Embrapa e CNA realizam Dia de Campo do Projeto Biomas no Cerrado
Embrapa e CNA realizam Dia de Campo do Projeto Biomas no Cerrado
Photo: Breno Lobato
Dia de Campo do Projeto Biomas reuniu cerca de 80 pessoas e abordou a adequação ambiental na propriedade rural
A importância da árvore na propriedade rural, a adequação ambiental ao Novo Código Florestal e as estratégias de recomposição da vegetação nativa do Cerrado foram os temas abordados no Dia de Campo do Projeto Biomas, realizado no dia 7 de junho na Fazenda Entre Rios, no Paranoá (DF). O projeto é uma iniciativa da Embrapa e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que busca viabilizar soluções com árvores para a proteção, recuperação e o uso sustentável de propriedades rurais nos diferentes biomas.
O Dia de Campo foi uma atividade do componente Cerrado do Projeto Biomas e teve a participação de cerca de 80 pessoas, entre técnicos de órgãos ambientais e de outras entidades, pesquisadores, estudantes e produtores. O evento também homenageou o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho.
O chefe-geral da Embrapa Cerrados, Claudio Karia, agradeceu aos proprietários da fazenda pela colaboração com o projeto e à CNA pela parceria. Ele destacou o trabalho de pesquisa da Unidade sobre a conservação recursos naturais do Bioma Cerrado, sobretudo com conhecimentos sobre a flora. “Esta é uma oportunidade de mostrarmos para todo mundo o que temos feito nesses últimos 40 anos de trabalho. Nada melhor que fazer isso dentro de uma propriedade, junto com quem pode difundir as nossas tecnologias, e transformar esse conhecimento em inovação”, disse.
Karia destacou a oportunidade conferida pelo novo Código Florestal de colocar em prática o conhecimento gerado. “A pesquisa e o conhecimento têm um valor intangível. O conhecimento nunca é demais, e você não sabe quando poderá utilizá-lo em benefício da humanidade”, afirmou, apontando o caráter inovador do Projeto Biomas, que envolve mais de 70 pesquisadores e professores no Cerrado e mais de 300 em todo o País.
O coordenador do componente Cerrado do projeto e pesquisador da Embrapa Cerrados (DF), Felipe Ribeiro, destacou as parcerias para levar os conhecimentos gerados pela pesquisa para o produtor, como as Universidades de Brasília (UnB) e Federal de Goiás (UFG) e o Instituto Brasília Ambiental (IBRAM). “Uma vez que temos esses conhecimentos para auxiliar no cumprimento do novo Código Florestal, há o desafio de trabalhar com os Programas de Regularização Ambiental dos estados. Um ponto importante é entender as necessidades de cada estado nesse programa e inserir os atores envolvidos. Nesse sentido, o Projeto Biomas tem colaborado muito, entendendo o papel de cada um desses atores”, afirmou.
O coordenador nacional do Projeto Biomas, Alexandre Uhlmann, explicou que o projeto surgiu de um contrato de cooperação técnica firmado em 2010 entre a Embrapa e a CNA para a implantação de locais de pesquisa com árvores para o avanço no conhecimento sobre restauração de Áreas de Proteção Permanente e de Reserva Legal e sobre a silvicultura de algumas espécies. “Ideias bastantes similares às dos experimentos desta fazenda foram implantadas nos outros biomas do País, justamente devido à nossa percepção de que uma lógica única não poderia ser aplicada ao Brasil inteiro. Deveríamos conhecer as particularidades do ambiente e traduzi-las por meio da pesquisa”, disse Uhlmann, que é pesquisador da Embrapa Florestas (Colombo, PR).
Adriano Varela e José Brilhante Neto, proprietários da fazenda, manifestaram a satisfação em participar do Projeto Biomas. “Muitos mitos foram criados na parte ambiental, e só se derruba mitos com pesquisa. E o produtor não sabe fazer pesquisa. A parceria com a Embrapa é para isso e para abrir as porteiras do Brasil para o mundo”, afirmou Varela.
Cláudia Mendes, coordenadora-executiva do Projeto Biomas pela CNA, lembrou que a instituição também não realiza pesquisa, mas pode viabilizá-la junto com outros parceiros apoiadores. “Foi assim que conseguimos fazer que o projeto chegasse de fato onde chegou. Era um projeto muito inovador e audacioso, mas acreditamos que estar ao lado da ciência é a forma para trazer os resultados de que o produtor precisa para produzir e conservar”, disse, salientando que um dos principais objetivos é contribuir para a aplicabilidade da legislação ambiental.
“Existem muitas lacunas no meio rural, uma delas é em relação aos passivos ambientais. Queremos mostrar como o produtor pode resolver esses problemas ambientais. Com essa parceria, acreditamos que os resultados do projeto cheguem ao produtor rural, que é o nosso principal foco”, concluiu.
Reserva Legal
Os participantes percorreram três estações técnicas. Na primeira estação, as professoras da UFG, Sybelle Barreira e Francine Calil, falaram sobre a árvore na propriedade rural. Sybelle apontou os papéis desempenhados pelas árvores, como manutenção de inimigos naturais e balanço hídrico; uso econômico e diversificação de produtos, como madeira de qualidade e valor agregado; prestação de serviços ecossistêmicos; atendimento à legislação ambiental e uso na recuperação de áreas de Reserva Legal. “O produtor tem que entender que ter árvore não é problema, é parte da solução dos problemas dele”, comentou.
Ela falou sobre um experimento conduzido para recuperação de Reserva Legal em área de 0,84 ha da fazenda, com árvores de quatro espécies madeireiras exóticas (eucalipto, teca, acácia mangium, seringueira e um sistema misto com nativas), que fornecem madeira e produtos não madeireiros como sementes, e nove espécies nativas nas entrelinhas, utilizadas na regeneração da área.
A avaliação econômica do sistema apontou semelhanças nos custos de implantação e manutenção das espécies exóticas e variação no custo de exploração. As receitas médias anuais variaram de R$ 3,5 mil a R$ 4,4 mil de acordo com a espécie. “O produtor ganharia mais plantando soja, mas aqui se trata de um modelo para Reserva Legal. É uma possibilidade de obtenção de receita onde não se imaginava”, argumentou a professora.
Também foi apresentado gráfico do crescimento em altura e diâmetros de duas espécies nativas – baru e jatobá – utilizadas no sistema com as árvores exóticas. Quando ao lado do eucalipto, as espécies nativas tiveram desempenhos distintos, indicando um critério de escolha das espécies para composição de um sistema de Reserva Legal.
Francine apontou os benefícios proporcionados pelos sistemas integrados com árvores, como melhoria dos atributos químicos, físicos e biológicos do solo; aumento do bem-estar animal em decorrência do conforto térmico; possibilidade de aplicação em diversos sistemas e tamanhos de unidades de produção; diminuição do uso de agroquímicos para o controle de pragas, doenças e plantas invasoras; conciliação da atividade produtiva com o meio ambiente e aumento na renda dos empreendimentos rurais. O custo de implantação médio, segundo a professora, é de R$ 4,5 mil por hectare (considerando R$ 0,70 como valor da muda), valor que varia conforme o arranjo e as espécies.
Ainda nessa estação, o pesquisador Marcus Vinício d’Oliveira, da Embrapa Acre (Rio Branco, AC), fez apresentação sobre o uso de veículo aéreo não tripulado (VANT) no monitoramento das áreas de restauração ambiental. Com o uso de câmaras fotográficas de alta sensibilidade acopladas aos VANTs, é possível estimar a densidade das árvores, a cobertura de copa, a biomassa do plantio e a riqueza de espécies das áreas.
Por meio de um algoritmo, as imagens captadas formam uma imagem tridimensional do alvo, da qual se pode extrair informações do terreno (solo), da superfície (copas) e da altura das árvores. Com a área de copa e a altura das árvores, é possível calcular a biomassa. “Queremos facilitar o trabalho dos órgãos e gestores ambientais no monitoramento dos plantios”, explicou.
O pesquisador lembrou que os estudos ainda são iniciais, e que as próximas etapas são a adaptação dos parâmetros de voo (altura de voo, sobreposição, velocidade, entre outros), a calibração dos modelos dos estoques de biomassa e o desenvolvimento de metodologia para a separação das espécies por assinatura espectral.
Política pública e ferramentas
A segunda estação foi apresentada pelo superintendente de licenciamento ambiental do IBRAM, Alisson Neves, que abordou o Programa de Regularização Ambiental do Distrito Federal (PRA-DF), e pelo pesquisador Felipe Ribeiro, que apresentou o uso da plataforma WebAmbiente.
Neves falou sobre o arcabouço legal para a adequação ambiental, a partir do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), que institui o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os respectivos programas. É o caso do PRA-DF, programa público de incentivo à conservação, restauração, recomposição e utilização sustentável da vegetação nativa do Cerrado, ao qual podem aderir os produtores que preencheram o CAR.
No Distrito Federal, o CAR reúne informações de cerca de 15 mil imóveis rurais, representando uma área protegida declarada de 150 mil hectares. “São números volumosos que mostram que estamos no caminho certo. Mas é só o começo desse caminho. Precisamos captar os saberes do produtor e trazê-lo como parceiro para levantar e restaurar as áreas que precisam ser restauradas”, disse, acrescentando que as soluções devem ser construídas entre produtores e instituições envolvidas.
O IBRAM vai apoiar as informações sobre métodos e técnicas para implantação do Projeto de Recomposição de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) disponibilizadas aos produtores, além de produzir o protocolo de monitoramento e indicadores ecológicos para avaliação dos resultados dos plantios. Para isso, trabalha em parceria com a Embrapa, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e universidades, entre outros atores.
Uma das ferramentas que oferecem essas informações é o WebAmbiente, plataforma online desenvolvida pela Embrapa e o Ministério do Meio Ambiente. “Ainda este ano, estaremos institucionalizando como ferramenta oficial para auxiliar na tomada de decisão do produtor no PRA-DF”, anunciou Neves.
Ele apontou os benefícios e incentivos econômicos que podem ser proporcionados pelo PRA-DF, como o reconhecimento dos produtores como prestadores de serviços ambientais, a participação no Programa de Aquisição da Produção Agrícola e do Programa Nacional de Alimentação Escolar, a adesão a linhas de financiamento, a programas de assistência técnica e extensão rural e a processos de regularização fundiária de terras públicas rurais do DF.
O pesquisador Felipe Ribeiro apresentou as funcionalidades do WebAmbiente, que identifica os sistemas de recomposição mais adequados e oferece uma lista de espécies nativas mais apropriadas para uma determinada área. Ele mostrou os passos para a adequação ambiental que nortearam a estruturação da ferramenta: preparo inicial do local a ser recuperado, identificação dos sistemas de recuperação mais adequados às condições da área e proposição de uma relação de espécies nativas apropriadas para plantio.
Para exemplificar o uso do WebAmbiente, o pesquisador apresentou uma simulação com a plataforma para uma das áreas da fazenda. A ferramenta solicita a indicação da gleba a ser recuperada, a vegetação de referência a ser recuperada, o estágio de degradação da gleba, as condições gerais do ambiente e as condições do solo na gleba. O programa então fornece as medidas para o preparo da área, as estratégias de plantio em relação às condições da área e a recomendação das espécies que podem ser plantadas, com as respectivas informações. Dessa forma, a ferramenta serve de apoio à elaboração do PRADA.
Ribeiro levantou a questão do retorno econômico obtido com os sistemas de recuperação das áreas. “Este é o grande desafio: como fazer um ganho ambiental dos serviços ambientais que esses sistemas vão prover e como valorizá-los? No caso, quem tem que ser remunerado é o produtor”, declarou.
Segundo o pesquisador, o reconhecimento sobre a conservação de cada um dos biomas é uma das soluções concretas para que propostas de órgãos ambientais se materializem na área do produtor. “Esta é a contribuição do Projeto Biomas: gerar informação técnica e fazer que ela chegue ao produtor com as parcerias com os sistemas de assistência técnica e extensão rural”, apontou.
Estratégias
A última estação, apresentada por Alexandre Sampaio, analista ambiental do ICMBio, e Maria Cristina de Oliveira, professora da Universidade de Brasília (UnB), teve como tema espécies e estratégias de recomposição da vegetação nativa para diferentes fitofisionomias do Bioma Cerrado.
Sampaio apresentou métodos de recomposição da vegetação nativa arbustivo-herbácea. Ele lembrou que há uma diversidade de técnicas e possibilidades para lidar com a diversidade de ambientes encontrados no Cerrado, como as florestas próximas a cursos d’água, as savanas em solos mais profundos e menos férteis e os campos nas partes mais altas da paisagem. “O importante é olhar para a diversidade do Cerrado e usar essa informação para fazer a restauração. Se usarmos um pacote indistintamente em tudo, a chance de insucesso é bastante grande”, afirmou.
O analista ambiental destacou a importância da recuperação das formações savânicas e campestres do Cerrado, que vão oferecer serviços ambientais não prestados pelas formações florestais, como a produção de água. “O novo Código Florestal diz que temos que proteger as nascentes e as matas de galeria. A nascente é a torneira da nossa água e a mata de galeria é a tubulação. Mas a caixa d’água está nas partes mais altas do terreno, nos solos mais profundos, que armazenam a água para o período seco. Se não temos uma vegetação que permite a infiltração de água nessa parte alta, estamos selando a caixa d’água, fazendo que no período seco não tenhamos tanta água como temos numa paisagem com vegetação nativa”, comparou.
A restauração da vegetação das savanas e dos campos também favorece a conservação do solo, o sequestro de carbono no solo, a polinização e a conservação da biodiversidade. Sampaio mostrou resultados de um experimento em área de pastagem abandonada, na qual foi feita restauração com o plantio de espécies do Cerrado. Após cinco anos, a vegetação nativa passou a predominar na paisagem, produzindo água e atraindo polinizadores e inimigos naturais de pragas agrícolas. De 48 espécies de árvores analisadas na área, as taxas de emergência por semeadura direta variaram de 29% a 89%, sendo que no primeiro ano a sobrevivência foi de 83% a 99% das plantas e o crescimento em altura foi de 7 cm a 17 cm.
Ele mostrou ainda os custos por hectare a partir dos melhores resultados obtidos nos experimentos com a semeadura direta de pelo menos 700 sementes viáveis gramíneas e arbustos por metro quadrado. “Não é barato, mas tem sido gasto o dobro ou o triplo para se fazer muito menos que essa iniciativa. A semeadura direta tem se mostrado uma alternativa bastante viável para trazer de volta espécies produtivas para a propriedade, mas também biodiversidade”, disse.
Já Maria Cristina falou sobre estratégias de plantios de espécies arbóreas para a recomposição de vegetação nativa. Ela mostrou resultados de um experimento iniciado na fazenda em novembro de 2012 que avalia a sobrevivência e o crescimento de 10 espécies de árvores nativas (de mata e de cerrado) plantadas por meio de semeadura direta para a recuperação de uma área de 0,5 hectare de cultivo abandonada. As espécies foram escolhidas em função do potencial retorno econômico, da biodiversidade e da prestação de serviços ambientais em Reserva Legal.
“Além de conhecer a emergência e a sobrevivência, queríamos verificar se a adubação na área e a profundidade do sulco iria aumentar o desempenho dessas espécies. Mas elas não responderam a isso, e tivemos que avaliar como elas emergiram”, explicou.
A taxa de emergência variou de 0% a 44,6% conforme a espécie. De um total de 7,2 mil sementes, 1.928 indivíduos por hectare sobreviveram e se desenvolveram, taxa considerada muito satisfatória para as condições de Cerrado. A professora destacou que a aroeira teve 99% de sobrevivência, mas teve taxa de emergência de apenas 13,6%. “A semente da aroeira não tem dormência, germina facilmente. Pode haver outros fatores que colaboraram para essa baixa taxa de germinação”, comentou, apontando também as diferenças de crescimento da parte aérea entre as espécies florestais (mais rápido) e de cerrado (mais lento, investindo mais no crescimento radicular).
Maria Cristina apontou como problemas na área a ocorrência de plantas invasoras cobrindo o solo e de formigas. Além disso, foi observada a regeneração natural após seis anos, com o reaparecimento de pelo menos cinco espécies, sendo que alguns indivíduos de duas delas (lobeira e baru) estão em frutificação. “Já vemos espécies sendo trazidas de áreas da redondeza. Encontramos um ninho de pássaros, muitos insetos nas lobeiras, cobras frequentes, veados deixando marcas nas árvores, sem falar dos roedores. Começamos a ver uma certa interação dessa fauna retornando ao ambiente, que está muito mais acolhedor, com sombra densa e umidade muito maior. Isso não era observado anteriormente nessa área”, afirmou.
A professora citou outros dois experimentos do Projeto Biomas nas áreas vizinhas: desenvolvimento de espécies madeireiras e frutíferas nativas do Cerrado via plantio de mudas, liderado pelo professor Jácomo Borges, da UFG, e o uso de espécies para a produção de frutas, madeira roliça e lenha associados em Área de Reserva Legal via plantio de mudas, coordenado pela pesquisadora Annete Bonnet, da Embrapa Florestas, apontando em ambos estudos as espécies com maiores taxas de sobrevivência e os problemas observados.
Ela finalizou a apresentação mostrando a estimativa do custo líquido com o plantio de mudas e a semeadura direta durante dois anos. Foram gastos R$ 9.744/ha no plantio de mudas de modo convencional mecanizado e R$ 6.180/ha com a semeadura direta manual.
No encerramento do Dia de Campo, Adriano Varela, proprietário da Fazenda Entre Rios, destacou que a realização do evento é importante não apenas para informar o que tem sido feito na fazenda, como também para captar as diferentes percepções dos participantes. “Esperamos ter outras visitas para que possamos seguir nessa construção de conhecimento”, disse.
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
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