia Adriana Aquino, presidente da comissão organizadora do Mountains. Segundo ela, a rede será um instrumento para cobrar a criação de programas de governo e fomentar pesquisas, a partir do fortalecimento do intercâmbio entre pesquisadores e instituições de toda a América Latina e do Caribe.

Outro ponto alto do Mountains 2018 foi a apresentação da chamada Carta de Nova Friburgo, uma iniciativa dos participantes do III Workshop sobre Desenvolvimento Sustentável em Ambientes de Montanha para alertar a sociedade e o poder público sobre a importância de ações e políticas direcionadas a esses ambientes. “As montanhas são apaixonantes. Seja por motivação econômica, social ou de lazer, elas atraem a gente. Então, com o engajamento correto, não é difícil alertar a população sobre os riscos que sofrem, tais como a questão hídrica e os desmatamentos, por exemplo. Fica o desafio para todos nós”, pontua Fernando Teixeira Silva, chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

A necessidade de implementação de políticas públicas específicas, inclusive, foi um dos fatores mais destacados pelos palestrantes e organizadores do evento. “O Brasil tem 16% de seu território em áreas de 600 metros ou mais de altitude. Somos signatários de vários documentos importantes e não temos políticas públicas para as montanhas. Esperamos contribuir para a criação de normas que diferenciem o uso de ambientes planos de outros montanhosos”, diz Adriana Aquino.

O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Celso Moretti, reafirmou a importância do debate, destacando que o evento constitui-se em um excelente momento para a formulação de políticas públicas, de manejo do solo, da água, da biodiversidade, da relação entre agroturismo e agricultura e do nexo da produção de alimentos com a gastronomia. 

Entretanto, as montanhas são muito mais do que áreas florestais ou econômicas. São também espaços de expressão cultural, de recreação, turismo e até mesmo sagradas. “Em muitos países, elas são consideradas lugares especiais. Na China existem montanhas tidas como sagradas. Na América do Norte e em outros países da Ásia, as pessoas têm um respeito especial por elas. Aqui na América do Sul estamos começando a desenvolver esse conceito. Nesse contexto, este encontro tem grande importância para a sensibilização dos governos, dos legisladores e da sociedade em geral”, afirma a professora Mônica Amorim, da Universidade Federal do Ceará.

Sustentabilidade, pagamento por serviços ambientais e turismo ecológico

As inúmeras possibilidades que os ambientes montanhosos oferecem para as comunidades neles inseridas são potencializadas quando instituições governamentais, associações e cooperativas atuam para promover a sustentabilidade e o turismo responsável. O pagamento por serviços ambientais (PSA), por exemplo, é uma das ferramentas que vêm sendo implementadas com sucesso em recentes experiências nas regiões serranas da Mata Atlântica e da bacia do Rio Paraíba do Sul, entre São Paulo e Rio de janeiro.

“Precisamos valorizar o capital humano e ambiental das propriedades para efetivamente termos benefícios ambientais. A visão, hoje, ruma para a compatibilidade entre ações ambientais e produtivas”, afirma o biólogo Gilberto Pereira, coordenador-executivo do projeto Conexão Mata Atlântica, que abriu uma mesa-redonda sobre PSA, ao lado do engenheiro florestal Flávio Monteiro, da Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Agevap), e do professor João Azevedo, do Centro de Pesquisa de Montanhas do Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.

Outra perspectiva é incentivar a produção sustentável de artigos artesanais, manufaturados e locais, como destaca o diretor-executivo da Fundação ProYungas, da Argentina, Sebastián Malizia. “Nosso foco é na produção ambiental e socialmente responsável. Os princípios são: trabalhar com sustentabilidade, com respeito aos direitos da comunidade e conservando a biodiversidade”, conta.

No que se refere ao turismo, por sua vez, as montanhas têm atraído cada vez mais visitantes em todo o mundo – e conciliar isso à preservação ambiental e à produção rural é um desafio. Mas, segundo especialistas, é uma tarefa possível. “A visitação nesses espaços não é antagônica à conservação. É preciso mudar essa visão e entender que elas andam juntas”, opina a escaladora e montanhista Kika Bradford, presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME).

No Brasil, o montanhismo e o trekking vêm ganhando cada vez mais adeptos – e especialmente no Rio de Janeiro isso foi ainda mais estimulado com a inauguração, em 2017, da trilha Transcarioca, com 200 quilômetros de extensão. Trata-se da primeira trilha de longo curso no Brasil e o maior percurso urbano da América Latina. De acordo com o coordenador-geral de Uso Público e Negócios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Pedro Menezes, as trilhas de longo curso asseguram o uso público do meio ambiente como direito inalienável da sociedade, geram emprego e renda, e ainda estimulam a conservação ambiental.

Mudanças climáticas e montanhas

Outro desafio que se mostra ainda maior nas regiões montanhosas é a adaptação às transformações climáticas. De acordo com o professor Martin Price, da University of Highlands and Islands, na Escócia, as mudanças no clima vêm se intensificando e são grandes responsáveis pela redução das geleiras, pela migração de espécies vegetais para locais mais altos, pelo risco de extinção de anfíbios, pelo aumento no número de deslizamentos e também pelo aumento de períodos de secas e de incidência de doenças.

Após as fortes chuvas que atingiram o município de Nova Friburgo em janeiro de 2011, provocando uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, o mapeamento e a gestão de riscos tornaram-se ferramentas cada vez mais importantes para antever situações e prevenir novos desastres. “Temos trabalhado com pesquisas fundamentais para entender como se dão os movimentos de massa, pesquisas aplicadas para transferir o conhecimento às comunidades locais, e também com extensão, buscando a integração entre a Universidade e as comunidades em risco”, informa o professor Leonardo Freitas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Segundo ele, há uma propensão de ocorrer desastres na região serrana do Rio de Janeiro – e em toda a Serra do Mar –, especialmente devido às condições de clima e relevo locais, com encostas muito íngremes. O geógrafo Pedro Higgens, assessor técnico da Secretaria de Meio Ambiente de Nova Friburgo, também citou as características de relevo e latitude do município como causadoras de uma dinâmica climática bem específica e destacou que hoje o município integra um projeto-piloto de Gestão Integrada de Riscos em Desastres Naturais (Gides). “Hoje vemos que há melhoria de redes de radares, instalação de pluviômetros em áreas de risco e equipamentos de alerta para as comunidades. Dentro do projeto Gides, estamos atuando principalmente no eixo de mapeamento de perigo e risco a movimentos gravitacionais de massa”, informa.

Além de aumentar as chances de desastres, as mudanças climáticas afetam as populações de montanhas também de outras formas. É o que afirma a pesquisadora Sarah-Lan Mathez-Stiefel, do Centre for Development and Environment (CDE) e do World Agroforestry Centre (ICRAF), no Peru. Segundo ela, os Andes peruanos apresentam grande vulnerabilidade e vêm sofrendo com o aumento das temperaturas, o aumento do degelo dos glaciares e, paralelamente, com a grande pobreza e dependência de recursos naturais por parte das comunidades ali inseridas. “São fatores que aumentam os desafios de encarar as mudanças climáticas”, traduz.

Além dessas discussões, o Workshop envolveu uma sessão de pôsteres e outra oral com relatos de experiências diversas relacionadas às muitas possibilidades de atividades econômicas e de conservação ou recuperação ambiental que circundam o ambiente montanhoso. Outras duas mesas-redondas também ampliaram a discussão: uma falando sobre os desafios para ação e manejo sustentável dessas áreas e outra com experiências de políticas nacionais para regiões de montanha.

Redes de pesquisa

O estudo de temas relacionados aos ambientes de montanha e suas diversidades e desafios é o mote da Rede Lumont (Rede de Investigação de Montanha da Lusofonia), que foi apresentada no final do evento, no término da II Conferência Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Sustentável em Regiões de Montanhas, e é a inspiração para a criação da Rede Latino-Americana e do Caribe para Pesquisa em Ambientes de Montanha. Instituída no Mountains 2016, a Lumont tem por objetivo promover a circulação e a partilha de informações entre pesquisadores e instituições que se dedicam a temas de montanhas em países que têm o Português como língua oficial - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

De acordo com o professor João Carlos Azevedo, do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), em Portugal, a Lumont vem funcionando de maneira informal, mas há o intuito de formalizar a rede de instituições participantes e criar uma estrutura interna de governança. "Um dos nossos pontos fracos, hoje, é que não há uma orientação estratégica definida para a rede. Precisamos criar essa estrutura interna de governança e buscar legitimidade”, ressalta. 

Para o diretor da ONG Crescente Fértil e um dos organizadores do Mountains 2018, Luís Felipe César, o evento superou as expectativas, tanto em relação à quantidade dos participantes quanto à diversidade e à qualidade dos debates e dos documentos formalizados, como a Carta de Nova Friburgo e a Rede Latino-Americana e do Caribe para Pesquisa em Ambientes de Montanha. “São ferramentas que podem efetivamente contribuir para a construção de políticas públicas, na medida em que representam a alta qualidade técnica do evento, tendo sido assinados por instituições com papéis relevantes em suas áreas de atuação em diversos países”, declara.

No entanto, Felipe opina que, apesar de importantes, esses documentos só cumprirão seus objetivos se forem utilizados de fato por todos os que os assinaram e que concordam com seu teor. “Dependerá de nós buscar espaços de sensibilização e efetivo trabalho de campo para que as políticas se construam e possamos avançar na conservação e na sustentabilidade ambiental para as montanhas”, revela.

Para Martin Price, os encontros científicos são fundamentais para o avanço das pesquisas e para a consolidação dessas redes locais e globais. Reconhecido pelo protagonismo na criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que rendeu a ele e a toda a equipe do IPCC o prêmio Nobel da Paz em 2007, Price foi o presidente da comissão científica do Mountains 2018. “É muito especial poder colaborar com a organização desta conferência científica, que busca a cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável nas regiões de montanha. Estarmos aqui reunidos, conversando e trocando ideias, faz toda a diferença”, destaca.

Sobre o Mountains

O Mountains 2018 foi um evento organizado conjuntamente pela Embrapa, pela ONG Crescente Fértil, pelo Centro de Investigação de Montanha, pelo Instituto Politécnico de Bragança, pela Universidade Federal do Ceará, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pela Unesco, pelo Mountain Partnership e pela University of Highlands and Islands. Esta foi a segunda edição do encontro – a primeira foi em 2016, em Bragança, Portugal.

O evento englobou o III Workshop sobre Desenvolvimento Sustentável em Ambientes de Montanha – cujas edições anteriores foram realizadas em Nova Friburgo em 2010 e 2013 – e também a II Conferência Internacional sobre Pesquisa para o Desenvolvimento Sustentável em Regiões de Montanhas, cuja primeira edição foi realizada durante o Mountains 2016, em Portugal. A programação envolveu ainda excursões temáticas a diversas áreas de Nova Friburgo e entorno. “Buscamos oferecer oportunidades para que conheçam atividades e experiências, produtos e serviços de qualidade e ambientalmente sustentáveis”, explica o pesquisador Mauro Vianello, da Embrapa Agroindústria de Alimentos e membro do comitê organizador do Mountains.

Agricultura orgânica, socioagrobiodiversidade, educação do campo, turismo sustentável, agricultura familiar, sistemas agroflorestais, fruticultura orgânica, pecuária leiteira, cafeicultura, produção animal, serviços ecossistêmicos, artesanato, gestão de áreas de risco ambiental, recuperação de áreas degradadas e visitação em área de proteção ambiental foram alguns dos temas abordados nas excursões. “Este evento colocou as montanhas brasileiras definitivamente no mapa das montanhas do mundo, a partir da participação do Mountain Partnership, instituição ligada à FAO, e da participação de instituições e pesquisadores de todo o mundo. Uma próxima edição poderá certamente aprofundar os temas debatidos e terá um papel importantíssimo para avaliar os avanços obtidos a partir de agora”, finaliza Luís Felipe César.

Leia mais sobre o Mountains 2018:

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Liliane Bello (MTb 01799/GO)
Embrapa Agrobiologia

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