No último século, a ampla utilização do Guzerá em cruzamentos, com destinação de grande efetivo de fêmeas ao acasalamento com touros de raças europeias, levou à expressiva redução no tamanho efetivo da população a valores preocupantes. Devido a sua adaptação às diversas condições ambientais e ao seu potencial para dupla aptidão (produção de carne e leite) e ameaça de extinção, em 1991, esta raça foi incluída na lista da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) como recurso genético a ser preservado pelo manejo “in situ”. Diante disto, e em função da demanda de criadores por programas de melhoramento no País, houve interesse por parte da Associação Brasileira de Criadores de Guzerá do Brasil (ACGB), por meio, à época, de seu braço técnico o CBMG (Centro Brasileiro para o Melhoramento do Guzerá), em promover a conservação e o melhoramento da raça por meio de técnicas modernas de seleção e reprodução. Em 1994 foi implantado no Brasil o Programa Nacional de Melhoramento do Guzerá para leite, com base nos esquemas de teste de progênie e núcleo MOET (Múltipla Ovulação e Transferência de Embriões) de seleção, o qual avalia os touros pelo desempenho produtivo de suas irmãs completas, e meias-irmãs paternas e maternas. Apesar das vantagens destes esquemas, o sucesso dos mesmos pode, no entanto, estar prejudicado pelo aumento do coeficiente de endogamia e perda de diversidade genética na população, uma vez que os animais de maior valor genético serão amplamente utilizados no núcleo e nos rebanhos comerciais, em detrimento dos demais. No caso do esquema de núcleo MOET, os riscos são ainda maiores, uma vez que grande parte da reposição dos pais é feita ao longo do processo de seleção com indivíduos do próprio núcleo ou aparentados aos pais fundadores ou das gerações seguintes. Este projeto teve, portanto, o objetivo de desenvolver instrumentos para monitorar e controlar a diversidade genética e o coeficiente de endogamia nos rebanhos participantes do programa de melhoramento genético animal da raça Guzerá para leite por intermédio de seleção. Os dados genealógicos foram provenientes dos arquivos de dados do Programa Nacional de Melhoramento do Guzerá para Leite. Esses dados foram oriundos de 15 rebanhos, distribuídos nas diferentes regiões do estado de Minas Gerais. Grande parte dos dados moleculares foi obtida do Banco de DNA da raça Guzerá, sob curatela do Laboratório de Genética Molecular da Embrapa Gado de Leite, e os demais foram complementados no início do trabalho, em função da necessidade de se ampliar as informações necessárias à condução precisa e adequada do estudo. Amostras de DNA de 744 animais de rebanhos de propósitos exclusivamente leiteiro (1), de duplo-propósito (9) e de corte (5) foram genotipadas para 21 microssatélites. Por meio de dados de genealogia e de marcadores de DNA dos animais, foram avaliados variabilidade genética, tamanho efetivo, coeficiente de endogamia, estrutura de população, efeito "gargalo", distância genética, frequências alélicas, heterozigosidade observada e esperada (Ho e He), PIC (conteúdo de informação de polimorfismo), equilíbrio de Hardy-Weinberg e estatística F (Fis, Fit e Fst). Estimativas da média de heterozigosidade e PIC foram, respectivamente, 0,73 e 0,75, sugerindo que a variabilidade genética da população encontra-se conservada. Os valores de Fit indicaram um baixo índice de fixação, reforçando o resultado anterior e a existência de ampla diversidade genética na população estudada. Os valores de Fis e Fst sugeriram a existência de diferenciação genética entre linhagens e rebanhos de diferentes propósitos. A metapopulação de duplo-propósito foi a mais uniforme geneticamente, resultado este atribuído ao elevado fluxo gênico entre os rebanhos. A metapopulação de corte foi a que preservou maior diversidade genética, provavelmente devido ao baixo fluxo gênico entre os rebanhos de corte e entre os rebanhos corte e os de duplo-propósito, representando um reservatório de diversidade para a população da raça Guzerá. A metapopulação selecionada exclusivamente para produção de leite foi a mais endogâmica, devido a ter sido, por décadas, mantida fechada ou seja, sem fluxo gênico com os demais rebanhos da população. Quando comparada a outras raças em estudos similares, verifica-se que a Guzerá apresenta maior diversidade genética, menor grau de subdivisão populacional e menor nível de endogamia, resultado atribuído à recente seleção para características de produção, que desde seu início preocupou-se em evitar a endogamia. Os resultados, desta forma, contribuir efetivamente para a sustentabilidade e continuidade do Programa Nacional de Melhoramento do Guzerá para Leite.