Com o uso da bioinformática, pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) conseguiram produzir uma proteína recombinante que tem ação antimicrobiana contra a bactéria Xanthomonas albilineans e outros microrganismos causadores de doenças de plantas. Proteínas recombinantes são as produzidas por organismos diferentes daqueles que normalmente as geram (veja quadro abaixo). A X. albilineans é a causadora da escaldadura das folhas, doença que pode acarretar perdas de até 100% em um canavial, quando acomete variedades suscetíveis. A partir da proteína recombinante denominada Gluconacina, os pesquisadores pretendem chegar, nos próximos anos, a uma formulação biotecnológica para ser aplicada no campo na prevenção de doenças. “O objetivo é ter um produto com grande quantidade de bacteriocina para usar direto na planta por meio de pulverização”, conta a pesquisadora da Embrapa Márcia Vidal, que faz parte da equipe envolvida nesse estudo. Cana com menos químicos O desenvolvimento de bioinsumos para a cana-de-açúcar vem ao encontro de uma tendência mundial, com consumidores cada vez mais preocupados com o aumento do uso de defensivos químicos e consumindo preferencialmente produtos que utilizem métodos biológicos de controle de pragas e doenças. Soma-se a isso, o fato de que no Brasil foram relatadas 40 das 177 doenças identificadas na cultura, sendo que as de maior importância para o setor sucroalcooleiro nacional são a estria vermelha, a falsa estria vermelha, a escaldadura das folhas, a gomose, a podridão vermelha e a podridão de Fusarium. A Gluconacina é uma bacteriocina (proteína com ação contra agentes causadores de doenças) produzida naturalmente pela bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus, muito comum em cana-de-açúcar e com reconhecido potencial de controle contra alguns microrganismos causadores de doenças na cultura. No entanto, ela só é produzida quando a bactéria é submetida a alguma situação de estresse. A pesquisadora explica que por meio de ferramentas de bioinformática foi possível identificar o gene que codifica a bacteriocina e o inseri-lo em outra bactéria, que funciona como um tubo de ensaio e possibilita a produção em grande quantidade. “Além de superexpressar em outro organismo, o nosso objetivo era também expressar a bacteriocina independentemente da condição da bactéria a que ela está sendo submetida”, explica Vidal. Como a proteína age? Por meio de testes in vitro e em casa de vegetação, os pesquisadores constataram que a Gluconacina ataca as bactérias, provoca o rompimento da membrana e mata os microrganismos patogênicos. A estabilidade da proteína foi testada em altas temperaturas, em meios ácidos e diante de outras substâncias como, por exemplo, os agentes adesivantes muito utilizados como veículo para produtos aplicados nas lavouras. Proteínas recombinantes São proteínas produzidas artificialmente a partir de genes clonados. O gene é um segmento de uma molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico), responsável pelas características herdadas geneticamente. Cada gene é composto por uma sequência específica de DNA que contém um código (instruções) para produzir uma proteína que desempenha uma função específica no organismo. Em todas as simulações, a proteína manteve suas características e ação antimicrobiana. Durante os testes, os pesquisadores conseguiram ainda definir qual a concentração mínima inibitória para o controle da escaldadura das folhas de cana-de-açúcar. O remédio que vem da bactéria da própria planta A bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus foi isolada pela primeira vez em 1988 por pesquisadores da Embrapa Agrobiologia. Presente em culturas como a cana-de-açúcar, a batata-doce, o abacaxi e o capim-elefante, é essencial para o crescimento dessas espécies vegetais, por ser uma das principais responsáveis pelo processo de fixação biológica de nitrogênio, em que o elemento químico é retirado da atmosfera e transferido para as plantas. A bactéria produz ainda hormônios vegetais que promovem o aumento da área do sistema radicular e, por consequência, ampliam a capacidade de absorção de alguns nutrientes essenciais do solo. Os estudos envolvendo genética molecular com a G.diazotrophicus começaram ainda na década de 1990. Entretanto, o sequenciamento completo do genoma da bactéria ocorreu na primeira década do século XXI e foi realizado por uma equipe multidisciplinar de cientistas brasileiros de diferentes instituições, entre elas a Embrapa Agrobiologia. Com o sequenciamento, foi possível identificar genes com potencial agrobiotecnológico e chegar à Gluconacina. Escaldadura das folhas Causada pela bactéria Xanthomonas albilineans, a doença apresenta três tipos básicos de sintomas que podem dificultar a sua identificação: • Latência: não são observados sintomas externos. Internamente, em colmos maduros, observa-se alteração na coloração dos vasos que se assemelha à que ocorre em plantas com raquitismo; • Sintoma crônico: esse é o sistema clássico de escaldadura, constituído de estrias brancas longitudinais, de largura variável, que se estendem por todo o limbo foliar, podendo descer pela bainha. Frequentemente, observa-se o início da brotação das gemas basais em colmos maduros; • Sintoma agudo: só ocorre em condições extremamente favoráveis à doença e em variedades suscetíveis. A queima das folhas, intensa brotação lateral começando da base para o ápice e o grande número de canas mortas caracterizam essa fase. A disseminação da bactéria ocorre por meio de mudas contaminadas, instrumentos de corte e permanência de remanescentes de cultivos anteriores Foto: Paulo Lanzetta
Com o uso da bioinformática, pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) conseguiram produzir uma proteína recombinante que tem ação antimicrobiana contra a bactéria Xanthomonas albilineans e outros microrganismos causadores de doenças de plantas. Proteínas recombinantes são as produzidas por organismos diferentes daqueles que normalmente as geram (veja quadro abaixo). A X. albilineans é a causadora da escaldadura das folhas, doença que pode acarretar perdas de até 100% em um canavial, quando acomete variedades suscetíveis.
A partir da proteína recombinante denominada Gluconacina, os pesquisadores pretendem chegar, nos próximos anos, a uma formulação biotecnológica para ser aplicada no campo na prevenção de doenças. “O objetivo é ter um produto com grande quantidade de bacteriocina para usar direto na planta por meio de pulverização”, conta a pesquisadora da Embrapa Márcia Vidal, que faz parte da equipe envolvida nesse estudo.
Cana com menos químicos O desenvolvimento de bioinsumos para a cana-de-açúcar vem ao encontro de uma tendência mundial, com consumidores cada vez mais preocupados com o aumento do uso de defensivos químicos e consumindo preferencialmente produtos que utilizem métodos biológicos de controle de pragas e doenças. Soma-se a isso, o fato de que no Brasil foram relatadas 40 das 177 doenças identificadas na cultura, sendo que as de maior importância para o setor sucroalcooleiro nacional são a estria vermelha, a falsa estria vermelha, a escaldadura das folhas, a gomose, a podridão vermelha e a podridão de Fusarium. |
A Gluconacina é uma bacteriocina (proteína com ação contra agentes causadores de doenças) produzida naturalmente pela bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus, muito comum em cana-de-açúcar e com reconhecido potencial de controle contra alguns microrganismos causadores de doenças na cultura. No entanto, ela só é produzida quando a bactéria é submetida a alguma situação de estresse.
A pesquisadora explica que por meio de ferramentas de bioinformática foi possível identificar o gene que codifica a bacteriocina e o inseri-lo em outra bactéria, que funciona como um tubo de ensaio e possibilita a produção em grande quantidade. “Além de superexpressar em outro organismo, o nosso objetivo era também expressar a bacteriocina independentemente da condição da bactéria a que ela está sendo submetida”, explica Vidal.
Como a proteína age?
Por meio de testes in vitro e em casa de vegetação, os pesquisadores constataram que a Gluconacina ataca as bactérias, provoca o rompimento da membrana e mata os microrganismos patogênicos. A estabilidade da proteína foi testada em altas temperaturas, em meios ácidos e diante de outras substâncias como, por exemplo, os agentes adesivantes muito utilizados como veículo para produtos aplicados nas lavouras.
Proteínas recombinantes São proteínas produzidas artificialmente a partir de genes clonados. O gene é um segmento de uma molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico), responsável pelas características herdadas geneticamente. Cada gene é composto por uma sequência específica de DNA que contém um código (instruções) para produzir uma proteína que desempenha uma função específica no organismo. |
Em todas as simulações, a proteína manteve suas características e ação antimicrobiana. Durante os testes, os pesquisadores conseguiram ainda definir qual a concentração mínima inibitória para o controle da escaldadura das folhas de cana-de-açúcar.
O remédio que vem da bactéria da própria planta
A bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus foi isolada pela primeira vez em 1988 por pesquisadores da Embrapa Agrobiologia. Presente em culturas como a cana-de-açúcar, a batata-doce, o abacaxi e o capim-elefante, é essencial para o crescimento dessas espécies vegetais, por ser uma das principais responsáveis pelo processo de fixação biológica de nitrogênio, em que o elemento químico é retirado da atmosfera e transferido para as plantas.
A bactéria produz ainda hormônios vegetais que promovem o aumento da área do sistema radicular e, por consequência, ampliam a capacidade de absorção de alguns nutrientes essenciais do solo.
Os estudos envolvendo genética molecular com a G.diazotrophicus começaram ainda na década de 1990. Entretanto, o sequenciamento completo do genoma da bactéria ocorreu na primeira década do século XXI e foi realizado por uma equipe multidisciplinar de cientistas brasileiros de diferentes instituições, entre elas a Embrapa Agrobiologia. Com o sequenciamento, foi possível identificar genes com potencial agrobiotecnológico e chegar à Gluconacina.
Escaldadura das folhas
Causada pela bactéria
Xanthomonas albilineans, a doença apresenta três tipos básicos de sintomas que podem dificultar a sua identificação:
• Latência: não são observados sintomas externos. Internamente, em colmos maduros, observa-se alteração na coloração dos vasos que se assemelha à que ocorre em plantas com raquitismo;
• Sintoma crônico: esse é o sistema clássico de escaldadura, constituído de estrias brancas longitudinais, de largura variável, que se estendem por todo o limbo foliar, podendo descer pela bainha. Frequentemente, observa-se o início da brotação das gemas basais em colmos maduros;
• Sintoma agudo: só ocorre em condições extremamente favoráveis à doença e em variedades suscetíveis. A queima das folhas, intensa brotação lateral começando da base para o ápice e o grande número de canas mortas caracterizam essa fase.
A disseminação da bactéria ocorre por meio de mudas contaminadas, instrumentos de corte e permanência de remanescentes de cultivos anteriores
Foto: Paulo Lanzetta