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08/03/16 | Convivência com a Seca
Vegetação da caatinga tem potencial para alimentação de rebanhos
Foto: Adriana Brandão
Espécies como a leucena são usadas, na forma de feno ou silagem, para suplementar as dietas de animais nos períodos sem chuva
A despeito de sua aparência árida, a caatinga possui uma grande biodiversidade que abrange diversas espécies vegetais com potencial de alimentar rebanhos. A conclusão é de estudo da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) e pode auxiliar na orientação de criadores do semiárido brasileiro. "São identificadas hoje na caatinga cerca de três mil espécies vegetais. Continentes como a Europa não possuem a diversidade deste bioma, que só existe no Brasil", destaca a zootecnista Ana Clara Cavalante, pesquisadora da área de Forragicultura e Pastagens da Embrapa.
Com extensão aproximada de 900 mil quilômetros quadrados, o semiárido brasileiro é caracterizado por distribuição irregular de chuvas e ocorrência frequente de secas. Tais fatores climáticos são limitantes para a produção pecuária, mas o bioma caatinga possui diversidade de espécies vegetais, nativas ou adaptadas, que podem contribuir, de forma significativa para a alimentação dos rebanhos, seja como pastagem ou manejadas na forma de feno, silagem ou adicionadas nas rações. O aproveitamento desta biodiversidade pode ser garantido e otimizado por estratégias adequadas de manejo das chamadas forrageiras – plantas para consumo animal.
Com isso, os produtores rurais têm variedade de plantas com distintas características, seja as chamadas leguminosas (espécies mais ricas em proteínas), gramíneas (úteis para formação de áreas voltadas ao pastejo), cactáceas e outras opções como a palma forrageira. Algumas dessas espécies com melhor potencial forrageiro são as leguminosas gliricídia, leucena, sabiá e catingueira; gramíneas como os capins Buffel, Gramão, Massai, Tanzânia; cactáceas como xique-xique, mandacaru e palma forrageira.
Alimentos durante a seca
Algumas dessas espécies têm apresentado possibilidades de manejo para compor, inclusive, reservas de alimento para os períodos secos, uma das maiores necessidades nos sistemas de produção animal de uma região com chuvas irregulares. A leucena, por exemplo, originária da América Central e México, foi adaptada à pecuária de semiárido com sucesso, por sua adaptação às condições ambientais. Ela tem sido utilizada pelos produtores como suplementação na forma de feno e silagem, compondo reserva para suplementar as dietas de animais nos períodos sem chuva, quando os capins ficam mais pobres em proteínas.
Pesquisas da Embrapa indicam o bom potencial do feno de leucena para compor rações para caprinos, seja como suplemento ou como principal volumoso. Os ganhos de peso observados podem ser importantes para finalidades como a melhoria da qualidade da carne, pela antecipação na idade de abate dos animais.
Outra espécie que vem apresentando bom potencial em pesquisas da Embrapa é a catingueira. A planta tem sido usada por produtores na forma de feno da folhagem, como forma de suplementação. Experiências no Nordeste da Bahia verificaram a catingueira como importante fonte de alimentação tanto para rebanhos caprinos leiteiros, quanto para ovinos de corte. As pesquisas registraram cabras produzindo até seis litros de leite por dia com o consumo do feno associado a palma e concentrados. No caso de ovinos, podem-se encontrar, em pleno período de seca, animais em fase de crescimento, criados em pasto nativo, com até seis meses de idade, apresentando conformação corporal adequada para abate, consumindo uma mistura do feno com milho em grão.
Eduardo dos Santos, produtor rural da cidade de Riachão do Jacuípe, na Bahia, relata o uso de feno de catingueira para alimentação de seus rebanhos de caprinos e ovinos há oito anos. Segundo ele, com ajuda desses recursos forrageiros para a nutrição, tem sido possível garantir regularidade na produção de leite e carne durante todo o ano, mesmo com um período de baixa intensidade de chuvas na região, que persiste desde 2010. "Há mais de 16 anos testamos variedades de forrageiras, valorizando o que temos na caatinga: catingueira, icó, aroeira, entre outras", acrescenta.
Sabor especial na carne
Já uma outra espécie, a faveleira, distribuída por quase toda a extensão do semiárido brasileiro, tem sido apontada, no saber popular, como um fator responsável por uma qualidade diferenciada da carne de cordeiros na região dos Inhamuns, no Ceará. Para os agricultores, é o consumo das folhas da faveleira que faz com que a carne dos ovinos na região tenha sabor único, hipótese que está sendo estudada em uma parceria da Embrapa, Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). "Se for comprovada a relação, poderá abrir caminho para termos um produto de indicação geográfica", destaca Ana Clara Cavalcante.
Outras opções difundidas no semiárido atualmente são o cultivo de palma forrageira, espécie considerada de boa capacidade de adaptação, rusticidade e alta aceitação pelos animais, além das cactáceas nativas. A palma pode ser utilizada, inclusive, como fonte de água para os rebanhos durante a época seca do ano. Já as cactáceas, particularmente o xiquexique, o facheiro e o mandacaru, são também utilizadas no fornecimento de ração aos animais, apresentando bons desenvolvimentos em áreas de solos degradados.
Manejo dos recursos vegetais
Pesquisas da Embrapa evidenciam que um melhor manejo por meio das chamadas técnicas de manipulação da caatinga podem aumentar a oferta de forragem naquele bioma em até 80%. As principais técnicas utilizadas são o raleamento, rebaixamento e enriquecimento da caatinga, sendo possíveis combinações entre elas. O raleamento consiste em realizar cortes seletivos em espécies de pouco valor forrageiro e madeireiro, reduzindo a densidade destas plantas na área, permitindo assim, que outras espécies possam se desenvolver e servir de fonte de alimentação para os animais.
O rebaixamento é o corte da parte mais alta de árvores e arbustos, para aumentar a oferta de forragem para animais em pastejo. Essa prática torna acessível a forragem que está no pasto, mas não está facilmente disponível porque se encontra acima de dois metros de altura, sendo indicada para uso em sistemas de produção de caprinos ou que combinem caprinos e bovinos. Já o enriquecimento é uma técnica que visa a melhorar as condições de produção de forragem, pela introdução de espécies perenes. Além dos benefícios para rebanhos, essas técnicas de manejo colaboram para a regeneração da vegetação nativa e otimização do uso dos recursos forrageiros. A Embrapa apresenta recomendações específicas sobre estas técnicas em publicação técnica sobre o semiárido.
O desafio de preservar o bioma caatinga e esta diversidade tem incentivado instituições a trabalhar, junto a comunidades rurais no semiárido, na disseminação de conhecimentos sobre as variedades de espécies e as formas mais adequadas de manejos. É o caso do Projeto Dom Hélder Câmara, que tem trabalhado, no semiárido brasileiro, na orientação para manejos adequados que permitam a produção animal, incluindo consórcios agroecológicos com a produção de algodão, gergelim, milho e amendoim.
Segundo o médico veterinário Felipe Jalfim, integrante do Projeto, o conhecimento sobre os potenciais dessa biodiversidade pode expandir as atividades econômicas no semiárido brasileiro, mas um aspecto é fundamental para preservar esses recursos naturais: o manejo correto de roçados, pastagens e de espécies para a reserva alimentar. "Isso pode garantir que haja produtividade por mais tempo e que o produtor rural não avance para áreas que ainda estejam em recuperação. Não se pode perder a fertilidade das terras em curto prazo", destaca ele.
Para Jalfim, a garantia de um manejo sustentável e evitar os riscos do superpastejo (alta concentração de animais se alimentando em área cujos recursos não suportam essa capacidade) são os principais desafios para que a biodiversidade da caatinga possa ser preservada. "O semiárido vem sofrendo há muitos anos com herança do sistema extensivo, quando o agricultor não se preocupava com o superpastejo, pois nem sabia que área disponível tinha. As estratégias de manejo não funcionam se houver uma carga animal acima da capacidade de suporte do ecossistema", alerta ele.
A pesquisadora Ana Clara Cavalcante endossa: "quando estão presentes mais animais do que o pasto suporta, os recursos forrageiros de maior valor vão se exaurindo primeiro, pois eles são os preferidos dos animais". Segundo ela, a orientação é trabalhar com manejos que preservem essa biodiversidade, com atenção ao chamado controle de lotação, ou seja, a densidade do número de animais na área de pastagem. "A caatinga é um dos biomas mais resilientes, sua vegetação suporta períodos de seca prolongados e o superpastejo. Mas a preocupação hoje é: daqui a 50 anos, ela terá essas mesmas condições? Essa resiliência é importante, mas devemos usá-la em favor da preservação", afirma a pesquisadora.
Entre as alternativas já testadas pela Embrapa está o Orçamento Forrageiro, ferramenta que ajuda o produtor rural a estimar suas reservas de alimentos e fazer uma espécie de "poupança" dos recursos para as épocas mais críticas, como os períodos de seca prolongada, por meio de práticas como o feno e a silagem. "O conceito de poupança hoje é bem presente nos produtores, que já costumam deixar alguma reserva de alimentos de um ano para o outro ano", ressalta Ana Clara. De acordo com ela, em 2016 pretende-se validar, na caatinga, um método de indicadores visuais para os criadores controlarem a lotação no pasto, baseado em experiências em países africanos.
Na formação de áreas para cultivo de plantas forrageiras em região de semiárido, seja para corte ou pastejo, o recomendável é observar aspectos referentes à escolha e preparo da área, à escolha da espécie e ao plantio. Um conjunto de recomendações importantes estão compiladas na cartilha "Opção e estabelecimento de plantas forrageiras cultivadas para o semiárido brasileiro", lançada em 2015 pela Embrapa.
Adilson Nóbrega (MTB/CE 01269 JP)
Embrapa Caprinos e Ovinos
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