Evolução do SPD no Brasil

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autor

José Eloir Denardin - Embrapa Trigo

 

O crescimento da área com plantio direto no Brasil caracteriza-se por três períodos: antes de 1979, entre 1979 e 1991 e depois de 1991 (Figura 1).

 

Figura 1. Evolução da área cultivada sob SISTEMA PLANTIO DIRETO no Brasil, entre 1974 e 2006, destacando-se períodos com diferentes taxas de adoção. 1Y = 11.901X - 2,34 x 107 R2 = 0,84 ; 2 Y = 79.016X - 1,56 x 108 R2 = 0,99; 3 Y = 1.709.957X - 3,40 x 109 R2 = 0,98.
Fonte: Adaptado de FEBRAPDP (2007)

 

Antes de 1979, os equipamentos eram ainda inadequados, havia carência de conhecimentos e de capacitação específica de técnicos. As semeadoras, pulverizadores e herbicidas para dessecação de plantas apresentavam limitações operacionais. Certas plantas daninhas eram apenas desfolhadas, rebrotavam e se tornavam perenes. Herbicidas tinham custo elevado, pois para funcionarem era necessário o dobro da dose normalmente aplicada no preparo convencional. A tecnologia de aplicação de herbicidas era pouco desenvolvida.

Os modelos de produção predominantes eram constituídos pelas sucessões de culturas trigo/soja e pela monocultura soja/pousio de inverno/soja. Esses modelos contribuíam para o aumento de doenças de plantas, para a persistência de certas espécies de plantas daninhas e geravam pouca palha que não fornecia os benefícios associados à cobertura morta.

As reuniões para capacitação técnica eram consideradas ações de desenvolvimento de produto e de mercado. Ações de difusão de tecnologia enfatizavam apenas o controle sobre a erosão, o que, por si só, não sustentava a adoção do plantio direto.

Por todas essas razões, entre 1974 e 1979, a área ora crescia, ora decrescia, e a taxa de adoção foi da ordem de 11 mil hectares/ano (Fig. 1). Era comum o abandono do sistema no terceiro ou quarto ano de adoção ou mesmo no ano seguinte à adoção. Poucos produtores persistiram e tiveram sucesso, nessa época.

Entre 1979 e 1991, o crescimento médio da adoção foi sete vezes maior do que no período anterior, atingindo cerca de 79 mil hectares/ano (Fig. 1). Nesse período foram criados os primeiros grupos de troca de experiência, envolvendo produtores rurais, assistentes técnicos e pesquisadores. Entre esses citam-se o Clube da Minhoca criado em 1979, em Ponta Grossa, PR e, os Clubes Amigos da Terra, que, a partir de 1982, surgiram em 21 municípios do Rio Grande do Sul.

Esses grupos tinham como objetivos difundir experiências e buscar soluções para problemas encontrados na condução da lavoura, preenchendo lacunas do conhecimento científico. Essas atitudes foram, e ainda são, muito importantes para a geração de demandas e soluções, influenciando todos os segmentos do negócio agrícola. O Clube da Minhoca foi e ainda é tido como o principal difusor da técnica na região dos Campos Gerais, Estado do Paraná e no Brasil, sendo o promotor dos primeiros eventos registrados, os chamados "Encontro Nacional de Plantio Direto", ocorridos em 1981, 1983 e 1985.

Em 1983, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, em cooperação com a Cooperativa Central de Laticínios do Paraná, iniciou trabalhos de pesquisa em plantio direto gerando o "Informativo Plantio Direto", primeiro periódico de circulação nacional sobre o tema.

As cooperativas Arapoti, Batavo e Castrolanda, no PR, criaram, em 1984, a Fundação ABC, unindo a assistência técnica aos produtores, para adaptar e desenvolver tecnologias em plantio direto. Na Embrapa Trigo, a partir do início dos anos 1980, pesquisas com plantio direto visaram, entre outros aspectos, ampliar o uso desse sistema em áreas de campo natural.

O aprimoramento do manejo de plantas daninhas, mediante ampliação da diversidade e seletividade dos herbicidas pós-emergentes, foi um dos avanços ocorridos nesse período. Da união entre a Embrapa Trigo, o setor industrial e os grupos de troca de experiência resultaram o desenvolvimento do triplo disco e do disco duplo defasado bem como modificações nos rompedores de solo tipo facão, que resultaram em maior qualidade e flexibilidade das semeadoras para plantio direto.

A percepção de que o plantio direto, para ser viabilizado técnica e economicamente, necessitava ser entendido como um conjunto de processos inter-relacionados, complementares e interdependentes, surgiu com o Projeto Integrado de Uso e Conservação do Solo, da Comissão Estadual Coordenadora da Conservação do Solo do RS, que promoveu capacitação técnica e transferência de tecnologia.

Sob esse novo enfoque, entre as espécies recomendadas para substituir a sucessão trigo/soja ou o modelo soja/pousio invernal/soja e diversificar a produção na região sub-tropical do País, a aveia preta foi a preferida, por ser rústica e pouco exigente, por promover adequada cobertura de solo e permitir a terminação de bovinos de corte, ao ser usada como pastagem anual de inverno. Para a safra de verão, o milho ganhou importância, compondo rotação de culturas com a soja.

Esses novos modelos de produção, entretanto, eram técnica e economicamente viáveis apenas para estabelecimentos rurais capitalizados e de grande porte, que dispunham de infra-estrutura para explorar pecuária de corte ou de leite e logística para cultivar milho em larga escala.

Na região tropical do Brasil, o modelo de produção soja/pousio/soja foi substituído pela sucessão soja/milheto/soja. O milheto era semeado na entressafra, no final das chuvas, melhorando a cobertura de solo e disponibilizando forragem para pastejo e terminação de bovinos em setembro e outubro, mantendo ainda razoável cobertura morta para o cultivo da soja subsequente. O modelo soja/milheto/soja que ganhou a preferência dos produtores e experimentou forte expansão na região tropical é, na verdade, uma monocultura que gerou sérios problemas de pragas e doenças de plantas.

As semeadoras à venda, nessa época, eram, exclusivamente, de grande porte e de custo elevado. Portanto, não existiam máquinas para pequenas unidades produtivas e áreas de solo pedregoso e topografia acidentada.

Assim, no fim dos anos de 1980, embora o conceito de plantio direto tenha evoluído, os modelos de produção utilizados e as semeadoras disponíveis, inadequadas à realidade técnica, fundiária e econômica do agronegócio do País, foi uma das limitações à adoção do plantio direto naquela época.

Nos anos 1990, o Sistema Plantio Direto (SPD) torna-se, finalmente, uma ferramenta da Agricultura Conservacionista de elevada eficiência. Essa forma de manejo passou a promover equilíbrio e estabilidade dos sistemas agrícolas, contribuir para a conservação do solo, da água, do ar e da biologia do solo do do nas lavouras, prevenindo a poluição e a degradação ambiental do entorno. Com isso a resistência à adoção do SPD foi superada e todos os segmentos do agronegócio, inclusive as agências de fomento à pesquisa e as universidades, passaram a promover o seu desenvolvimento e aprimoramento.

A Associação de Plantio Direto no Cerrado – APDC foi criada em 1990 e, em 1992, foram organizadas a Confederação de Associações Americanas para a Produção da Agricultura Sustentável - CAAPAS e a Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha - FEBRAPDP. Essas entidades surgiram a partir dos inúmeros grupos de troca de experiência que emergiam no Brasil e no continente Americano.

O objetivo dessas organizações é congregar produtores rurais, entidades de pesquisa, de extensão rural e de assistência técnica, de natureza pública e privada, bem como fornecedoras de insumos e de equipamentos, para promover troca de informações, capacitação técnica e aperfeiçoamento profissional e, gerar, desenvolver, validar, transferir e difundir tecnologias para otimizar o SPD.

Ao realizarem reuniões, seminários, simpósios e congressos, em escala regional, nacional e internacional essas entidades multiplicam as trocas de experiências, socializam conhecimentos e difundem tecnologias. Implementam desde unidades demonstrativas em escala de lavouras até encaminhamentos políticos, econômicos e sociais, transformando-se nos principais difusores do SPD no Brasil e na América Latina.

O Projeto METAS - "Viabilização e Difusão do Sistema Plantio Direto no Rio Grande do Sul", de 1992 a 1998, envolveu entidades públicas e privadas dos diferentes segmentos do agronegócio e, por meio de ações multidisciplinares, também contribuiu para a expansão do SPD no Rio Grande do Sul (a área de 320.000 hectares, em 1992, cresceu para 3,81 milhões, em 1998).

Semeadoras convencionais foram adaptadas para operar em SPD e, na segunda metade dos anos 1990, já eram comercializadas semeadoras para uso em estabelecimentos rurais de médio porte. Semeadoras manuais, de tração animal e tratória e autopropelida também foram desenvolvidas e aprimoradas para pequenos estabelecimentos rurais, com relevo acidentado e solo pedregoso. A evolução desses equipamentos resultou da interação entre pesquisa e indústria, mediante intercâmbio e consolidação de conhecimentos e avaliações de desempenho dinâmico, realizadas em escala de campo.

A fertilização e a forma de amostragem do solo foram ajustadas. A dose de calcário foi reduzida em até 66% e a aplicação passou a ser a lanço e sem incorporação. Com a redução da erosão e a menor imobilização de alguns dos elementos químicos no solo, o critério para determinar a dose de fertilizante passou a ser o da exportação de nutrientes pelas culturas.

Estudos de microrganismos do solo mostraram que o SPD influencia positivamente o sequestro de carbono, a biomassa microbiana, a sobrevivência de bactérias e a nodulação de plantas de soja e de feijoeiro, o potencial de fixação biológica de nitrogênio e a qualidade biológica do solo, valorizando ainda mais o SPD como "tecnologia limpa".

O manejo integrado de plantas daninhas evoluiu com o aprimoramento dos equipamentos e da tecnologia de aplicação de herbicidas, sendo que grande número e tipos de herbicidas passaram a ser oferecidos no mercado. Também ocorreu queda no preço de herbicidas (o valor do glifosato decresceu de R$ 85,34/L, em 1986, para cerca de R$ 8,00/L, em 2007), economia de mão-de-obra, de hora-máquina, de combustível, de calcário e de fertilizante, que contribuiu, expressivamente, para a redução do custo de produção da lavoura em SPD.

Nas regiões sub-tropical e tropical do Brasil, modelos de produção, estruturados em sistemas de rotação de culturas, intensificaram e integraram a exploração agrícola, o que levou ao processo concatenado e ininterrupto do colher-semear (Fig. 2 a).

O milho, em razão da diversidade de híbridos e/ou de cultivares com ciclos que variam de superprecoce a tardio e com aptidão para cultivo em todas as estações do ano, facilitou a estruturação de modelos de produção e permitiu aumentar o número de safras por ano agrícola.

Espécies cultivadas apenas para cobrir o solo passaram a ser substituídas por espécies de valor econômico como as produtoras de forragem (Fig. 2 b). O uso de forrageiras em SPD estimulou a expansão da pecuária leiteira, atividade compatível com estabelecimentos rurais de médio e pequeno porte. Exemplo disso é o que ocorreu na Região do Planalto Médio do RS, onde a produção de leite, que nos anos 1990 era de 8 milhões de litros/ano, passou, em 2002, para 340 milhões de litros.

Na região tropical, a cultura de milheto, no início dos anos 1990, além da cobertura do solo, passou a ser utilizada como pastagem anual, estimulando a integração lavoura-pecuária, alternativa que diminuiu o custo de produção do modelo soja/milheto. O desenvolvimento de cultivares de soja e de híbridos de milho com ciclo de pelo menos 30 dias mais curto que o normal propiciou mudança nos modelos de produção, nessa região do País, instituindo o binômio safra-safrinha (soja/milho), duplicando a produção de grãos em uma mesma safra agrícola.

Tais avanços proporcionam condições para que o solo seja mantido permanentemente coberto com plantas vivas e/ou mortas; havendo supressão de períodos de entressafra devido ao processo colher-semear; permanente aporte de material orgânico ao solo, mesmo no período de déficit hídrico, ocorrendo, enfim, benefícios econômicos e sociais (Figura 2).

Foto: Gessi Ceccon Foto: Gessi Ceccon Foto: Zago Machado Foto: Gessi Ceccon

 

 

Colher - Semear

Milho + caupi

Soja + braquiária

Milho + braquiária

Figura 2. Alguns aspectos fundamentais do Sistema Plantio Direto:  colher-semear (a) e consórcios (b, c e d).


Devido a essas inovações, 25 milhões de hectares estão sendo utilizados em SPD atualmente no Brasil. Os novos modelos de produção agrícolas, fundamentados nos princípios do SPD e em programas de melhoramento vegetal, tornaram a agricultura brasileira uma das mais modernas e eficientes do mundo.