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Cultivo de pupunha redesenha a agricultura do litoral do Paraná
Desde o ano 2000, com o impulso ao plantio de pupunha para palmito, o valor bruto da produção com a cultura no Paraná saltou de R$ 480 mil para R$ 19,5 milhões, em um sistema de produção reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) como boa prática e elencado como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil. A cultura conduzida de maneira sustentável ainda ajudou a preservar a Mata Atlântica.
A área de cultivo foi ampliada. No ano 2000, o número de mudas plantadas de pupunheira na região não chegava a 100 mil. No início de 2010, esse número já era de mais de 2,5 milhões de mudas plantadas, equivalente a uma área de 500 hectares. Atualmente, são 8,5 milhões de plantas, cultivadas em uma área de 1,65 mil hectares, envolvendo aproximadamente 650 famílias. O plantio é feito em cinco municípios do litoral paranaense: Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Morretes e Paranaguá.
Por estar em uma área de preservação da Mata Atlântica, o litoral paranaense tem fortes restrições para desenvolvimento da agricultura. O extrativismo de palmito, bastante praticado na região até cerca de 15 anos atrás, além de ser ilegal, não é uma opção sustentável, em especial o corte do palmito-juçara, que está em extinção. Na região Norte do Brasil, a pupunha é cultivada para produção de frutos, mas no litoral paranaense é uma alternativa para produção de palmito.
O pesquisador da Embrapa Florestas (PR) Álvaro Figueredo dos Santos, um dos responsáveis pelo impulso ao cultivo, conta que no litoral do Paraná foram feitas diversas tentativas de introdução de opções de cultivos agrícolas e pecuários, mas quase todos se mostraram inviáveis por diversos motivos. “A exploração extrativista predatória do palmito-juçara contribuiu para sua extinção, por isso era necessário dar opção a esses produtores, que também precisavam se adequar à legislação ambiental da Mata Atlântica”, conta.
Diversas agroindústrias de conservas beneficiam e comercializam a produção local. “Durante esses 15 anos, estudamos e testamos todos os elos do sistema de produção e temos hoje uma transformação efetiva nessa região, tão carente de formas de produção e geração de renda com sustentabilidade ambiental”, analisa o pesquisador.
“É uma nova agricultura no litoral do Paraná, em ascendência, com os produtores tendo mais rentabilidade, com segurança de renda e de preservação ambiental”, explica Sebastião Beletini, extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater, PR), responsável pelo incentivo e atendimento aos produtores de pupunha do litoral do estado.
Cultivo e preservação
A espécie possui diversas vantagens, como capacidade de rebrotar, o fato de o produto in natura não oxidar, e a planta começar a produzir 18 meses após o plantio e continuar produzindo por mais 15 anos, com colheitas anuais. Diferentemente, a juçara morre ao ser cortada, um dos motivos que agravou o risco de extinção dessa palmeira.
No entanto, não é um cultivo para amadores, conforme orienta Joel Penteado Júnior, analista da Embrapa Florestas. “O cultivo de pupunha exige constante capacitação e aprimoramento do produtor rural. Todos que se dedicam ao cultivo passaram por treinamento e recebem constantemente assistência técnica da Emater (PR), pois é uma cultura que exige tratos culturais e atenção ao mercado, que ainda oscila e precisa se fortalecer. Porém, a atividade apresenta um potencial bastante grande para a agricultura familiar do litoral paranaense, carente de opções de geração de renda de forma sustentável”, ressalta.
A pesquisa por trás da mudança
Nesses 15 anos de trabalho, a pesquisa tanto apontou os caminhos do sistema de produção, como espaçamento, adubação, tratos culturais, cuidado com doenças, quanto inovações na forma de processamento. Como o paladar da população estava acostumado ao palmito-juçara, a pupunha começou a ser envasada da mesma forma, o que se mostrou um equívoco. A partir de ajustes, a indústria chegou a uma forma de envasamento própria para a pupunha, o que de imediato agradou o paladar e, hoje, as pessoas já substituem tranquilamente o palmito-juçara pela pupunha.
Atualmente, 13 agroindústrias processam o palmito de pupunha cultivado no litoral do Paraná. Uma delas pertence a Geraldo Moraes Bertucci. Funcionário no mercado financeiro durante 29 anos, ele procurava um plano B para a geração de renda. Por meio de uma pesquisa de mercado e apoio da Emater (PR), teve contato com a produção de pupunha. Hoje, além 160 mil pés de pupunha plantados em 32 hectares em Antonina (PR), abriu uma agroindústria e comercializa o palmito processado. O plano B virou a principal atividade de Geraldo, que saiu do mercado financeiro antes mesmo de se aposentar. “O palmito de pupunha é um produto com grande potencial, pois o mercado brasileiro não está 100% atendido, e o mercado externo é enorme. É um cultivo de alto investimento inicial, mas gera um produto de grande rentabilidade a longo prazo”, explica.
Nas principais regiões consumidoras do País, a fatia de mercado nacional do palmito de pupunha cultivado aumentou de 19,5% em 2009, para 24% em 2010. Entre os anos de 2009 e 2011, na região Sul do Brasil, o consumo de palmito cultivado, principalmente de pupunha, aumentou 78%. Geraldo também abriu sua propriedade para a pesquisa realizar experimentos. Hoje, por exemplo, os resíduos da colheita são incorporados ao solo para ajudar na nutrição e ciclagem de nutrientes, e os resíduos da indústria estão em estudo para produção de farinha.
E disso também se beneficia a família do produtor Vilson Cordeiro dos Santos. Morador há quase 50 anos em Paranaguá (PR), cultiva pupunha, banana e cana-de-açúcar em uma área de cerca de dez hectares. A produção de palmito é toda comercializada in natura, em uma feira aos sábados no centro da cidade, pelo filho José Roberto. “Mas o que produzo com meus 30 mil pés é insuficiente, então ele pega produção também de vizinhos”, conta Vilson. “Se eu pudesse, trocaria tudo o que tenho na propriedade por cultivar só pupunha. É a cultura mais importante, é única”, analisa. A mudança só não é feita pelos altos custos de implantação da cultura por causa do preço das mudas, que custam cerca de R$ 1,30 atualmente na região. O custo de implantação, por hectare, é de aproximadamente R$ 10 mil.
Este é o próximo desafio de pesquisa: viabilizar formas para que a produção de mudas seja mais barata. Hoje, o custo da semente é alto, pois elas vêm da Amazônia brasileira e peruana. É necessário, então, estabelecer áreas de produção de sementes para aumentar essa oferta, uma vez que, ao fazer a colheita do palmito, é inviabilizada a produção da semente. Com isso, espera-se reduzir o preço das mudas, que impacta diretamente no custo de implantação do cultivo, considerado alto atualmente.
De extrativista a produtor
Mauro de Freitas Rosa, produtor rural, conta que a pupunha foi transformadora para a agricultura de Guaraqueçaba, um município que era totalmente extrativista e que, com a definição da Área de Proteção Ambiental (APA), teve que aprender a produzir: “A população não estava preparada para ser produtora, ela era historicamente extrativista. Então os proprietários ficaram à deriva. Mas, com a chegada da pupunha, encontramos alternativa de produção”.
O produtor recorda da desconfiança em relação à nova atividade. Outras culturas já haviam sido tentadas, como feijão, arroz, gengibre, e todas fracassaram. Os produtores já estavam desacreditados em encontrar alguma alternativa. Mauro trabalhava com a criação de búfalos e, agora, com pupunha, cultura que vem ganhando espaço e substituindo gradativamente outras por conta da lucratividade. Hoje, são dez hectares ocupados com a cultura, o que é considerado um médio produtor para a região. “O investimento inicial é alto, mas contamos com apoio da Emater. Cerca de 80% dos produtores do Município de Guaraqueçaba têm a pupunha como carro-chefe”, conta.
A mudança impactou também outros setores do município: “Isso é algo visível, o que aconteceu após a chegada da pupunha e o que era antes em termos de movimentação do comércio”, comemora. “Ainda nos falta empreendedorismo e também acredito que nosso produto tem que ser vendido com valor agregado, justamente por ser produzido dentro de uma área de proteção ambiental, preservando o meio ambiente. Quando você substitui uma área de pastagem, que são gramíneas, como no caso da criação de búfalos, por uma área de pupunha, que são arbustos, você tem um ganho ambiental muito grande. Em relação ao sequestro de carbono que tanto falam por aí, quando você transforma uma área de gramíneas por uma área de arbusto, o ganho é enorme. O que a gente ainda busca é esse reconhecimento, essa compensação ambiental”, reflete Mauro.
Parcerias
O sucesso da introdução do palmito de pupunha no litoral do Paraná foi fruto de uma ampla rede de pesquisa e extensão organizada pela Embrapa Florestas e formada por várias instituições: o projeto foi executado com o Instituto Emater Paraná, Instituto Agronômico do Paraná, Universidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Universidade Federal do Paraná, Faculdades ‘Espírita’, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Emater Paraná, Instituto Agronômico do Paraná, Universidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Universidade Federal do Paraná (UFPR), e diversas secretarias municipais de Agricultura. O trabalho recebeu financiamento do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologias Agropecuárias para o Brasil (Prodetab), além dos editais da Embrapa. O fomento ao plantio foi feito com recursos do governo do estado e dos municípios, sob coordenação da Emater (PR).
Katia Pichelli (MTb 3594/PR)
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