Óleo e coprodutos

Conteúdo atualizado em: 23/02/2022

Autor

Everaldo Paulo de Medeiros - Embrapa Algodão

 

Óleo de mamona

O principal produto da mamona é o seu óleo, que possui rendimento de 50% nas sementes (Figura 1) e de propriedades químicas e físicas distintas de outros óleos vegetais encontrados na natureza. Na composição de seus triglicerídeos, o ácido graxo ricinoleico é o de maior predominância com cerca de 90% para as cultivares comerciais.

 

 Foto: Everaldo P. de Medeiros Figura 1. Sementes de mamona (A) BRS Nordestina, (B) BRS Energia, (C) BRS Paraguaçú.

 

Por causa da presença de uma hidroxila (OH) na cadeia carbônica do ácido ricinoleico (C18:1,12-OH) (Figura 2), suas propriedades reacionais podem destinar-se para uma variedade de produtos industriais com o uso de resinas poliméricas: próteses, revestimentos de cabos e fios condutores, além de adesivos, graxas, plastificantes, entre outros.

 

 
    Figura 2. Estrutura molecular do ácido ricinoleico: A – cadeia aberta e B –        cadeia com ponte de hidrogênio intramolecular.                                       FoFonte: Adaptado de Fereidoon, 2005.

 

Além das propriedades reacionais (químicas) serem mais versáteis que outros óleos vegetais, no óleo de mamona as propriedades físicas também são influenciadas pela formação de pontes de hidrogênio intra e intermolecular graças à hidroxila (Figura 2B). Assim a viscosidade do óleo de mamona é maior de que qualquer outro óleo vegetal na natureza. Além disso, possui solubilidade em solventes de média polaridade como em alcoóis metílico e etílico.

O seu elevado valor estratégico é reconhecido pelo fato de não haver bons substitutos em muitas de suas aplicações e por causa, também, da sua versatilidade industrial; diferencia-se, dessa forma, dos demais óleos vegetais. Além do grupo hidroxila, as propriedades físico-químicas do ácido ricinoleico estão associadas à carbonila (COOH) e à insaturação do carbono 9 (C=C), os quais são grupos funcionais importantes que permitem qualidades específicas à produção de vários produtos industriais.

Nesse aspecto, a ricinocultura tem despertado um grande interesse não somente pela importância do óleo justificado pelo fato de que existe um crescente interesse para a química fina e, mais recentemente, por fontes renováveis de energia, como também do reúso de seus coprodutos.

 

Coprodutos da extração do óleo de mamona


A torta e o farelo (torta desengordurada por solvente) oriundos da extração do óleo das sementes de mamona constituem nos principais coprodutos dessa cultura no seu sistema agroprodutivo. O maior destaque é a composição proteica total estimada em 45% e a presença de globulinas, albuminas, proteases e glutelinas, proteínas conjugadas e compostos nitrogenados não proteicos.

Apesar de ser considerada de elevada composição proteica, a torta e o farelo contêm a ricina (Figura 3), que é uma glicoproteína de elevada toxicidade e solúvel em meio aquoso. Por apresentar essa característica, a ricina apenas contamina a torta ou farelo e é insolúvel no óleo. Dessa maneira, a torta tem uso frequente como fertilizante nitrogenado com alta porcentagem de carbono que atentem as normas de disposição de resíduos à agricultura.
 

 

 Figura 3. Estrutura tridimensional da ricina (RCA 60) por cristalografia de raios X. A – cadeia enzimática; e B – cadeia lectina galactose e uma ponte de enxofre.                                            Fonte: Adaptado de Bradberry, 2007

 

Na semente, a ricina poderá apresentar uma proporção de 1,5% a 2,0%. A cadeia B da ricina facilita a entrada da cadeia A dentro de uma célula viva, causando a destruição da mesma. As cadeias A e B são unidas por uma ponte de enxofre e algumas maneiras de desnaturação da ricina têm explorado a ruptura dessa ligação. Assim diversos estudos já foram realizados em busca de um tratamento adequado para detoxicação da torta de mamona utilizando-se processos biológicos, físicos e químicos.

Tratamentos com base no uso de processos físicos e químicos para detoxificar a torta de mamona foram realizados com a adição de produtos alcalinos hidróxido de sódio – NaOH (soda caústica), hidróxido de potássio – KOH (potassa caústica), hidróxido de cálcio – Ca(OH)2 (cal hidratada), tratamento com diferentes temperaturas e fermentação aeróbia. Alguns desses tratamentos conseguiram detoxificar 100% da ricina disponível destacando a aplicação de Ca(OH)2 na concentração de 4%.

O resumo dos tratamentos físicos e químicos relativos à detoxificação de ricina da torta de mamona é descrito nas Tabelas 1 e 2. Resultados dos tratamentos mais eficientes foram a autoclavagem a 15 psi de pressão, durante 60 minutos, e o uso de Ca(OH)2 na concentração 4% (m/m) por um período de contato de 8 horas.
 

Tabela 1. Tratamentos físicos para remoção da ricina.

Agente

Concentração

Tempo

Remoção (%)

Embebição em água

10 L de água

7h

6 h

12 h

65

86

84

Aquecimento com vapor

150 g de água

(fervura a 100 °C)

30 min

60 min

73

85

Ebulição

10 L de água

(fervura a 100 °C)

30 min

60 min

90

91

Autoclavagem (1,05 atm)

15 psi

30 min

60 min

85

100

Forno de ar quente

100 °C

120 °C

30 min

25 min

52

5

Fonte: Anandan et al. (2005).

 

Tabela 2. Tratamentos químicos para remoção da ricina.

Agente

Concentração

Tempo(h)

Remoção (%)

NaOH (mol/L)

0,38

0,75

8 h

86

91

NaCl (mol/L)

0,25

0,50

1,00

8 h

82

86

91

Ca(OH)2 (g/kg)

10,0

20,0

40,0

8 h

67

68

100

Formaldeído (g/kg)

5,0

10,0

7 dias

39

81

Amônia (g/kg)

7,50

12,50

7 dias

51

Fonte: Anandan et al. (2005).
 
No entanto, nenhum destes tratamentos mostrou-se rentável e seguro fora dos experimentos laboratoriais.
 
Uma maneira ainda eficaz de inibir a ação da ricina é por meio do melhoramento genético, selecionando genótipos com menor teor da toxina, por melhoramento tradicional ou mesmo por transgenia. Entretanto, isso pode trazer problemas agronômicos à cultura, como a possibilidade de maior susceptibilidade da planta a certas pragas comuns à cultura.
 
Embora as substâncias de natureza proteica e compostos nitrogenados correspondam a uma fração representativa da torta produzida a partir da extração do óleo, o uso como alimento animal não tem sido empregado e qualquer processo de uso da torta ou farelo para esse fim ou como fertilizante deve-se atentar para a presença da ricina.