Brasil tem até maio para regulamentar cultivo de cânhamo industrial
Brasil tem até maio para regulamentar cultivo de cânhamo industrial
Photo: Caio França
A pesquisadora Daniela Bittencourt (D) ao lado de Ana Porfirio, do Ministério da Agricultura: alinhamento institucional
Em audiência pública, organizada pela Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, realizada em 27 de março, na Câmara do Deputados, a pesquisadora Daniela Bittencourt, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, destacou a urgência da regulamentação do cultivo de cânhamo no Brasil, seguindo decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou à União a criação de normas para o setor até maio deste ano.
"Por que o Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, ainda não cultiva legalmente uma planta com tamanho potencial econômico, ambiental e social?", questionou Daniela, que é secretária-executiva da Comissão Permanente sobre Cannabis da Embrapa. Ela explicou que o cânhamo industrial, variedade da Cannabis sativa com menos de 0,3% de THC (sem efeito psicoativo), pode ser usado em mais de 25 mil produtos – de fibras têxteis a bioplásticos, cosméticos e materiais de construção.
No setor têxtil, as fibras do cânhamo se destacam por sua resistência e durabilidade, oferecendo uma alternativa ecológica ao algodão, que demanda grandes quantidades de água e agrotóxicos. A construção civil também pode se beneficiar com o chamado hempcrete, um concreto feito à base de cânhamo que é leve, resistente e termorregulador, além de contribuir para a redução da pegada de carbono das edificações.
Na indústria alimentícia, as sementes de cânhamo ganham destaque por seu alto valor nutricional, sendo ricas em proteínas, ômega-3 e minerais. Elas podem ser transformadas em farinhas, leites vegetais e óleos comestíveis, enquanto o CBD (canabidiol) extraído da planta é utilizado em medicamentos para tratamento de epilepsia, dores crônicas e ansiedade.
O cânhamo também pode ser uma matéria-prima valiosa para a produção de papel de alta qualidade, com um processo menos poluente que o tradicional, além de ser usado na fabricação de bioplásticos e biocombustíveis. Outra vantagem é sua capacidade de descontaminar solos com metais pesados, ajudando na recuperação de áreas degradadas.
Sustentabilidade
Além da versatilidade, a planta se destaca por seu perfil sustentável: ciclo curto, baixo consumo de água, capacidade de recuperar solos degradados e sequestrar até 15 toneladas de carbono por hectare ao ano.
“Enquanto outros países avançam nesse mercado, o Brasil permanece dependente de importações, perdendo oportunidades de desenvolvimento tecnológico e geração de empregos verdes”, alertou a pesquisadora. Segundo ela, a cultura gera renda e inovação, mas hoje o País compra sementes e derivados de países como Canadá, China e EUA, perdendo soberania tecnológica.
Estudos da Embrapa indicam que existem cerca de 28 milhões de hectares de pastagens degradadas no País. Segundo Daniela, essas áreas poderiam ser utilizadas para cultivo de cânhamo, impulsionando a recuperação de solos e a agricultura sustentável sem ocupar terras destinadas à produção de alimentos. “A criação de um marco regulatório claro, baseado em critérios científicos, é essencial para atrair investimentos e garantir segurança jurídica aos produtores”, afirmou Daniela.
Regras
Em 12 de fevereiro, STJ manteve a determinação para que a Anvisa ou a União definam até maio regras para importação e cultivo de cannabis sativa com baixo teor de THC para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais. É a partir dessa regulamentação que fica autorizada a importação e o cultivo da planta, por empresas, voltados à produção de medicamentos e outros subprodutos.
Especialistas defendem que a regulamentação do cânhamo industrial pode posicionar o Brasil na vanguarda da bioeconomia global. Além dos benefícios ambientais, o desenvolvimento dessa cadeia produtiva pode gerar empregos, reduzir importações e fomentar inovação em setores estratégicos.
"Estamos diante de uma oportunidade histórica para aliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade", afirmou a pesquisadora, destacando a necessidade de políticas públicas que aproveitem todo o potencial da cultura.
A regulamentação, no entanto, esbarra em entraves burocráticos. A pesquisadora lembrou que a Lei 11.343/2006 já permite o cultivo para fins medicinais e científicos, e que a Convenção da ONU sobre entorpecentes (1961) não restringe o cânhamo industrial. "A base legal existe; é possível avançar por decreto, com critérios técnicos", defendeu.
Como solução, a Embrapa propõe a criação da Comissão Técnica Nacional da Cannabis (CTNCan), nos moldes da CTNBio, para classificar cultivos conforme teor de THC e risco. Variedades industriais (com menos de 0,3% de THC) teriam regras simplificadas, enquanto as destinadas à medicina passariam por controles mais rigorosos.
Pesquisa
Daniela destacou que a Embrapa já estruturou um programa de pesquisa com foco em melhoramento genético, manejo e rastreabilidade, mas falta acesso legal a sementes e áreas experimentais. "Precisamos de marcos claros para que a ciência avance", disse.
Ela também enfatizou o papel do cânhamo na inclusão produtiva: "Pode ser alternativa para agricultores familiares e cooperativas, mas é preciso simplificar o acesso, com apoio técnico e crédito". De acordo com ela, atualmente o Brasil importa até conhecimento que poderia ser desenvolvido localmente.
"O Brasil não precisa reinventar a roda: dezenas de países já regulamentaram o cânhamo. Mas podemos aprender com seus acertos e erros", concluiu a pesquisadora, conclamando o Congresso a liderar a construção de uma política de Estado. "Temos uma janela histórica para alinhar saúde pública, inovação e desenvolvimento sustentável. A Embrapa está pronta para contribuir."
Eduardo Pinho (MTb/GO - 1073)
Embrapa Recuros Genéticos e Biotecnologia
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