Um trabalho iniciado na década de 1990 abriu os olhos de alguns pesquisadores para um fato até então pouco trabalhado: os impactos gerados pela atividade agrícola extrapolam muito os produtos que ela entrega. Alimentos, fibras e energia são só uma parte de variadas formas com que a agricultura impacta realidades e vidas. A multifuncionalidade da agricultura, como é conhecida hoje, deve ser levada em conta em todos os trabalhos da pesquisa agrícola.

Foi no ano de 1995 que a Embrapa Uva e Vinho se uniu a instituições parceiras e à recém-criada Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), em um projeto de PD&I, para estruturar a primeira indicação geográfica do Brasil. Já se imaginava na época que seria uma conquista histórica, no entanto, os alcances surpreenderam os mais otimistas.

Após o Vale dos Vinhedos ser reconhecido como a primeira indicação geográfica do Brasil, em 2022, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), diferentes inovações e avanços tiveram espaço. Grande parte delas foi consolidada no Caderno de Especificações Técnicas que estabeleceu requisitos de produção para assegurar a qualidade dos vinhos com foco no vínculo com o território, a noção do produto de terroir entrava para a vitivinicultura da região.

Consequência lógica da visibilidade e imagem projetadas ao território e seus produtos, vieram inúmeras iniciativas empreendedoras que vislumbraram o potencial de valorizar a região por meio do enoturismo. E assim se consolidou um arranjo produtivo sólido, com o enoturismo e a sua gama de produtos e serviços vinculados, no contexto da indicação geográfica.

Um círculo virtuoso que gerou uma agricultura multifuncional

E a evolução não ficou somente aí. Ao longo do tempo, os vitivinicultores do Vale dos Vinhedos foram dinamizando as ações da indicação geográfica e do enoturismo, o que gerou estímulos de várias naturezas. A existência de uma região demarcada pela indicação geográfica, estimulou a qualificação e a inovação tecnológica da região.

A formação de uma governança, por meio de um Conselho Regulador no âmbito da Aprovale, promoveu o controle da produção e a visibilidade da indicação geográfica. Com a proteção exclusiva do selo de indicação geográfica, o vinho e outros produtos e serviços produzidos no território foram ganhando em qualidade e diferenciação. A consolidação da reputação da região e de seus vinhos possibilitou agregação de valor ao produto.

Além disso, como desdobramento da atividade do enoturismo, foi ampliada a necessidade de preservação territorial da paisagem vitícola na sua biodiversidade. A cultura regional de origem italiana também foi valorizada, fortalecendo a sua preservação, tanto do seu patrimônio cultural material como do imaterial.

Como se percebe, os benefícios foram muito além do setor vitivinícola. A nova dinâmica gerou novas oportunidades de negócios, impulsionando outras atividades não agrícolas, como a produção de artesanato, uma cadeia ampla de serviços, como a hotelaria e a enogastronomia, fortalecendo o desenvolvimento rural sustentável do território. Inspirados neste “case” de sucesso e percorrendo o mesmo caminho, outros polos vitivinícolas estruturaram suas indicações geográficas e desenvolvem, em diferentes estágios de apropriação do seu conceito, atividades que exploram e valorizam o potencial da multifuncionalidade da agricultura em seus respectivos territórios

O Vale dos Vinhedos serve como exemplo do potencial de alcance e impacto da multifuncionalidade da atividade agrícola. Nesse conceito, a agricultura passa a desempenhar não somente seu papel primário de produção de alimentos, mas a oferecer outras contribuições e oportunidades igualmente relevantes para a sustentabilidade do espaço rural e para a sociedade como um todo, na dimensão econômica, social, ambiental, cultural e territorial.

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