Controle químico de doenças

Conteúdo migrado na íntegra em: 08/12/2021

Autores

Rodrigo Veras da Costa - Embrapa Milho e Sorgo

Carlos Roberto Casela

Luciano Viana Cota - Embrapa Milho e Sorgo

 

Os resultados de pesquisas realizadas pela Embrapa Milho e Sorgo e em outras instituições de pesquisa demonstram que o uso de fungicidas tem se mostrado uma estratégia viável e eficiente de manejo de doenças na cultura do milho. Entretanto, alguns fatores devem ser observados para que a relação custo/benefício seja positiva, ou seja, que o benefício do controle das doenças com o uso de fungicidas seja superior ao custo da sua utilização. Dentre esses fatores, o conhecimento das principais doenças que ocorrem tanto ao nível de região quanto de propriedade, o nível de resistência das cultivares às principais doenças, as condições de clima durante o período do ciclo da cultura, o sistema de produção (plantio direto, rotação de culturas etc) e a disponibilidade de equipamentos para pulverização estão entre os mais importantes. O uso de fungicidas na cultura do milho é recomendado nas situações de elevada severidade de doenças, que são resultantes da combinação de todos, ou alguns, dos seguintes fatores: uso de genótipos suscetíveis (Figura 1); condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento das doenças; plantio direto sem rotação de culturas; e plantio continuado de milho na área.
 

Figura 1. Curva de progresso da mancha branca do milho nas cultivares BRS 1035 (resistente) e DAS 657 (suscetível) submetidas à aplicação de três fungicidas, em uma e duas aplicações, em comparação à testemunha, sem aplicação

fonte: Rodrigo Veras

Para o melhor entendimento do modo como os fungicidas atuam na produtividade da cultura do milho, é necessário considerarmos os componentes de produtividade da cultura, que são cinco:

1) número de plantas por hectare;

2) número de espigas por planta;

3) número de fileiras por espiga;

4) número de grãos por fileira; e

5) peso de grãos.

O primeiro componente, número de plantas por hectare, talvez o mais importante deles, é definido na fase de germinação e emergência das plântulas, no início do ciclo da cultura. Os componentes 2 e 3 (número de espigas por planta e número de fileiras por espiga) são definidos entre as fases V5 e V8 (cinco a oito folhas) e o quarto componente (número de grãos por fileira) é definido entre as fases V12 e VT (12 folhas até o pendoamento). Finalmente, o último componente de produtividade do milho, peso de grãos, é definido de R1 a R6 (florescimento à maturidade fisiológica).

 

Portanto, fica evidente que, quando a cultura atinge a fase do pendoamento, seu potencial produtivo já está definido, pois os quatro componentes de produtividade que poderiam resultar em aumento do número de grãos já ocorreram. A partir desse momento, ocorre apenas a realização do potencial produtivo através do enchimento dos grãos. As aplicações de fungicidas na fase do pendoamento apenas interferem no último componente de produtividade e atuam preservando o potencial produtivo da cultura através da proteção contra as perdas causadas pelas doenças. É correto afirmar, então, que a aplicação de fungicidas não aumenta o potencial produtivo da cultura, mas evita perdas na produtividade em função da proteção conferida durante o período de enchimento dos grãos.

 

Tem sido demonstrado que alguns fungicidas, notadamente aqueles pertencentes ao grupo das estrobilurinas, apresentam efeitos que vão além do controle de doenças, denominados efeitos fisiológicos. Dentre esses efeitos, estão maior resistência a vários tipos de estresses como seca e nutricional, aumento da capacidade fotossintética, redução da respiração foliar e maior eficiência do uso de água. Os estudos sobre os efeitos fisiológicos de fungicidas foram bem desenvolvidos na cultura da soja. Na cultura do milho, entretanto, esses efeitos não têm sido tão evidentes, sendo detectada, em algumas situações, menor produtividade em áreas pulverizadas com fungicidas quando comparadas a áreas não pulverizadas.

 

Desse modo, mais estudos são necessários para definir a existência e a magnitude dos efeitos fisiológicos de fungicidas em plantas de milho. Por outro lado, considerando também a possibilidade de surgimento de populações de patógenos resistentes às moléculas fungicidas, em função do seu uso intensivo, e os efeitos negativos desses produtos no meio ambiente, é coerente enxergarmos os fungicidas como ferramenta importante, especificamente para o manejo de doenças, e buscarmos elevar os níveis de produtividade da cultura através de melhorias e adequações em seu sistema de produção.

No processo de tomada de decisão sobre a necessidade de aplicação de fungicidas na cultura do milho, o primeiro fator a ser observado é o nível de resistência da cultivar em relação às principais doenças presentes na região e na propriedade. De modo geral, não se recomenda a aplicação de fungicidas para cultivares resistentes (Figura 33). Os maiores retornos econômicos resultantes do uso de fungicidas na cultura do milho ocorrem em situações de alto risco de ocorrência de doenças em elevada severidade, situação caracterizada, principalmente, pelos seguintes componentes: uso de genótipos suscetíveis; plantio contínuo de milho na área; e uso do Sistema de Plantio Direto sem rotação de culturas (Figura 2).

Figura 2. Caracterização de ambientes de maior e menor risco de ocorrência de doenças em elevada severidade e probabilidade de retorno econômico da aplicação de fungicidas na cultura do milho

 fonte: Rodrigo Veras

Outro fator importante a ser considerado para a tomada de decisão, tanto sobre a necessidade de aplicação quanto da escolha do produto a ser utilizado, é que as doenças normalmente ocorrem de modo simultâneo no campo, o que pode influenciar a eficiência da aplicação. Por exemplo, os fungicidas do grupo químico dos triazóis apresentam uma baixa eficiência no controle da mancha branca, uma doença de ampla ocorrência nas principais regiões produtoras do país. Desse modo, para garantir uma maior eficiência das aplicações, é fundamental a realização do monitoramento da lavoura na fase de pré-pendoamento, antes da aplicação do fungicida.


Considerando que as folhas acima da espiga contribuem, em média, com mais de 90% da produção das plantas de milho e que as doenças foliares, na sua maioria, aparecem inicialmente nas folhas baixeiras e progridem em direção às folhas superiores, a folha abaixo da folha da espiga representa uma boa referência para a realização de inspeções de campo. A presença de sintomas de doenças nessa folha, em cultivares suscetíveis, associados a condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento das doenças, representam um indicação da necessidade de se intervir com a aplicação de fungicidas (Figura 3). Condições de ambiente caracterizadas por temperaturas elevadas e baixa umidade relativa do ar desfavorecem a maioria das doenças fungicidas que atacam a cultura do milho. No entanto, temperaturas moderadas e ambientes úmidos (elevada umidade relativa do ar, chuvas frequentes, irrigação e orvalho) favorecem essas enfermidades.
Figura

Figura 3. Presença de doença na folha abaixo da folha da espiga como critério para auxiliar no processo de tomada de decisão sobre a aplicação de fungicidas na cultura do milho. Outros critérios, como condições climáticas e suscetibilidade da cultivar, devem ser considerados de modo conjunto

fonte: Rodrigo Veras


Atualmente, todos os produtos comerciais registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o manejo de doenças do milho pertencem aos grupos químicos dos triazóis e das estrobilurinas, formulados puros ou em misturas (Tabela 01). As características desses produtos também devem ser consideradas, quando da sua utilização, visando a uma maior eficiência no controle das doenças. As estrobilurinas atuam a nível de respiração mitocondrial, sendo mais efetivas nas fases iniciais do ciclo de vida dos fungos, ou seja, na germinação dos esporos e nos processos inicias de infecção. Os fungicidas triazóis, que atuam a nível da biossíntese de ergosterol, um componente da membrana celular dos fungos, podem promover o controle de patógenos fúngicos em fases mais avançadas do seu ciclo, como a colonização (crescimento micelial) e a pré-esporulação (fase anterior à formação dos esporos). Portanto, as aplicações de produtos pertencentes a esses grupos químicos apresentam maior eficiência quando são realizadas nos sintomas iniciais das doenças no campo. Normalmente, as aplicações realizadas em situações de elevada intensidade de doenças são menos efetivas.

Tabela 01. Grupos químicos e ingredientes ativos de fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle de doenças na cultura do milho

fonte: Rodrigo Veras

 

Quanto à decisão sobre a melhor época de aplicação de fungicidas para o controle de doenças na cultura do milho, dois pontos devem ser considerados:
1) a fase do ciclo da cultura na qual as plantas são mais sensíveis ao ataque de patógenos; e
2) o período de ocorrência das principais doenças.
Conforme já mencionado anteriormente, na fase compreendida entre o pendoamento (VT) e grãos leitosos (R3), as plantas de milho necessitam do máximo de sua capacidade fotossintética, pois começa um intenso período de translocação de fotoassimilados para as espigas. Nessa fase, qualquer fator que interfira negativamente reduzindo a área foliar e, consequentemente, a sua capacidade fotossintética, resulta em reduções significativas na produtividade de grãos. Essa é a fase considerada crítica para a cultura do milho e que deve ser considerada quando se pretende proteger as plantas via aplicação de fungicidas. Se considerarmos que o período residual máximo dos fungicidas dos grupos das estrobilurinas e triazóis está em torno de 15 a 20 dias e que a fase de enchimento de grãos no milho dura, em média, 60 dias, deve-se ter cuidado com as aplicações realizadas muito cedo, ainda na fase vegetativa da cultura (como exemplo, no estágio de oito folhas, como é feito nas aplicações com pulverizadores de arrasto), pois quando as plantas realmente necessitarem da proteção química os produtos não estarão mais efetivos (Figura 4).
Figura

 Figura 4. Período residual dos fungicidas em relação ao período de enchimento dos grãos na cultura do milho

fonte: Rodrigo Veras

 

 

Por outro lado, é necessário considerar, também, o momento do aparecimento das doenças na lavoura. Algumas doenças, como as ferrugens e, em algumas situações, a mancha branca, podem incidir ainda na fase vegetativa da cultura e, numa situação de uso de cultivares suscetíveis e de predominância de condições ambientais favoráveis, o controle químico deve ser considerado de modo a evitar que elevados níveis de doenças alcancem as folhas acima da espiga na fase de florescimento da cultura. Fica, portanto,
evidente que a época ideal para a realização das aplicações de fungicidas na cultura do milho depende de um monitoramento da lavoura, que deve ser iniciado ainda na fase vegetativa da cultura. Todos os aspectos acima mencionados devem ser considerados para a tomada de decisão.

A disponibilidade de equipamentos para pulverização é outro fator que influencia a eficiência do manejo de doenças na cultura do milho através de fungicidas. De modo geral, os equipamentos utilizados são os pulverizadores de arrasto, principalmente em pequenas propriedades, e autopropelidos e aeronaves, em grandes propriedades. No caso dos pulverizadores de arrasto, as pulverizações podem ser realizadas em plantas com até 100cm de altura, aproximadamente, ou seja, por volta do estágio de 8 a 9 folhas definitivas (V8 a V9). Nesse caso, deve-se dar preferência para o plantio de cultivares que apresentem bom nível de resistência às principais doenças, pois, em situações de condições favoráveis ao desenvolvimento das doenças e uso de cultivares suscetíveis, a aplicação de fungicidas muito cedo (V8 a V9) provavelmente será insuficiente para o controle adequado das doenças, com consequentes perdas na produtividade. Os equipamentos autopropelidos, cuja altura de eixo é de aproximadamente 120cm, permitem a realização de aplicações em fases mais avançadas do ciclo (V10 a VT), quando comparados aos pulverizadores de arrasto. As pulverizações realizadas com aviões, embora apresentem um custo mais elevado, não apresentam as limitações mencionadas anteriormente. Os resultados de trabalhos de pesquisa têm mostrado que a eficiência dessa modalidade de aplicação é equivalente àquela observada nos pulverizadores terrestres.

Atualmente, existem nove fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o controle de doenças da parte aérea da cultura do milho. Todos esses produtos são pertencentes aos grupos químicos dos triazóis e das estrubilurinas, formulados isoladamente ou em misturas (Tabela 02). Os fungicidas à base de triazóis e estrobilurinas são eficientes para o controle de várias doenças na cultura do milho (Figura 5).

Tabela 02. Fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o manejo de doenças da parte aérea na cultura do milho

fonte: Rodrigo Veras

Figura

Figura 5. Eficiência de fungicidas para o controle de doenças na cultura do milho (+ eficiente; - ineficiente)

fonte: Rodrigo Veras