Embrapa Gado de Corte
Artigo - Mosca-dos-estábulos: Um grande desafio a ser vencido
Paulo Cançado e Thadeu Barros
Pesquisadores da Embrapa Gado de Corte
Há mais de 10 anos a mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) vem causando grandes prejuízos ao agronegócio brasileiro. Este inseto se parece muito com uma mosca comum, sendo, de fato, da mesma Família (Muscidae). Mas, a mosca-dos-estábulos se alimenta de sangue e isso faz dela um parasito de grande importância para a pecuária.
No início da última década, a mosca-dos-estábulos ganhou notoriedade em função de gravíssimos surtos que estavam afetando a produção pecuária do país. Naquele momento não havia muito conhecimento sobre o problema, não sabíamos claramente os motivos para o aparecimento dos surtos e tampouco sabíamos como controlá-los. Com o passar dos anos, pesquisas, descobertas e muito esforço levaram a avanços significativos no conhecimento técnico e nas soluções para o problema.
A mosca-dos-estábulos foi “beneficiada” por uma mudança na legislação brasileira e pela expansão do setor sucroenergético. Em 1998, ocorreu a proibição gradativa da queima da cana-de-açúcar pré-colheita, e nos anos subsequentes houve grande incentivo do governo federal para a expansão da produção de etanol combustível no Brasil. Estes dois fatores não são os únicos, mas foram determinantes para o desenvolvimento do cenário de surtos em alguns estados brasileiros.
Basicamente, a mosca-dos-estábulos que na maioria das vezes estava restrita as propriedades pecuárias, encontrou na lavoura da cana-de-açúcar um ambiente para se reproduzir em grande quantidade. Assim, a mosca-dos-estábulos passou a se deslocar entre as fazendas de gado, onde se alimenta, e as lavouras de cana-de-açúcar, onde se reproduz em grande número. A palhada da cana-de-açúcar, que outrora era queimada, agora permanece sobre o solo e é encharcada com a vinhaça, criando um ambiente propício para o desenvolvimento das larvas da mosca-dos-estábulos. Vale ressaltar que a vinhaça é usada da mesma maneira desde a década de 1980, entretanto, agora existe o componente palha. Juntos (palhada + vinhaça) compõe o ambiente para as larvas da mosca-dos-estábulos se alimentarem e desenvolverem.
Somada a esta mudança na legislação e consequente alteração no sistema produtivo, ocorreu a expansão do setor sucroenergético para regiões do país onde, tradicionalmente, a pecuária era a principal atividade. Assim usinas foram instaladas nas proximidades de fazendas leiteiras, de gado de corte e confinamentos. Com a palha no campo, “enriquecida” com vinhaça, somada à relativa proximidade com fazendas pecuárias, as condições que a mosca-dos-estábulos precisava foi criada.
Desde então, já se contabilizam mais de 130 municípios com surtos, distribuídos principalmente em cinco estados. Em poucos anos, a mosca-dos-estábulos se tornou um dos principais problemas da pecuária e entrou na rotina das usinas de cana-de-açúcar. O produtor de leite pode ter uma redução na produtividade de até 60% durante os surtos, enquanto o produtor de animais de corte pode ter redução de até 20% no ganho de peso. Entretanto, os prejuízos podem ser muito maiores. São frequentes os relatos de perdas que não estão contabilizados nestes percentuais: aborto, mortalidade, ausência de cio e queda de vários índices zootécnicos.
Apesar do maior sofrimento ser certamente o do pecuarista e dos animais afetados, o setor sucroenergético também contabiliza prejuízos. Por vezes os danos que a mosca-dos-estábulos provoca nas indústrias de cana-de-açúcar são difíceis de serem percebidos e contabilizados, as perdas deste lado são, em sua maioria, intangíveis. Custos com pessoal, consultores externos e produtos para controle da mosca são facilmente calculados, mas a adoção de manejos que interferem na produtividade da cana-de-açúcar e o comprometimento da imagem da empresa são difíceis de medir.
Em 2014 o prejuízo potencial causado pela mosca-dos-estábulos aos pecuaristas brasileiros foi estimado em 335 milhões de dólares por ano. Entretanto, esta estimativa não quantificou os intensos surtos que tem ocorrido na última década e não incluiu prejuízos indiretos. Também não foram contemplados nessa estimativa os prejuízos das agroindústrias de cana-de-açúcar. Assim, pode-se considerar perdas econômicas ainda maiores nos dias de hoje.
Apesar do elevado prejuízo, as alternativas de combate a esta praga são complexas e com eficiência variável. Existe carência de profissionais especializados, principalmente para atuar junto ao setor de cana-de-açúcar. A Embrapa já divulgou diferentes mecanismos para monitoramento, manejo preventivo e controle. Entretanto, as peculiaridades de cada situação, exigem a participação de um especialista, ajudando a definir quais medidas devem ser adotadas e quando. O monitoramento populacional nas usinas e fazendas é ferramenta imprescindível para viabilizar o controle da mosca-dos-estábulos. Neste contexto, com base em um monitoramento populacional, as usinas podem aplicar técnicas de manejo da plalhada e do solo com intuito de reduzir acúmulo excessivo de umidade. Também é importante garantir qualidade máxima no armazenamento, distribuição e aplicação de vinhaça, evitando ao máximo vazamentos e acúmulos. Assim, o monitoramento populacional seguido de manejo adequado de solo, palhada e vinhaça, são mecanismos importantes para a prevenção de surtos por parte das usinas. O uso de inseticidas e larvicidas, é caro e se usado de forma inadequada, é ineficiente. Por isso, devem ser restritos a situações específicas e recomendados por especialistas no combate desta praga.
Ao pecuarista cabe estreitar o diálogo com as usinas, tanto no sentido de alertar sobre situações de risco quanto no que se refere a colaborar com as ações preventivas levadas a cabo. Os produtos inseticidas disponíveis no mercado para uso nos animais possuem limitada eficiência no controle dos surtos, restando aos pecuaristas ações preventivas, principalmente direcionadas à eliminação de potenciais locais de criação da mosca, como resíduos de cochos e áreas de armazenamento de suplementos alimentares (silagem, feno, etc.). Estas ações por parte dos pecuaristas são especialmente importantes nos meses mais chuvosos do ano, quando comumente ocorre entressafra da cana-de-açúcar e a população de moscas está principalmente nas fazendas. Ações colaborativas e comunicação frequente, com envolvimento de sindicatos e associações de produtores têm se mostrado de grande valia no combate à praga. Por outro lado, a falta de comprometimento e o enfrentamento ostensivo entre os setores (pecuário e sucroenergético) já se mostrou ineficiente para ambas as partes. Nos municípios onde há diálogo entre pecuaristas e usinas de cana-de-açúcar as ações de prevenção e combate aos surtos parecem mais rápidas e eficientes.
A pesquisa científica já trouxe várias respostas nos últimos anos e alternativas já estão disponíveis. É importante termos a consciência de que a mosca-dos-estábulos é uma praga que vai permanecer no convívio dos pecuaristas e das usinas por anos. Não há um produto ou solução mágica, a convivência equilibrada com a mosca-dos-estábulos requer planejamento, monitoramento e ações articuladas de médio e longo prazos, de ambos os lados.
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