12/08/22 |   Agroecology and organic farming

Trançado do Ouricuri – mulheres do Sul Sergipano criam arte com palha e linha

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Photo: Saulo Coelho

Saulo Coelho - Renilde, Maria e Cristiane junto aos produtos orgânicos

Renilde, Maria e Cristiane junto aos produtos orgânicos

Considerada sagrada por muitas etnias originárias, da palmeira ouricuri (Syagrus coronata), presente em todo o litoral brasileiro, tudo se aproveita. Seus coquinhos “cabeçudos” são comestíveis, suas sementes rendem óleo e as palhas das folhas são a fibra resistente que se usa para confeccionar peneiras, chapéus e outros utensílios. Diversas comunidades tradicionais do litoral do Nordeste têm no ouricuri uma importante fonte de sustento, e o trançado artesanal da palha, passado de geração a geração, é prática marcante entre mulheres agricultoras, pescadoras, marisqueiras e extrativistas.

Exemplo vivo disso são Maria, Cristiane, Renilda e a matriarca Dona Angelina, que vivem no assentamento 5 de Janeiro, em Indiaroba, no litoral do território Sul Sergipano. Dona Angelina é mãe do agricultor Carlinhos e sogra de Maria. Na comunidade, a família de Dona Angelina domina a técnica da colheita das folhas e do trançado, enquanto outras mulheres talentosas do assentamento têm as mãos abençoadas para o crochê.

Encontro de mulheres e artes

E como essas duas expressões artísticas e culturais se tocaram e já começam a ganhar o mundo? Dona Angelina, Carlinhos e Maria formam uma das seis famílias agricultoras que do Grupo Manancial, uma das células locais da Rede de Agroecologia Plantar para a Vida em Sergipe. A Rede é a materialização de uma tecnologia social inovadora, que promove de forma coletiva e autogerida a transição agroecológica e o Sistema Participativo de Garantia da Qualidade Orgânica (SPG)

Foi a partir desse rico processo de interação e diálogo que as mulheres da comunidade encontraram mulheres da Embrapa que atuam em ações de pesquisa que se conectaram à Rede Plantar – a pesquisadora Cristiane Sá e as analistas Fernanda Amorim, Geovania Manos e Tereza Cristina. 

No seio desse potente encontro surgiu o lampejo: “Por que não integrar essas duas artes tão lindas e potencialmente complementares?”. Foi então que os trançados de palha saltaram do papel funcional para o estético, agora servindo como telas de fundo para a aplicação das peças de crochê nelas bordadas.

Desde então o grupo de mulheres vem em intensa e rica produção de lindos quadros de palha de ouricuri com bordados de crochê retratando cenas da singular beleza presente na natureza ao redor e dentro do 5 de Janeiro – árvores, pássaros, abelhas, flores, terra, mar, animais e até imagens sagradas.

Mostra de arte e saberes agroecológicos

A estreia desse lindo trabalho fora da comunidade aconteceu na Embrapa Tabuleiros Costeiros, em Aracaju, na sexta, 5 de agosto. Maria, Cristiane e Renilda se fizeram presentes para, ao lado de Sá, Manos, Amorim e Tereza, contar sua história e o processo criativo e produtivo de sua arte – Dona Angelina, adoentada, não pôde ir, e Carlinhos ficou na lavoura garantindo a qualidade dos produtos certificadamente orgânicos. 

Após uma rica troca de saberes e experiências, o público da Embrapa pôde circular, ver de perto e escolher para comprar e levar para casa entre mais de uma dúzia de lindos quadros, e ainda, de quebra, concorrer no sorteio de produtos orgânicos frescos – ovos caipiras, folhas verdes, raízes e muito mais. O encontro serviu para dar uma ideia da aceitação do público externo do trabalho das mulheres do 5 de Janeiro, além de estimar a demanda para organizar a produção de novas peças. Todas as expectativas foram superadas – praticamente tudo vendido e muitas encomendas feitas.

A ideia, daqui para a frente, é apoiar as mulheres da comunidade na busca e consolidação de canais e redes de comercialização dessa linda arte em ambientes de Sergipe, Brasil e até do exterior. 

Poesia pura

O processo foi tão rico e inspirador que Cristiane Sá, que além de pesquisadora se aventura no universo das palavras em verso e prosa, transpirou um lindo e emocionante poema.

“Ah! Pensar que não tem fim. 

Sofrimento antecipado, 
por vezes desnecessário, 
querendo certezas, 
esquecendo do mistério 
que o passo adiante descortina. 
Gostava de ser palha entregue 
a dança do trançado em mãos divinas. 
Serena, sentir o entrelaçado. 
Confiar que mesmo na minha pequenez 
de fina tira da folha do ouricuri, 
que aos olhos desatentos pareço nada ser, 
sustento e sou sustentada por outras tiras. 
E como é linda a obra final.”

Cris Otto Sá

Saulo Coelho (MTb/SE 1065)
Embrapa Tabuleiros Costeiros

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