Cientistas usam drones para fazer inventário de florestas e estimar volume de madeira
Cientistas usam drones para fazer inventário de florestas e estimar volume de madeira
Uma metodologia automatizada permite realizar em três horas a medição de volumes de madeira em florestas que, de forma manual, levaria três semanas para ser realizada. Aplicável a diferentes demandas do manejo de florestas, a tecnologia desenvolvida pela Embrapa possibilita voos para a coleta de dados em grandes extensões, por meio de drones, também conhecidos como veículos aéreos não tripulados (VANTs). A partir de combinações de imagens aéreas sequenciais é possível obter modelos 3D de alta precisão, com maior rapidez e baixo custo, para diferentes finalidades. A metodologia já auxilia técnicos do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) no monitoramento de concessões.
O uso de drones no manejo florestal é uma tendência do processo de automação do setor, iniciado há mais de uma década, e que ganhou celeridade com a chegada das geotecnologias para o planejamento da atividade. Segundo o pesquisador da Embrapa Acre Evandro Orfanó, as geotecnologias viabilizaram tarefas que não eram realizadas em função das dificuldades de acesso ou por serem excessivamente demoradas e onerosas.
Medição do volume de toras, que demora sete dias com o trabalho de três técnicos, é feito em dez minutos com drone |
“O mapeamento de florestas de forma manual é demorado e de alto custo. Com a nova metodologia, poderá ser realizado em minutos, com investimentos reduzidos e resultados altamente confiáveis. É possível fazer um diagnóstico de diferentes aspetos do manejo florestal, em uma escala de centímetros, e visualizar detalhes antes impensáveis”, afirma o cientista.
O volume de toras é calculado quase automaticamente
As pesquisas para desenvolvimento da metodologia com drones iniciaram em 2015 com o objetivo de encontrar uma alternativa tecnológica para calcular o volume de madeira extraído da floresta (cubagem das toras), com redução da morosidade e incertezas do levantamento tradicional, problemas comuns no ramo madeireiro em diversas localidades da Amazônia.
Os testes em campo aconteceram em pátios de estocagem de empresas do Acre e Rondônia, sempre comparando com o método manual. Foram testados diferentes níveis de ajuste da metodologia automatizada de levantamento de estoques de madeira, para avaliar o grau de precisão das informações sobre a produção.
Para medir a madeira estocada, o drone sobrevoa os volumes empilhados e captura imagens que possibilitam obter medidas precisas de cada tora. Inicialmente a metodologia foi testada em mil metros cúbicos de madeira, em Rio Branco (AC). No método tradicional, cinco técnicos trabalharam durante sete dias para medir as toras, com uso de trena, anotar o diâmetro, o comprimento e calcular o volume individualmente.
“Com o uso de drone, a medição foi feita em apenas dez minutos, com diferença de meio porcento nos quantitativos apurados. Esse resultado representou um salto na atividade, por reduzir drasticamente o tempo de trabalho, com margem de erro quase zero”, conta Orfanó.
Os testes realizados na Floresta Nacional do Jamari (RO), em parceria com o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão responsável pelo monitoramento de florestas manejadas em regime de concessão pública, confirmaram a eficiência da metodologia com drone na cubagem de madeira.
Para calcular a volumetria de 25 mil metros cúbicos, o equivalente a aproximadamente 800 caminhões de madeira em toras, foram necessários 16 minutos de sobrevoo e três horas de processamento das informações coletadas. “Manualmente, a atividade demandaria 21 dias de trabalho com, no mínimo, três profissionais”, diz o pesquisador.
Volume de toras equivalente a 800 caminhões cheios demora apenas três horas de processamento para ser calculado |
Tecnologia agiliza vistorias florestais
Atualmente, o Brasil possui um milhão de hectares de floresta em regime de concessão pública, localizados nos estados de Rondônia e Pará, operacionalizados por meio de 17 contratos que produzem 175 mil metros cúbicos de madeira por ano, conforme dados do SFB. Essa produção é registrada pelas concessionárias no Sistema de Cadeia de Custódia da instituição.
De acordo com José Humberto Chaves, gerente de monitoramento e auditoria florestal do SFB, a metodologia automatizada com drone proporcionou um salto na agilidade do processo de vistoria nos pátios de estocagem das concessionárias, com ganhos significativos em produtividade nas rotinas de monitoramento.
“Na medição tradicional, tínhamos dificuldade para fazer uma amostragem significativa da produção. A cada vistoria de três dias conseguíamos medir cerca de 150 toras. Com a metodologia com drone medimos o pátio inteiro, com até 24 mil metros cúbicos de madeira, em poucas horas de trabalho e conseguimos confrontar o resultado com a produção declarada pelas empresas no nosso sistema de rastreabilidade com maior segurança”, ressalta.
Na opinião do gestor, realizar o processo de cubagem de madeira com drone otimizou o tempo de trabalho e simplificou a atividade, que agora pode ser realizada por apenas uma pessoa, com redução de gastos com mão de obra e mais qualidade das informações geradas. “Com isso, as equipes de monitoramento têm mais tempo para atuar em outras operações de campo, como a instalação de parcelas permanentes e checagem da qualidade das estradas. Adotar a metodologia com drone trouxe vantagem também para as concessionárias, uma vez que a medição da madeira nos pátios de estocagem pode ser feita a qualquer tempo, sem a necessidade de interrupção das rotinas da empresa”, acrescenta.
Como a metodologia funciona
A metodologia com drone funciona com apoio de receptores GNSS (Sistema de Navegação Global por Satélite) instalados em solo e por meio de softwares específicos de processamento. As fotos aéreas produzidas por esses equipamentos são processadas e interpretadas com uso da fotogrametria digital, técnica que permite extrair formas, dimensões e posição dos objetos fotografados, já utilizada em projetos aeroespaciais, automobilismo, medicina e outras áreas.
Algoritmos de identificação de características das imagens constroem uma nuvem de pontos tridimensional do objeto sobrevoado, de onde são extraídas informações de volume, no caso de pilhas de madeira. “Para a programação dos planos de voo são usados parâmetros de sobreposição frontal, lateral e altura de voo adequados aos objetivos dos levantamentos aéreos e, ao assumir a função autônoma, o drone coleta os dados previamente definidos. A execução de levantamentos aerofotogramétricos com drones requer autorização de voo pela Agencia Nacional de Aviação Civil (Anac)”, esclarece Orfanó.
As alternativas de uso da tecnologia vão desde pacotes empresariais que exigem drones de alto padrão associados a computadores potentes que custam entre R$ 15 mil e R$ 200 mil, até versões simplificadas que utilizam um drone de baixo custo para o sobrevoo e enviam as imagens coletadas para uma nuvem de dados na internet, administrada por empresas de tecnologia, nas quais são processados e remetidos para o computador. “Independentemente da versão utilizada, a análise é feita a partir dos dados coletados, com base nos objetivos previstos. Por isso é importante programar bem o plano de voo para garantir a precisão das informações”, recomenda o pesquisador.
Manejo Florestal 4.0
Os drones integram um novo paradigma no manejo florestal de precisão, que permite conhecer detalhadamente a floresta, em uma perspectiva aérea, e se alinha a procedimentos similares aos de geotecnologias automatizadas como o Modelo Digital de Exploração Florestal (Modeflora) e Lidar (Light Detection and Ranging), constituindo uma nova fase da atividade conhecida como “Manejo Florestal 4.0”. Essa evolução tecnológica possibilitou a realização de inventários semiautônomos a partir do uso de ferramentas de alta precisão e algoritmos para segmentação e geolocalização automática das árvores.
Segundo o pesquisador da Embrapa Acre Marcus Vinícios D’Oliveira, um dos principais desafios do inventário em florestas tropicais nativas ainda é a localização de árvores de interesse comercial. Dificuldades como a transposição de cursos hídricos e a vasta ocorrência de cipós e bambus dificultam a visualização de muitas dessas árvores e tornam o trabalho na floresta árduo, lento e dispendioso.
“Por meio do uso de drones é possível mapear previamente o dossel da floresta (copa das árvores) e coletar informações que ajudam na localização dessas espécies, contribuindo para a avaliação do potencial de exploração de madeira e para uma produção sustentável na área manejada”, destaca.
Para facilitar o planejamento da atividade, a Embrapa lançou a primeira versão de um Calendário de Inventário Florestal, com o uso dessa tecnologia e disponível para adoção. A ferramenta orienta o planejamento, licenciamento e monitoramento de florestas na Amazônia com uso de drones.
Outra possibilidade proporcionada pelos drones é o reconhecimento nominal de espécies madeireiras, por meio de um software com algoritmo treinado que processa as informações coletadas e cruza os resultados com um banco de dados. Estudos em andamento têm buscado ajustar a ferramenta para essa função. “Esse trabalho requer a realização de diversos voos sobre a mesma área para identificação de aspectos relacionados às fenofases das árvores, como floração, frutificação e área foliar, e os resultados poderão contribuir com o avanço do conhecimento sobre os recursos florestais da Amazônia”, afirma D’Oliveira.
Foto: Evandro Orfanó
Tecnologia versátil
Os drones se tornaram fortes aliados não só da atividade florestal, mas também na agricultura e pecuária. Esses equipamentos coletam, de forma automatizada, um grande volume de dados que podem ser gerenciados tanto pela indústria madeireira como por produtores rurais e agentes da esfera pública. Entretanto, os softwares utilizados integrados a essas ferramentas, disponíveis no mercado, possibilitam apenas planos de voo baseados em uma estratégia média para uso nas diversas atividades. O aspecto genérico da programação de voos dificulta a análise das informações coletadas, seja no mapeamento de uma floresta, da lavoura ou pastagem, por desconsiderar especificidades de cada área.
Na avaliação de Orfanó, o principal diferencial da metodologia desenvolvida pela Embrapa é o caráter ajustável, que possibilita múltiplas aplicações e o atendimento de demandas de diferentes atividades produtivas e para fins de pesquisa. Por meio de ajustes nos parâmetros de voo, é possível programar estratégias de fotogrametria para cada finalidade, resultando em dados mais precisos. “Em estudos com dinâmicas de florestas, por exemplo, podemos definir rotas para realizar o monitoramento, medição de parcelas e coletas de dados com uso de drone ou um robô de campo (robô off-road) programados com a metodologia”, ressalta.
Para José Humberto Chaves, a metodologia com drone tem potencial para outas aplicações no trabalho de monitoramento de florestas públicas realizado pelo SFB, como a avaliação do impacto da atividade florestal nas áreas manejadas por concessão e identificação de áreas com exploração ilegal. “Além disso, o uso de drones poderá ser conjugado com outras tecnologias já utilizadas no manejo de precisão, de custo mais elevado, como o LiDAR. Utilizar essa ferramenta na realização de tarefas como a quantificação de trilhas de arraste e de áreas abertas destinadas à construção de estradas e pátios pode reduzir ainda mais os custos na atividade”, analisa.
Embrapa capacita técnicos florestais
A expansão do uso de veículos aéreos não tripulados em diferentes segmentos criou inúmeras possibilidades de uso para a tecnologia, mas manejar adequadamente essa ferramenta exige conhecimento sobre técnicas de cartografia, procedimentos de voo, técnicas de pilotagem e calibragem, regras de segurança e normatização de uso. Para viabilizar a adoção em larga escala da metodologia com drone, a Embrapa tem atuado na capacitação de profissionais de instituições públicas e privadas ligadas ao setor florestal. Os cursos de qualificação técnica permitem a customização da aplicação da tecnologia, com foco no atendimento das necessidades de cada órgão.
Além de equipes do Serviço Florestal Brasileiro, já foram capacitados servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e profissionais da Embrapa Amazônia Ocidental (AM) e da Embrapa Amapá, além de outros públicos. Os conhecimentos sobre a metodologia também são repassados por meio de disciplina específica no curso de mestrado em Engenharia Florestal, da Universidade Federal do Acre (Ufac).
“O objetivo do treinamento é habilitar os profissionais que atuam no setor florestal, em especial na Amazônia, para ampliar a capacidade de trabalho nesta região, agregar valor aos seus serviços e produzir dados com qualidade e precisão. O Manejo Florestal 4.0 está na vanguarda da ciência florestal mundial e precisa ser difundido, por meio da formação de profissionais especializados e com alta capacidade de transformação e inovação no mercado de trabalho”, afirma o engenheiro florestal Daniel Papa, analista da Embrapa Acre e um dos responsáveis pelas capacitações.
Foto:Fabiano Estanislau
Diva Gonçalves (MTb 0148/AC)
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