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Live debate os impactos da compactação do solo pós-mecanização em cana de açúcar
Pesquisadores da Embrapa Cerrados apresentaram informações da pesquisa científica sobre aspectos que envolvem a compactação do solo devido à mecanização da lavoura canavieira, na live “Impactos da compactação na produtividade pós mecanização: como avaliar e como evitar”. O evento foi transmitido no dia 2 de setembro e integrou a programação do 3º Seminário UDOP de Inovações, promovido pela União Nacional da Bioenergia (UDOP).
Kleberson de Souza e Marcos Carolino de Sá participaram do debate, moderado pelo produtor rural Luiz Carlos Dalben, proprietário da Agrícola Rio Claro, após palestra de Armene Conde, consultor da Canassist. Também participaram Danilo de Oliveira, coordenador de produção da Usina São Manoel, e Edgar de Beauclair, professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
Na abertura da live, Dalben contextualizou o tema compactação do solo, considerando as quedas de produtividade observadas no setor canavieiro na última década, fato que se deveu a diferentes fatores. “Entre eles, podemos dizer que o uso da mecanização teve uma influência muito grande, até porque não tínhamos algumas tecnologias de satélite, de GPS, que temos hoje”, afirmou, apontando a importância da longevidade e da produtividade do canavial, uma vez que o custo atual do plantio da cana é de aproximadamente R$ 8,5 mil/ha ou US$ 1.600/ha, enquanto o do trato da soqueira é de R$ 2 mil/ha/ano ou US$ 375/ha/ano.
O produtor lembrou que nos últimos anos houve uma grande mudança no sistema de produção do setor. “Passamos da cana queimada e da colheita manual, com uma carregadora de cana que pesava 9 mil kg, para uma cana crua, na qual mudou-se completamente a biologia do solo e da cultura, entrando uma colhedora com peso de 19 toneladas, aproximadamente. Aumentaram os pesos de transbordo, dos tratores”.
A intensificação da mecanização, segundo Dalben, tem grande influência na produtividade, no rendimento e nos custos. “Do plantio até o primeiro corte, passamos de sete a oito vezes na lavoura, com herbicidas, cultivo, corte de soqueira. Em compensação, nos últimos anos, novas tecnologias nos permitiram adequar tráfego, usar piloto automático, GPS. Novas técnicas agronômicas foram sendo utilizadas. Podemos dizer que os operadores de máquinas na lavoura canavieira hoje têm um melhor treinamento. Isso contribuiu para a minimização do pisoteio (pressão exercida pelos pneus e esteiras sobre as plantas) e da compactação do solo”, analisou.
Como avaliar e evitar a compactação do solo
Ao apresentar palestra sobre o tema da live, Armene Conde destacou que a colheita é o processo que mais impacta na compactação do solo do canavial. De acordo com estudos do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), com o solo seco, o tráfego de máquinas na entrelinha reduz de 3 a 7,5% a produtividade do corte seguinte e, na linha de plantio (pisoteio), a redução é de 6,5 a 13%.
“Com o solo úmido, isso se multiplica por quatro ou cinco vezes, estragando muito o canavial”, comentou, mostrando o exemplo de queda de produtividade entre o primeiro (139 t/ha), segundo (103 t/ha ou menos 25%) e terceiro (37 t/ha ou menos 60%) cortes em uma lavoura comercial. “A vida desse canavial foi encurtada em dois ou três anos e ele provavelmente foi para reforma”, disse, destacando a necessidade do controle de tráfego na colheita mecanizada.
Segundo o consultor, a compactação do solo pode ser avaliada na linha e na entrelinha com penetrômetro hidráulico, penetrógrafo, trincheiras ou sistemas remotos, entre outros. Como ilustração, ele apresentou uma foto mostrando as diferenças entre o sistema radicular da soja plantada em uma área de cana, onde observou-se maior dificuldade de penetração no solo, e o de soja plantada em uma pastagem vizinha, onde o desenvolvimento foi visivelmente maior.
Já para evitar a compactação do solo, Conde apontou uma série de necessidades, como treinar pessoas e formar equipes; ter disciplina; padronizar manobras na colheita mecanizada; descrever todos os procedimentos operacionais; adequar os equipamentos; ter a validação pela equipe de segurança; capricho em todas as atividades; contar com uma equipe de auditoria de qualidade; sistematizar a lavoura antes do plantio; realizar um plantio sem compactação e com bom paralelismo; e utilizar variedades adequadas para cada ambiente.
O consultor destacou, ainda, o tráfego direcionado como medida para evitar a compactação, evitando-se também o pisoteio na soqueira e formando canteiros na linha de plantio, nos quais o solo estará descompactado. Também detalhou sobre a sistematização da lavoura, que envolve a sulcação em nível e terraços em terrenos declivosos para evitar erosões; a simulação de sulcos antes do plantio, já que quanto menos sulcos, menor será o número de manobras com o maquinário.
Para Conde, a palha é um dos melhores sistemas de conservação de solo e água, permitindo atividade microbiana na decomposição da matéria orgânica no solo, maior umidade e menor temperatura no solo. Além da palha da cana, ele apontou como opções de cobertura de solo restos vegetais da soja, do amendoim e das crotalárias em rotação de culturas. Outra opção é o método interrotacional ocorrendo simultaneamente (meiosi).
No preparo de solo, deve ser eliminada a camada compactada de solo, que normalmente em lavouras de cana é encontrada aos 15 cm de profundidade e pode ter até 40 cm de espessura. Um método recomendado para descompactação é a subsolagem a 45 ou 50 cm com trator. O consultor recomenda a dessecação, a eliminação mecânica da soqueira em caso de rebrota, a subsolagem em faixas ou a canteirização (preparo somente nas faixas) e a operação de nivelamento para acabamento e facilitação do tráfego de máquinas.
Plantio direto
Os demais participantes da live fizeram comentários sobre os tópicos apresentados por Conde. O pesquisador Marcos Carolino de Sá pontuou que há muitos questionamentos sobre o plantio direto em cana de açúcar. Segundo ele, apesar de estudos com a técnica em lavouras de grãos mostrarem produtividades iguais ou superiores às do sistema convencional, em cana os resultados observados têm sido diferentes.
“Há trabalhos que demonstram produtividades menores sob plantio direto. Em nossos experimentos, não temos observado uma diferença significativa. Às vezes, há uma produtividade mais elevada sob plantio convencional, porém não é significativa. Mas como avaliamos vários experimentos e várias condições, vemos uma tendência de maior produtividade sob sistema convencional. E essa tendência é maior principalmente em solos mais argilosos”, afirmou.
Isso é atribuído, segundo Sá, à qualidade do plantio. “Na hora de sulcar, um solo mais argiloso fica com mais torrões. O contato solo-tolete é um pouco prejudicado, o que não ocorre tanto em solos arenosos. Mas há também condições de solos arenosos e de textura média em que pode haver restrição à penetração de raízes, principalmente naqueles com areia muito fina, que irá se comportar como silte, selando poros e causando um ‘empacotamento’, o que dificulta a penetração de raízes”, explicou o pesquisador.
Já Kleberson de Souza citou um experimento realizado em São Paulo que comparou diferentes sistemas de plantio em latossolo, entre eles os com arado de aiveca, grade niveladora, subsolagem, e o plantio direto, com eliminação química da soqueira e sulcação pela própria plantadeira. A média de produtividade ficou em 150 t/ha de cana-planta no primeiro corte.
“Ficamos abismados porque no plantio direto não houve sequer destruição de soqueira. (No local do experimento) É um solo de fertilidade mais alta, onde mesmo sistemas radiculares mais reduzidos conseguem absorver a quantidade de nutrientes necessários para uma boa produtividade. Isso acendeu uma luz: o plantio direto na cana não é tão impossível assim. Claro, ele não é possível em todas as áreas”, ponderou, salientando a necessidade de diagnóstico da compactação do solo.
O pesquisador acredita que, com os avanços tecnológicos, os produtores e as usinas vão inovar cada vez mais. “Uma diferença pequena de produtividade, ocasionando economias de combustível, pode gerar ganhos exponenciais. Essa conta tem que ser refeita”, apontou.
Caracterização da compactação
Para Edgar de Beauclair, a compactação do solo é o fator mais restritivo à produção de cana. “É um problema que nós criamos e que está presente há mais de 40 anos. Continua sendo assim porque temos um gargalo tecnológico na mecanização plena em que estamos vindo”, analisou. Ele acrescentou que a compactação afeta a produtividade da lavoura por reduzir a porosidade, a permeabilidade e a capacidade de água disponível do solo. “A presença de água vai afetar a microbiota e as reações químicas (no solo). Ou seja, é uma questão física, química e biológica. Vai afetar tudo”.
O professor da Esalq/USP apontou ser muito difícil realizar a caracterização da compactação do solo e até mesmo encontrar uma área de cana livre do problema. “Mas é sempre um fator restritivo que merece a atenção de todos que trabalham com a cana. Não adianta melhorarmos outros fatores. Se não cuidarmos da compactação e não criarmos um ambiente favorável ao desenvolvimento do sistema radicular, nossa produtividade ficará restrita à profundidade de raízes”, comentou, lembrando ser raro encontrar plantas de cana com raízes de dois metros de profundidade.
Sá concordou com Beauclair quanto à dificuldade de caracterizar a compactação do solo. Ele explicou que nos trabalhos de pesquisa da Embrapa Cerrados, o penetrômetro é usado para informar a profundidade onde se encontra a camada mais compactada do solo. Mas o pesquisador ponderou que pode haver confundimentos, pois a resistência à a penetração varia em função da umidade e da densidade do solo.
“Como você quer caracterizar a compactação, precisa saber a relação com a densidade, só que a umidade influencia muito mais. Há o risco de não haver umidade uniforme ao longo do perfil do solo, mesmo medindo após uma chuva. E pode haver uma camada mais seca que se passa por mais compactada, mas na verdade não é. Podemos fazer essa medição e depois abrir uma trincheira e realizar uma caracterização mais adequada, com densidade, observação de raízes. Não é fácil”, comentou.
Retorno pós chuva
O pesquisador também comentou sobre uma questão encaminhada para o chat da live sobre o retorno à colheita da cana após a chuva. Segundo Sá, a colheita nas lavouras das usinas geralmente é interrompida quando começa a chover e, quando a chuva para, é reiniciada quando possível. “Nesse momento, o solo está úmido e suscetível à compactação. Como tomar a decisão? Muitas vezes, você tem que esperar dias até o solo voltar a uma condição de trafegabilidade adequada, o que não é viável na usina, que não pode parar”, observou.
Nesse caso, ele sugeriu o uso do penetrômetro na forma original para a qual foi desenvolvido, ou seja, para prever a trafegabilidade. “A resistência à penetração obtida não é a medida exata que a raiz vai encontrar, mas é a capacidade de suporte de carga, ou seja, a medida de resistência do solo ao tráfego”. Por outro lado, o pesquisador reconheceu a dificuldade de realizar essas medições numa usina. “Acredito que o melhor caminho é partirmos para o tráfego controlado. Mesmo numa condição em que o solo esteja mais úmido, se há zonas trafegadas e não trafegadas (canteiros), você minimiza esses problemas”, disse.
Para Edgar Beauclair, é importante ter um planejamento otimizado. “Onde se sabe que a frequência de chuva é maior no final da safra, você já pode deixar o ambiente de produção em que a entrada após a chuva seja mais rápida. O planejamento é a principal ferramenta que temos hoje para entrar nas áreas certas e nas épocas certas”.
Tráfego controlado e intervenção biológica
Kleberson Souza apontou que a compactação é comumente confundida com o tráfego das máquinas sobre a soqueira, que assim como a colheita com maquinário mal regulado causa o abalo da soqueira, e com o adensamento natural que ocorre no solo. “Às vezes, ocorre de tudo ‘cair na conta’ da compactação causada pelas máquinas. E o tráfego controlado é uma ferramenta muito importante para que consigamos, de fato, isolar esses outros problemas da compactação”, apontou.
Mas, para o pesquisador, é preciso que os produtores e as usinas tenham tempo para se adaptarem à nova tecnologia, devido ao elevado custo e à aquisição de outros implementos e ferramentas compatíveis.
Ele defendeu o uso de agentes biológicos na renovação do canavial para remediar a compactação do solo em determinadas situações. “Por que não podemos fazer da braquiária uma aliada, como os produtores de grãos fazem? É impressionante o poder das raízes da braquiária de agregação e descompactação do solo. É preciso inovar nesse sentido”, disse, acrescentando como alternativa o uso de mix de plantas de cobertura para a descompactação do solo.
Máquinas
Danilo de Oliveira falou sobre a experiência da equipe da Usina São Manoel com o trabalho de sistematização da lavoura antes do plantio em áreas com solo argiloso, iniciado há 10 anos, destacando as limitações em função da presença de solos arenosos em 70% da área.
A usina tem trabalhado o plantio da cana com subsolador para permitir a infiltração de água no solo. “Isso está possibilitando, nesses solos arenosos, um traçado de sulcação melhor. Como o solo arenoso não tem como ser exposto com o uso de grades, estamos partindo para a conservação da palha e subsolando”, disse.
O coordenador de produção da usina também falou sobre o planejamento do retorno à colheita após chuva, o monitoramento das colhedoras para manter os níveis baixos de impurezas minerais e o treinamento da equipe.
Ele salientou o trabalho das indústrias de mecanização em buscar adequar a máquina à lavoura. “Por muito tempo, visava-se colher uma linha só, tentava-se adequar o canavial à máquina. E agora foram lançadas máquinas de duas linhas. Acredito que esse é o futuro da colheita mecanizada no Brasil, não só pela operação em si, mas também pelo fruto que vamos trazer à lavoura”, afirmou.
Espaçamento de plantio
Outra questão levantada na live foi o espaçamento entre as linhas de plantio, que tem sofrido mudanças com o surgimento de novas máquinas. O pesquisador Kleberson de Souza citou um experimento conduzido na Embrapa Cerrados que comparou o desempenho de duas variedades de cana de açúcar (RB 86-7515 e IAC 91-1099) em diferentes espaçamentos, inclusive de filas duplas, tendo como testemunha o espaçamento de 1,5 metro, o mais utilizado pelos produtores.
Segundo Souza, observou-se que a RB 86-7515, de porte mais ereto, respondeu positivamente ao espaçamento de 90 cm. Mas em tratamento com plantio ainda mais adensado, com espaçamento de base larga, a resposta foi negativa, com queda de produtividade. Por outro lado, não houve resposta com a IAC 91-1099, de porte mais cespitoso (em touceira), em espaçamentos mais adensados. “A mensagem que fica é: se você quer mudar o espaçamento, observe a arquitetura de planta”, concluiu.
Ao final da live, os participantes responderam a perguntas encaminhadas para o chat sobre questões práticas, como efetividade das crotalárias na descompactação do solo, substituição das grades de arado por subsolador, entrada nas áreas de reforma do canavial, perdas de produtividade com a adaptação do plantio às máquinas e escarificação do solo nas entrelinhas de plantio.
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
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