Cana
Certificação socioambiental
Autores
Nilza Patrícia Ramos - Embrapa Meio Ambiente
José Maria Gusman Ferraz - Consultor autônomo
A certificação socioambiental é um instrumento econômico válido e viável para diferenciar produtos e produtores de acordo com certos valores e critérios, com vistas a superar barreiras não-tarifárias vigentes no comércio internacional de mercadorias, obtendo preços adequados junto aos consumidores mais exigentes, tanto no país como no exterior.
A certificação socioambiental surgiu com o objetivo de ser um dos mecanismo de promoção e incentivo às mudanças de qualidade na agricultura em direção à sustentabilidade. Entretanto, a certificação não deve ser encarada como uma solução, embora possa cumprir interessante papel no sentido de promover transformações em segmentos produtivos, como tem ocorrido nos setores florestal e agrícola. Esses processos de transformação devem ser acompanhados de políticas públicas, pesquisas e outros instrumentos complementares.
Os certificadores avaliam o desempenho da operação auditada frente a padrões mínimos existentes. É importante salientar a predominância de diferentes tipos de avaliação de desempenho em relação às avaliações de procedimentos, principalmente no sistema de certificação International Organization for Standartization (ISO).
Com a crescente competição por novos mercados, maior número de países importadores lança mão de barreiras não-tarifárias. Assim, os setores com certificação socioambiental, além de alcançarem mais facilmente oportunidades de comercialização, contribuem para melhorias no ambiente e na comunidade.
Produtos orgânicos
São alimentos produzidos dentro de certas especificações regulamentadas por uma Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que regulamenta a produção visando a certificação de produtos agropecuários. Esta norma engloba todas as formas conhecidas como agricultura alternativa - agricultura natural, biodinâmica, biológica, permacultura -, para fins de certificação.
A agricultura orgânica iniciou-se a partir das observações feitas no início do século XIX pelo botânico e agrônomo inglês Albert Howard, sobre o modelo de agricultura que era praticado pelos camponeses indianos. Os estudos feitos por Albert Howard, na Índia, sobre compostagem e adubação orgânica resultaram, posteriormente, na publicação do livro "Um Testamento Agrícola".
Princípios da agricultura orgânica
A fertilidade dos solos deve ser construída a partir de um amplo suprimento de matéria orgânica e, sobretudo, na manutenção de elevados níveis de húmus no solo. A base científica desta corrente se assenta nas seguintes práticas: rotação de culturas, manejo e fertilização do solo. A produção animal faz parte deste sistema produtivo.
O solo é considerado um organismo complexo, repleto de seres vivos e de substâncias minerais em constante interação e interdependência. Portanto, ao se manejar um aspecto - adubação, por exemplo - deve-se considerar todos os outros - diversidade biológica, qualidade das águas subterrâneas, suscetibilidade à erosão etc - de forma conjunta.
O princípio da visão sistêmica da agricultura (holismo) é que a propriedade agrícola deve ser considerada em todas as suas dimensões, produtiva, ecológica, social, econômica e cultural. Existe, hoje, uma apropriação do termo agricultura orgânica como uma cadeia produtiva na mesma lógica da agricultura convencional, considerando apenas um nicho de mercado, em que ocorre apenas a substituição de insumos químicos por orgânicos, deixando de ter esta visão holística e da inclusão do homem neste contexto.
A cana-de-açúcar certificada pelos padrões da agricultura orgânica já existe no mercado, assim como os produtos resultantes da sua industrialização.
Indicação de origem
A certificação de origem é obtida junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), que conceitua o termo Indicação Geográfica como: "identificação de um produto ou serviço como originário de um local, região ou país, quando determinada reputação, característica e/ou qualidade possam ser vinculadas essencialmente à sua origem e/ou às suas qualidades e características regionais, através de sua Indicação de Procedência (IP) e/ou Denominação de Origem (DO)".
Em relação à cana-de-açúcar, existe apenas um certificado de indicação de procedência, o da Associação de Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty, que estão certificados desde julho de 2007. A Associação Mineira de Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq) está em processo de certificação junto ao Inpi.
Cenários brasileiro e mundial
A produção de cana tende a aumentar muito nos próximos anos devido à demanda internacional e à política pública brasileira de incremento às exportações de etanol. O Estado de São Paulo tem, hoje, aproximadamente 70% de seu território ocupado pela cultura.
O etanol, produzido pelo processamento da cana-de-açúcar, é um agrocombustível que deve ampliar seu espaço na economia mundial e na pauta de exportações do Brasil. Como visa, num primeiro momento, substituir parte dos combustíveis fósseis utilizados hoje, terá uma forte demanda, mas, seguramente, também ser, cada vez mais, alvo de pressões de normatizações internacionais para que possa ter seu comércio aceito, sobretudo, na União Européia (UE).
Os grandes importadores mundiais são consumidores cada vez mais exigentes e que condicionam as transações internacionais ao comprometimento dos exportadores com práticas socioambientais apropriadas.
A internacionalização dos hábitos de consumo tem pressionado grande parte da sociedade brasileira acerca da necessidade de a exploração econômica dos recursos naturais serem realizadas de maneira sustentável. Daí, advém a pressão pela certificação socioambiental do setor.
Certificação da cana e de seus derivados
O açúcar produzido sem a adição de componentes químicos é bastante procurado, sobretudo por países europeus e pelos Estados Unidos. A tendência é que as normas de certificação socioambiental se estendam ao agronegócio canavieiro, desafiando as indústrias sulcroalcooleiras a atingirem os níveis de exigências sociais e ambientais requeridos para a certificação de produtos agrícolas através do cultivo da cana-de-açúcar orgânica.
Produzida conforme os padrões de cultivo exigidos para a certificação, a cana-de-açúcar proporciona diversas recompensas ambientais e socioeconômicas. As áreas de plantio apresentam alta diversidade de espécies, solos não-contaminados, elevada qualidade do ar - graças ao abandono da prática de queimada antes da colheita - melhor qualidade das águas, devido à recomposição das áreas de preservação permanente, e uma relação de trabalho justa.
O Brasil cultiva, atualmente, cerca de 20 mil hectares de cana com certificação orgânica ou de indicação de origem, sendo que quase sua totalidade está localizada na região Sudeste do país.