Boro
Conteúdo atualizado em: 01/08/2023
Autor
Cleber Morais Guimaraes - Embrapa Arroz e Feijão
Luís Fernando Stone - Embrapa Arroz e Feijão
Pedro Marques da Silveira - Embrapa Arroz e Feijão
1. Boro no solo
A deficiência de boro (B) nos solos é muito comum no Brasil, particularmente nos solos arenosos e pobres em matéria orgânica. A quantidade de B requerida para a produção de grãos, geralmente, é maior do que a necessária para o crescimento vegetativo. Dessa forma, mesmo em situações nas quais a cultura se encontra em solo com boas características físicas e químicas, podem ser obtidos aumentos na produtividade de grãos com a aplicação desse nutriente. O B encontra-se presente em vários minerais rochosos, entretanto somente após longos períodos de intemperismo se torna disponível para a planta. É liberado das rochas na forma de borato e na forma não ionizada, H3BO3. A maior parte do B nos solos vem da turmalina, que tem entre 8,0-12,0% de B2O3. O B é o décimo segundo elemento em abundância na água do mar. Ele passa para a atmosfera na forma de gotículas de água e como vapor de ácido bórico. Então é transportado para a terra, o que contribui para o seu teor no solo. Embora a turmalina seja o principal fornecedor de B para o solo, a maior fonte para as plantas é a matéria orgânica. Após sua mineralização, o nutriente é liberado para a solução do solo, que é considerada como indicador da sua disponibilidade para as plantas. Por outro lado, parte é fixada nas redes das argilas e minerais e outra retida na matéria orgânica.
2. Efeito do boro no crescimento e desenvolvimento da planta
A ausência ou toxicidade do B nos vegetais desencadeia vários danos em seus processos fisiológicos como: divisão celular, absorção de nutrientes, como P e K, crescimento do tubo polínico, síntese, translocação e metabolismo de carboidratos. Adicionalmente, quando há deficiência de B, a atividade da enzima ATPase é ineficiente, sendo restaurada pela aplicação desse nutriente. Ele está também associado com a formação da parede celular, manutenção da integridade da membrana celular e crescimento celular. Há relatos também que a deficiência de B provoca aumento da atividade da enzima “AIA oxidase”, responsável pela destruição do AIA (ácido indol-3-acético) nas células, que compromete seu alongamento. Resultados similares foram observados com relação à degradação do RNA sob deficiência de B, ou mesmo a própria redução da sua síntese. Sob deficiência de B há maior incorporação de glicose β 1,3, o principal componente da calose, que se acumula em tubos crivados do floema, diminuindo o transporte da seiva no seu interior.
Como descrito anteriormente, o B se relaciona com a integridade da membrana e formação da parede celular, então está envolvido com a formação e crescimento do tubo polínico. Após a germinação, o tubo polínico cresce a partir de sua ponta, para tanto, demanda alta deposição de substrato e também de B para a formação da parede celular.
Entretanto, apesar dos numerosos trabalhos para caracterizar as funções fisiológicas e bioquímicas do B no crescimento e desenvolvimento das plantas, sua função exata no crescimento da planta ainda é uma questão de discussão. Não há evidência do B como um constituinte enzimático ou com papel direto nas atividades enzimáticas. Além disso, não está claro se os relatos anteriores indicam efeitos diretos ou indiretos do B. Está evidente seu envolvimento com a integridade e síntese da parede celular, possivelmente pela formação de complexos B-pectina e integridade da membrana plasmática, que é o sítio de maior acúmulo de B, principalmente nas paredes celulares das raízes.
O ácido bórico tem alta capacidade para formar complexos estáveis com compostos com configuração cis-diol, que ocorrem na parede celular. Segundo a literatura, mais de 96% de todo o B nas células está associado a substâncias pécticas, componentes da lamela média. Uma vez que a pectina desempenha papel fundamental na extensibilidade plástica das paredes celulares, o B exerce uma função estrutural. Essa função do B na parede celular explica a demanda contínua do B durante o crescimento da planta. Sob deficiência de B, as propriedades físicas da parede celular são alteradas, correlacionando-se com rápida inibição da expansão celular. A função do complexo de pectina-B na formação da parede celular explica as diferentes demandas de B entre as plantas superiores. Por exemplo, paredes celulares das gramíneas contêm apenas pequenas quantidades de pectina, e têm baixa demanda de B. As paredes celulares das dicotiledôneas apresentam teor relativamente alto de polissacarídeos pécticos, com alto grau na proporção de compostos cis-diol e uma exigência de B muito maior do que as gramíneas.
Pode-se associar plantas com menor exigência de B à menor presença de pectina nas paredes celulares comparativamente às plantas com maior exigência de B, portanto sob deficiência de B a integridade estrutural e elasticidade das células são comprometidas. Sob condições de deficiência de B, a quantidade de B solúvel, o não associado à parede celular, diminui drasticamente, enquanto o B insolúvel, presente nas substâncias pécticas, não.
Aumentos na concentração de compostos fenólicos em tecidos deficientes em B são bem conhecidos, particularmente em espécies com maior exigência de B. O acúmulo desses compostos em tecidos com deficiência em B pode ocasionar acúmulo de substâncias intermediárias, como os radicais livres oxidativos, principalmente superóxidos. Esses superóxidos são destruidores de membranas pela peroxidação de lipídeos presentes nas mesmas.
A atividade da nitrogenase também é sensível à deficiência de B. Segundo a literatura, sob deficiência de B a massa dos nódulos e a capacidade de fixação de N2 em leguminosas são comprometidas. Alteração do desenvolvimento dos nódulos e inibição da atividade da nitrogenase, em raízes de plantas deficientes em B, foram atribuídas à degeneração estrutural das paredes celulares e membranas, incluindo a membrana peribacteroide, que tem função no transporte de nutrientes entre os simbiontes.
O B, por desempenhar função importante na estrutura e na integridade funcional de biomembranas, particularmente na membrana plasmática, interfere na permeabilidade de potássio e solutos orgânicos das células. Folhas supridas adequadamente com B comparativamente às folhas com deficiência severa apresentam efluxo de 35, 45 e 7 vezes maior para K+, sacarose e aminoácidos, respectivamente. Tratamento com B de folhas com deficiência severa desse nutriente restaura a permeabilidade da membrana para os níveis de folhas suficientemente supridas com o nutriente. Entretanto, é sugerido na literatura que o efeito da deficiência de B sobre a permeabilidade das células pode ser indireto. Haja visto que a permeabilidade das membranas celulares das folhas ao K+, sob condições de deficiência de B, aumentou em resposta a uma exposição à luz. Sugere-se que a exposição à luz de tecidos com deficiência de B induz a liberação de radicais tóxicos e, portanto, danos peroxidativos às membranas, tornando-as mais permeáveis. Assim, o sombreamento reduz os sintomas de deficiência de B. É bastante possível que o B possa exercer alguma influência sobre a atividade de canais iônicos na membrana plasmática. Há proposições que o B teria a função de geração de cargas positivas nas membranas pela capacidade de capturar elétrons de compostos da membrana celular, interferindo no fluxo de íons através das membranas celulares.
3. Efeito do boro na translocação de fotoassimilados
Além do comprometimento dos processos fisiológicos descritos anteriormente, ocorre acúmulo de açúcares e amido em folhas deficientes em B, indicando comprometimento da translocação de fotoassimilados da fonte ao dreno.
O movimento do B via xilema ocorre livremente na corrente transpiratória. Apresenta, na maioria das vezes, pouca mobilidade no floema. Por outro lado, ao formar complexos por meio de ligações cis-diol com os fotoassimilados, facilita sua movimentação a partir dos sítios de síntese, o mesófilo, por torná-los mais solúveis, aos drenos. A mobilidade de B está relacionada com a formação de complexos com poliois, como sorbitol, manitol e dulcitol. Deve-se acrescentar que o B aplicado via foliar é mais móvel que o aplicado via solo. Isto se deve ao fato da maior disponibilidade de polidiois no parênquima foliar que complexam o B, resultando em produtos solúveis no floema. Por outro lado, apesar do B facilitar o transporte de açúcares à longa distância nas plantas, pela formação de complexo açúcar–B, ele não interfere no transporte da sacarose, que é o principal açúcar transportado nas plantas. Talvez o maior efeito no transporte se deva a fatores físicos relacionados à deposição de calose, sob deficiência de B, nos tubos crivados do floema, comprometendo o transporte de açúcares.
Com a deficiência de B ocorre acúmulo de carboidratos nas folhas, causando seu espessamento e o endurecimento da parede celular, dificultando o aumento de volume celular, divisão celular e, portanto, comprometendo o crescimento celular nas zonas de crescimento, inclusive das raízes.
4. Efeito do boro nos componentes agronômicos
Observou-se na Embrapa Arroz e Feijão que a resposta da produtividade do feijoeiro à aplicação de B no solo foi quadrática, com produtividade máxima quando aplicados 2,5 kg ha-1 de B na semeadura. A resposta dos componentes da produtividade ao B foi variável. O número de grãos por vagem aumentou linearmente com o incremento das doses de B, já a massa dos grãos aumentou até 1,7 kg ha-1 de B e depois decresceu. Isso se deve provavelmente ao fato da formação de complexo entre o borato e açúcares, o que facilita a remobilização desses dos sítios de produção para os sítios de armazenamento, favorecendo a formação de grãos e a produtividade. A população de plantas respondeu à aplicação de B segundo um modelo quadrático, com um máximo de plantas por metro com a aplicação de 2,3 kg ha-1 de B. A redução a partir do máximo pode ter sido devido ao comprometimento dos processos fisiológicos que ocorrem durante a germinação da semente e estabelecimento das plântulas. Adicionalmente, observou-se que o número de vagens por planta reduziu com o aumento das doses de B. Possivelmente, isso ocorreu pelo fato do melhor estabelecimento da população de plantas com o aumento das doses de B. O ajustamento do número de vagens por planta, entre outros fatores, ocorre de acordo com a disponibilidade de fotoassimilados. O menor número de vagens em maiores populações de plantas e em espaçamentos mais estreitos pode ser reflexo da incapacidade da planta em suprir adequadamente as vagens vingadas com fotoassimilados, em função do autossombreamento que se estabelece no estádio de formação das vagens nos espaçamentos mais adensados.