Artigo - Caminhos para o Brasil se consolidar como potência agro-socioambiental
Artigo - Caminhos para o Brasil se consolidar como potência agro-socioambiental
Photo: Ronaldo Rosa
A abordagem dos serviços ecossistêmicos, como o de polinização, está cada vez mais presente nas agendas de governos e empresas, evidenciando a estreita relação entre a agricultura, a biodiversidade e os benefícios advindos dos ecossistemas.
O Brasil tem uma agricultura pulsante e crescente, responsável por quase um terço do PIB do país e pela produção de 25% dos produtos do agronegócio mundial. A agropecuária brasileira também é bastante diversa, incluindo diferentes escalas e sistemas de produção. A agricultura familiar é responsável por boa parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e, segundo o IBGE, foi responsável, em 2017, por 74% da mão de obra no campo. Há ainda que se reconhecer a contribuição do conhecimento de mais de 250 povos e comunidades tradicionais para a produção agropecuária e extrativismo, lembrando que diversas espécies cultivadas e comercializadas pelo país foram domesticadas por eles.
De forma complementar, o Brasil é detentor de uma megabiodiversidade e riqueza de paisagens e ambientes naturais que fornecem a base para essa imensa produção agropecuária. Tem 20% da biodiversidade mundial, com mais de 40 mil espécies de fungos e plantas nativas e mais de 100 mil espécies animais. Nos seus seis biomas, o país possui uma diversidade de ambientes com climas, relevos e solos diferenciados, sendo detentor de 13,7% de toda a água doce e 20% da água subterrânea disponível no planeta, que acrescentam riqueza e possibilidades de aproveitamento da biodiversidade em prol do bem-estar humano.
Por tudo isso, o Brasil é um dos únicos países com potencial de conciliar a agricultura e a conservação ambiental para assegurar sua soberania alimentar, diversificação e qualificação de mercados sustentáveis, ampliar a competitividade da agropecuária frente às novas exigências de mercados internacionais, agregar valor aos produtos e renda aos produtores vulneráveis no campo e se tornar uma potência global agro-socioambiental, de forma justa e sustentável.
Para que essa possibilidade de ouro se concretize, no entanto, é preciso romper com a visão equivocada de que a conservação da biodiversidade e dos ambientes naturais é antagônica à produtividade agropecuária.
A ciência aponta caminhos possíveis
São justamente os benefícios advindos dos ecossistemas que propiciam as atividades humanas, em especial a agricultura, que depende diretamente do capital natural, incluindo a biodiversidade. A abordagem dos serviços ecossistêmicos, como esses benefícios são chamados, está cada vez mais presente nas agendas de governos e empresas, evidenciando a estreita relação entre a agricultura, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
As culturas agrícolas brasileiras dependentes de polinizadores (pássaros, morcegos e insetos) correspondem a 55% do valor monetário anual da produção nacional, o que ressalta a importância do serviço ecossistêmico de polinização. O desmatamento e as queimadas, que reduzem os ambientes naturais, bem como o uso intensivo de agrotóxicos, têm causado a redução dos polinizadores, o que afeta diretamente a produtividade agrícola. A manutenção da biodiversidade é também essencial no controle da ocorrência de pragas e doenças, que têm sido intensificadas com as mudanças climáticas, implicando em prejuízos econômicos e novos desafios.
A produção agrícola demanda mais da metade da água consumida no país, e para que haja água disponível e de boa qualidade é preciso proteger a vegetação nativa em áreas prioritárias estabelecidas por lei, além de fazer o manejo adequado do solo e da água, evitando-se processos erosivos, degradação do solo e perda de nutrientes.
O aumento da vegetação nativa na propriedade rural — por exemplo, com a adoção de sistemas mais sustentáveis, como a integração lavoura-pecuária-floresta ou sistemas agroflorestais — torna a paisagem rural multifuncional, isto é, favorável ao abrigo, deslocamento e alimentação de animais, à dispersão de sementes e pólen e contribuindo para a oferta de outros serviços ecossistêmicos para além da provisão de alimentos, fibras e energia. Exemplos são os serviços de regulação do clima, ciclagem de nutrientes e aumento da fertilidade e do estoque de carbono nos solos ou ainda os serviços culturais relacionados ao turismo e lazer.
Um estudo da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), em fase de finalização, elaborado por mais de 70 cientistas de 41 instituições de pesquisa e ensino de diferentes biomas brasileiros, traz informações robustas sobre como aliar a prática da agricultura com a conservação ambiental e ampliar a resiliência do setor às mudanças climáticas. Um Sumário para Tomadores de Decisão que sintetiza o conteúdo desse estudo foi lançado em julho de 2024, com o intuito de influenciar gestores e lideranças das esferas pública e privada na tomada de decisão com foco na sustentabilidade e nos benefícios mútuos entre agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
O estudo traz experiências exitosas e diferentes soluções para o fortalecimento da governança e políticas públicas voltadas à redução das pressões sobre o capital natural e maior resiliência do setor agropecuário frente às alterações climáticas. Caminhos necessários e irreversíveis que o Brasil precisa trilhar.
Rachel Bardy Prado
Pesquisadora da Embrapa Solos
Gerhard Ernest Overbeck
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Further information on the topic
Citizen Attention Service (SAC)
www.embrapa.br/contact-us/sac/