07/04/25 |   Plant production  Food security, nutrition and health

Workshop entre Brasil e França discute emergência sanitária na cultura da mandioca, em Belém (PA)

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A importância da cooperação entre governos, instituições de pesquisa e comunidades para superar o problema da morte descendente da mandioca foi a tônica do workshop dedicado à emergência sanitária dessa doença. O evento, realizado de 24 a 27 de março, em Belém/PA, reuniu mais de cem pessoas entre gestores, pesquisadores, técnicos, agricultores e representantes de populações tradicionais.

A mandioca (Manihot esculenta) é uma cultura de indiscutível importância socioeconômica no Brasil, sendo fundamental para a segurança alimentar e a geração de renda, especialmente para pequenos agricultores. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de mandioca, com uma produção anual de aproximadamente 18 milhões de toneladas, cultivadas em 1,2 milhão de hectares, e um valor estimado em R$19,2 bilhões (IBGE, 2023).

Mesa de abertura do Workshop Brasil Brasil - França - Emergência Sanitária da Mandioca. Foto: Ronaldo Rosa

 

O evento em Belém buscou desenvolver uma estratégia na região amazônica para prevenir o impacto e a propagação da doença causada pelo Rhizoctonia theobromae na mandioca e antecipar transmissão a outras regiões e espécies, considerando a soberania alimentar e a conservação do patrimônio biocultural da região. Organizado por meio de parcerias entre o Brasil e a França, uma vez que a enfermidade também atinge o território da Guiana Francesa, do workshop participaram representantes de diversas organizações nacionais e internacionais, incluindo as unidades da Embrapa no Pará e no Amapá, Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, CIRAD, IRD, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Funai, Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério do Meio Ambiente, Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, RURAP, Secretaria de Agricultura do Pará e do Amapá, Embaixada da França, representantes da Guiana Francesa, Suriname e CIAT, além de populações tradicionais, pesquisadores e técnicos.

No Brasil, a doença foi identificada inicialmente na região do Oiapoque, no Amapá, e rapidamente se espalhou para outras regiões do estado. Segundo os especialistas, trata-se de ameaça à produção da mandioca, com impactos econômicos, sociais e ambientais. Causada pelo fungo Ceratobasidium theobromae ( sin Rhizoctonia theobromae), a doença está relacionada na lista oficial de pragas quarentenárias presentes para o Brasil. A Portaria nº 769 de 30 de janeiro de 2025 decreta a emergência fitossanitária nacional para reforçar as medidas de prevenção, evitar a dispersão da praga para outras áreas de cultivo e proteger a produção de mandioca no Brasil.

Na abertura do evento, a diretora de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ana Euler, destacou que o tema é uma prioridade para a empresa. “Nosso principal objetivo hoje aqui é informar e trocar conhecimentos, além de fortalecer as alianças existentes e estabelecer novas parcerias para que os governos possam dar respostas rápidas a emergências sanitárias como essa”, afirmou. O evento teve transmissão no YouTube (https://www.youtube.com/live/3UjNeUfJeCw?si=aCEmtHce-h-WsyZS).

Do lado francês, o diretor regional do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica pelo Desenvolvimento (CIRAD), Pierre Marraccini, referiu que as pesquisas indicam que o fungo causador da doença teve origem na Ásia e migrou para a América. E, num mundo onde os patógenos circulam entre continentes, é fundamental a cooperação entre os países e instituições. “Afinal, o fungo não conhece fronteiras”, disse.

Ele também enfatizou que o evento fora planejado para fundamentalmente escutar as comunidades atingidas pelos problemas. “Temos tanto a aprender sobre os problemas que enfrentam quanto as possíveis soluções e alternativas que desenvolvem nos territórios”, afirmou.

Impactos

Representando o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, o cacique Edmilson Oliveira participou da primeira mesa redonda “Vivências com a mandioca e convivências com a doença no campo” na qual relatou os impactos da doença no campo e na vida das comunidades. De acordo com a liderança, os primeiros sinais da doença surgiram no final de 2022 e começaram a impactar a produção de mandioca a partir de 2023.

“Nossa história sempre dependeu da mandioca. Para nós ela é alimento, tradição, cultura e renda, toda uma estrutura que apoia a soberania dos nossos povos. São mais de duas mil famílias que vivem da roça de mandioca”, afirmou o cacique.

Do lado francês, Bruno Apouyou, vice-presidente do Conselho de Populações Ameríndias e Bushinenge, da Guiana Francesa, falou sobre como as comunidades do vale do rio Maroni têm enfrentado a doença. Segundo ele, na região a mandioca é a principal cultura agrícola para cerca de 100 mil pessoas.

“Queremos que a pesquisa não trabalhe apenas sobre uma variedade de mandioca, mas sobre a grande variedade de mandiocas que utilizamos para criar diversos produtos”, disse o Apouyou, ao ressaltar a importância de preservação do patrimônio genético das comunidades. 

À direita, Edmilson dos Santos Oliveira, representante do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e à esquerda, Silvio Van Der Pilj, Presidente do Conselho de Populações Ameríndias e Bushinenge da Guiana Francesa (GCC BG). Foto: Ronaldo Rosa

 

Pesquisa

Já na mesa redonda dedicada ao compartilhamento das ações das instituições para a emergência da mandioca, Antônio Cláudio Carvalho, chefe-geral da Embrapa Amapá, traçou um retrospecto desde o primeiro contato com o problema que afetava os cultivos de mandioca das populações indígenas, em 2023, na região do Oiapoque, ao estado atual da situação.

De acordo com Carvalho, a primeira hipótese levantada pelos pesquisadores como causa do fenômeno foi problemas no manejo da cultura, mas a velocidade de disseminação é tão alta que chama atenção. “Em dois meses, vimos uma roça ser praticamente dizimada. Algo nunca visto antes”, contou. 

As expedições aos locais afetados trouxeram a esperança do controle da doença em duas variedades de mandioca do território indígena. Análises técnicas feitas desde 2023, apontam as variedades “Xingu” e “Teré Teré” como tolerantes à morte descendente da mandioca. “São variedades de boa produtividade, adaptadas ao sistema de produção dos indígenas e que vem apresentando tolerância à doença. A ciência talvez levasse um tempo considerável para alcançar algo assim, seguindo os procedimentos normais”, estimou o pesquisador.

Atualmente, segundo Carvalho, estão sendo implantados campos de multiplicação dessas variedades no território indígena e a expectativa é que no próximo ano essas populações já tenham mandioca produzindo. Além das buscas de variedades tolerantes à doença, Carvalho também ressaltou a importância dos estudos para encontrar produtos químicos ou biológicos que possam combater o fungo causador da doença. 

Também integrando a mesa redonda, o chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Francisco Laranjeira, abordou a participação da empresa no Centro de Operações de Emergência Agropecuária da Mandioca (COE) e do plano de prevenção e controle da doença, instituídos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa/DAS) em março. 

Laranjeira também apresentou levantamentos socioeconômicos com estimativas dos impactos possíveis da doença sobre a cultura da mandioca, em três cenários. “No pior cenário, o prejuízo pode alcançar quase 5 bilhões de reais, se essa doença se disseminar para o resto do Brasil”, afirmou. O gestor também referiu que o avanço da doença pode impactar o custo da cesta básica e elevar a inflação, considerando o consumo dos derivados da mandioca, como farinha, fécula e pão de queijo.

Do lado francês, a pesquisadora do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica pelo Desenvolvimento (CIRAD), Margaux Llamas, apresentou uma cronologia das ações do instituto de pesquisa em parceria com o Brasil e o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), da Colômbia.

De acordo com a pesquisadora, atualmente o centro de pesquisa trabalha em um projeto com as populações atingidas para buscar formas de evitar a proliferação da doença e proteger as suas variedades de mandioca. Entre as ações futuras, há um projeto para salvaguardar essa ampla diversidade.

Encerrando a mesa, o pesquisador do CIAT, Wilmer Cuellar, apresentou dados epidemiológicos sobre a morte descendente da mandioca. Segundo ele, no Sudoeste Asiático, a primeira onda da doença ocorreu de 2005 a 2010, envolvendo Vietnã, Camboja, Laos e Tailândia. “Por que ela vem em ondas? Há muitos trabalhos que apontam para a relação do clima com a doença. Períodos de muita umidade seguidos de períodos de muita estiagem, ao que parece, induzem a formação de esporos e a disseminação da doença”, afirmou. 

O pesquisador também abordou os trabalhos para criar protocolos de identificação do fungo com base em diagnóstico molecular, os quais possibilitaram mostrar que a doença havia migrado da Ásia para as Américas.

Oficina

Os demais dias do evento dedicado foram dedicados a uma oficina com plenárias e trabalhos em grupos para buscar formas de prevenir o impacto e a propagação da doença e construir uma visão de futuro comum entre os países envolvidos. O evento reuniu pesquisadores de Brasil, França, Colômbia, lideranças de agricultores, povos indígenas, quilombolas e extrativistas, além da representante da FAO para a América Latina e Caribe Ana Posas Guevara.

 “Esperamos o relatório desses três dias de oficina para atuarmos, como organização de pesquisa, junto aos órgãos de governos e darmos melhores respostas de curto, médio e longo prazo”, concluiu a diretora Ana Euler, no encerramento do primeiro dia da programação.

De acordo com a pesquisadora Nathalie Cialdella, do CIRAD, um dos temas abordados foi desenvolver formas de agilizar a troca de informações entre comunidades, órgãos de governo e centros de pesquisa tanto sobre a cartografia do avanço da doença quanto aos aspectos da doença em si e a sua forma atuação.

Segundo a pesquisadora, a formação das comunidades também foi apontada como prioritária. A ideia é promover a interação entre as novas informações científicas sobre a doença e os saberes empíricos das populações que cultivam a mandioca. “Suas vivências com a doença e seu próprio conhecimento não podem ser desconsiderados”, afirma a pesquisadora. 

Apesar do clima de receio entre as populações diretamente atingidas quanto à ameaça da disseminação do fungo, Nathalie avalia que os trabalhos já em andamento dos centros de pesquisa em parceria com as comunidades, em cada lado da fronteira, trazem esperança às comunidades que vivem do cultivo da mandioca. “Saímos dessa oficina com um conhecimento mútuo muito melhor, o que certamente vai ajudar a agilizar a construção de editais para viabilizar as pesquisas nessa área”, concluiu Nathalie. 

Participantes da Oficina Técnica - Emergência Sanitária da Mandioca. Foto: Ronaldo Rosa

 

Nota Técnica da Embrapa

A Embrapa Mandioca e Fruticultura elaborou uma nota técnica que aponta para o contexto do desenvolvimento da doença da mandioca, dados econômicos e resultados de pesquisa e aponta para projetos prioritários para conter a doença, conservar a agrobiodiversidade e reduzir riscos e impactos na produção da cultura, na Amazônia e nas regiões afetadas. Para ler, clique aqui.

Projetos Prioritários

1.Desenvolvimento de variedades resistentes 

2. Avaliação da eficácia de fungicidas disponíveis 

3.Produção rápida de material de propagação de mandioca com qualidade fitossanitária e genética

4.Estudo do ciclo de vida e epidemiologia do agente

5.Mapeamento e monitoramento da doença em tempo real

6.Desenvolvimento de biofungicidas e indutores de resistência

7.Capacitação de produtores em práticas de manejo integrado

8.Avaliação de impactos socioeconômicos e ambientais da doença

 

 

 

Mapa da doença

A doença, que provoca a morte descendente dos ramos da planta e a proliferação de brotos fracos e finos no caule (vassouras), a redução acentuada da produtividade, tem se espalhado rapidamente no estado do Amapá, onde foi inicialmente identificada em 2024 (Figura 1).

Figura 1: (A) Mapa do Brasil com identificação de locais com ocorrência do fungo Rhizoctonia theobromae (vermelho - Amapá), área com risco iminente (laranja - Pará), áreas de potencial expansão (amarelo - Maranhão e Tocantins), e outros estados com produção significativa de mandioca (azul). (B) Municípios do estado do Amapá com ocorrência registrada do fungo R. theobromae.

Vinicius Soares Braga (MTb 12.416/RS)
Embrapa Amazônia Oriental

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