05/05/20 |   Family farming

Tecnologia barata para produzir alimentos é adotada por 4,5 mil famílias em 12 estados

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Photo: Flavia Bessa

Flavia Bessa - O Sisteminha foi dimensionado para atender necessidades nutricionais de uma família de quatro pessoas, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)

O Sisteminha foi dimensionado para atender necessidades nutricionais de uma família de quatro pessoas, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)

  • Tecnologia social, o Sisteminha beneficia 4,5 mil famílias de 12 estados brasileiros. É adotado também em sete países africanos.

  • Pode ser instalado em pequenas áreas.

  • Consiste em um tanque para criação de peixes. podendo ser associado a outros 14 módulos produtivos.

  • Famílias que não tinham renda passaram a ganhar, em média,  um salário mínimo com a venda de produtos em feiras.

  • Escalonamento da produção garante o consumo sem interrupção e a diversidade de produtos, a sustentabilidade.

  • O Sisteminha é fruto de parceria entre a Embrapa e a Universidade Federal de Uberlândia (MG), com apoio da Fapemig. 

Uma das tecnologias sociais mais potentes desenvolvidas pela pesquisa brasileira se espalha pelo País e já beneficia mais de 4,5 mil famílias de 12 estados, além de estar operando com sucesso em sete países africanos. Conhecido como “Sisteminha”, o Sistema Integrado de Produção de Alimentos é um pacote tecnológico de baixo custo capaz de gerar alimentos para o consumo próprio de pequenos produtores rurais a ainda um excedente para incrementar a renda. Seus impactos para a sociedade o colocaram entre os destaques do mais recente Balanço Social da Embrapa.

Lançado em 2011 (veja quadro “A origem do Sisteminha”) e fruto de parceria entre Embrapa, Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o Sisteminha é adaptado para pequenos espaços, até um hectare, e consiste em um tanque para a criação de peixes que pode ser associado a outros 14 módulos produtivos como, por exemplo, minhocas, hortaliças e ruminantes, de acordo as condições locais (veja quadro “Como funciona”). Ele foi dimensionado para atender as necessidades nutricionais de uma família de quatro pessoas, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Hoje, a tecnologia opera com sucesso nos estados do Piauí, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará, Acre, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. No continente africano, é empregada em Gana, Uganda, Etiópia, Camarões, Tanzânia, Angola e Moçambique.

A origem do Sisteminha

O embrião da tecnologia surgiu no início da década de 2000, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no triângulo mineiro, com o desenvolvimento da tese de doutorado do zootecnista Luiz Carlos Guilherme, hoje pesquisador da Embrapa. À época, ele se dedicava a desenvolver um sistema artesanal de recirculação de água para criação de peixes.

Em 2008, Guilherme ingressou na Embrapa Meio-Norte, na Unidade de Execução de Pesquisa (UEP) de Parnaíba, litoral do Piauí, onde a ideia ganhou corpo até ser finalizada em 2011.

O módulo pioneiro começou então a ser usado no treinamento de índios das tribos Nova Gavião e Juçaral Guajajara, do município de Amarante do Maranhão, e de pequenos agricultores do entorno da Embrapa em Parnaíba.

Transformando vidas

Nos locais onde foi adotado, famílias que antes não tinham renda fixa passaram a ter mais comida na mesa e a ganhar, em média, um salário mínimo por mês com a venda dos produtos em feiras livres. Dois exemplos em comunidades pobres que adotaram o Sisteminha estão no sertão nordestino.

No município de Inajá, a 396 quilômetros a sudoeste do Recife, 20 famílias carentes de cinco comunidades trabalham em 13 unidades do Sistema, melhorando a alimentação e com uma renda diária que vem da comercialização do excedente da produção e pelo que deixaram de gastar. O assentamento indígena Kambiwá Caraibeirinhas é o destaque. Dez mulheres, de duas famílias, operam cinco módulos e ganham em média 1,5 salário mínimo, cada uma.

Além da produção de peixes, elas cultivam alface, coentro, berinjela, couve, rúcula, salsa, abóbora, feijão, milho, melancia, acerola, coco, limão, laranja, banana, tomate, mamão, maracujá, abacaxi, cebolinha, maxixe, morango e caju. A coordenadora da Associação ProVida, que incentivou a adoção do Sisteminha em Inajá, Cláudia Leal, projeta a implantação de unidades da tecnologia nos municípios de Floresta, Salgueiro e Manarí, todos no sertão pernambucano. Manarí, no início dos anos 2000, foi considerado o município mais pobre do Brasil por ter um baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Do assentamento “Maria Otília”, no povoado Juazeiro dos Cândidos, também em Inajá, vem um exemplo da força do associativismo nas comunidades rurais. Doze famílias se revezam, por meio de uma tabela de divisão de tarefas, no trabalho diário de duas unidades do sistema e têm obtido sucesso. Francisco Jonaci dos Santos Lima coordena o trabalho, distribui as tarefas e divide os resultados. Toda a produção ainda é para o consumo das famílias. “Vamos avançar para vender o excedente e ter renda”, projeta Lima.

Tecnologia premiada

O Sisteminha é uma tecnologia que coleciona prêmios:

  • 2012 - Premiação por Excelência, como Destaque de Unidade no Sistema de Avaliação e Premiação por Resultados da Embrapa.
  • 2013 - Prêmio Fundação Banco do Brasil.
  • 2014 - Prêmio Innovagro.
  • 2015 - Prêmio “Professor Octávio Domingues”, do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
  • 2016 - Destaque Nacional do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais.
  • 2017 - Prêmio “Celso Furtado” de Desenvolvimento Regional (Ministério da Integração Nacional).

Missão no reforço alimentar

No distrito de Maruá, a 50 quilômetros do município de Juazeiro, no sertão da Bahia, a força do associativismo também está mudando a vida de uma comunidade inteira. Vinte famílias, organizadas em permanente mutirão pela Agência Missionária para Evangelização do Sertão, organização não-governamental (ONG) com sede no Espírito Santo, operam uma unidade com peixes, frutas, milho, feijão e hortaliças. A maioria tem atividades paralelas, mas mantém no Sisteminha o reforço alimentar. Cada família trabalha em uma área de 600 metros quadrados. A área total é de 30 mil metros quadrados.

Silvan Pereira de Oliveira, de 36 anos, casado e pai de três filhos, não tem emprego formal e hoje sobrevive do que produz na unidade do sistema. “O Sisteminha mudou totalmente a minha vida e de minha família”, diz Oliveira, o mais entusiasmado da comunidade com a tecnologia. Instalada em abril de 2018, a unidade opera com a produção de peixes e o cultivo de melancia, milho, feijão, couve, hortaliças em geral e criação de galinha de postura, para produção de ovos, e frango de corte.

O incentivador do Sisteminha em Maruá é o pastor Thiago Neves de Sousa, um capixaba que mora na Bahia desde 2017, em missão da ONG. Além de projetar a expansão do sistema para outras comunidades pobres do sertão baiano, Sousa quer modular a tecnologia em Maruá com pequenos animais, como caprinos, ovinos, suínos, codornas e porquinhos-da-índia e ampliar o número de famílias beneficiadas. “Tentaremos alcançar o maior número possível de pessoas”, afirma. No povoado moram cerca de 300 famílias.

O Sisteminha chegou também ao ensino superior. Na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro, a unidade implantada em uma área de 1,3 mil metros quadrados, no Espaço Plural, vem capacitando comunidades rurais e orientando estudantes nos trabalhos de conclusão de curso (TCC) nas áreas de agronomia, veterinária e zootecnia. A implantação do módulo foi em agosto de 2018, com piscicultura, criação de galinhas de postura, frangos de corte, codornas, porquinhos da índia e minhocultura, que dividem espaço com milho, tomate cereja, abóbora e macaxeira.

Um dos idealizadores da tecnologia, o pesquisador Luiz Carlos Guilherme da Embrapa Meio Norte (PI), considera que a maior diferença entre o Sisteminha e os outros modelos de produção familiar é a prática do escalonamento da produção e o fato de não haver comprometimento da produção com o mercado. O cientista explica que o escalonamento propicia o consumo sem interrupção o ano todo e a diversidade de produtos garante a sustentabilidade.

De acordo com ele, é importante contabilizar também a economia obtida ao deixar de comprar os produtos que são gerados localmente. “Ao consumi-los diretamente, agrega-se todos os valores da cadeia produtiva”, pontua ao ressaltar outra vantagem importante do sistema: as sobras geradas podem estimular o empreendedorismo da família. “Quando isso acontece, ao comercializar diretamente os excedentes, a família aprende, com o mínimo risco de perda, a lidar com o mercado”, avalia.

 

Como o Sisteminha funciona

Podendo ser instalado numa área de 100 a 1.500 metros quadrados, o sistema é sustentável e modulado. A tecnologia consiste em um tanque de piscicultura, que é o coração do sistema, que pode ser associado a 14 outros módulos (tabela abaixo), todos passíveis de serem construídos artesanalmente com materiais locais. As combinações dos módulos são variadas e também atendem às necessidades e realidade de cada comunidade

O tanque de piscicultura tem capacidade para dez mil litros e funciona com um sistema de recirculação de água. A produção é de 35 quilos de peixes a cada 90 dias, em quatro ciclos por ano. Os peixes podem pesar até 300 gramas ao final de cada ciclo. “Todo o sistema reutiliza a água do tanque de piscicultura, o que reduz os custos de produção e aumenta a oferta de alimentos”, explica Guilherme.

O pesquisador explica que o Sisteminha foi projetado para que os investimentos fossem os menores possíveis e se pagassem em um único ciclo produtivo. Foi também valorizada a criatividade dos membros da família nos arranjos o que, segundo ele, é fundamental para que os módulos sejam adequados com sucesso.

Sem geração de resíduos

O cientista explica ainda que a tecnologia sequestra o Carbono da matéria orgânica. “O dióxido de carbono (CO2) oriundo da respiração dos peixes é mantido no sistema por meio das reações com o cálcio, utilizado para manter o efeito tampão”, detalha. Por ser um sistema cíclico, a água é reutilizada várias vezes e assim é economizada, o que aumenta a eficiência hídrica. Ele garante que não há geração de resíduos orgânicos no processo: “todos eles são reciclados pela compostagem e produção de húmus”.

Foto: Paulo Lanzetta

 

Fernando Sinimbu (MTb 654/PI)
Embrapa Meio-Norte

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