Entendendo a crise hídrica (fevereiro de 2015)
Precipitação Acumulada em 2014. Fonte: Inmet
Estamos passando por uma situação de seca inédita (fevereiro de 2015) em função de dois fenômenos independentes. Primeiro, há uma variação no clima da terra provocada por um ciclo natural no Oceano Pacífico e no Atlântico. O oceano passa por fases em que está retirando energia da atmosfera e absorvendo-a em suas águas profundas. Isso tem impacto em todo o planeta. No Brasil, reduz a frequência e a força das frentes frias que vêm do Polo Sul para o Sudeste e gerariam as chuvas que alimentariam as represas. Estamos passando por uma dessas fases.
O outro fenômeno é representado por uma zona de alta pressão que se forma sobre o Atlântico e impede a entrada das frentes frias. Elas só vão até o Paraná e não chegam a São Paulo. É o que se chama de bloqueio atmosférico. Essa é uma condição normal no inverno. Mas em 2013 o bloqueio não se dispersou depois do inverno. Impediu a entrada de frentes frias no verão e durou até outubro de 2014. Depois, as chuvas começaram a se normalizar. Mas outro bloqueio se formou no meio de dezembro de 2014 e só está se dispersando agora, em janeiro/fevereiro. Isso já tinha sido observado antes, mas não com essa intensidade. Tem relação com alteração nas temperaturas dos oceanos, que estão mais quentes.
A crise hídrica brasileira não teve seu início com o veranico prolongado ocorrido em 2014. O Estado do Espírito Santo esteve alagado no final de 2013 e já no início de 2015 apresenta-se em situação de restrição hídrica. Grandes reservas, como a represa de Três Marias (MG), têm há mais de dez anos, o nível de água reduzido sistematicamente. Isso porque o volume utilizado, principalmente para geração de energia, outro fator importante a ser considerado, tem sido superior à capacidade de recarga a montante.
A forma de se solucionar definitivamente problemas que causaram a atual crise, nos precavendo contra crises futuras, é a promoção da reservação, com a ampla disseminação de práticas de conservação do solo e da água e a construção de pequenas e médias barragens a jusante das nascentes nas microbacias que compõem as principais bacias hidrográficas. A tecnologia para construção de barragens e as tecnologias de conservação do solo e da água como plantio direto, sistemas integrados e terraceamento estão disponíveis.
Com políticas públicas adequadas é possível ampliar o uso do plantio direto e a construção de terraços nas áreas de produção de grãos e terraceamento nas áreas destinadas à produção de fruteiras, florestas plantadas e pastagens. Essa ação garantiria a "produção" de água nas fazendas, com mais infiltração de água no solo, o que elevaria os níveis dos aquíferos e do lençol freático, permitindo a regularização dos fluxos dos cursos de água durante o ano e, ainda, reduzindo o volume do fluxo instantâneo causador de enchentes após a ocorrência de chuvas intensas.
Considerando a precipitação média anual no Brasil e a efetivação dessas ações de "produção" e reservação de água, certamente teríamos à disposição água suficiente para o abastecimento humano e animal, produção de energia e para aumentar significativamente as áreas irrigadas no País. Com a implementação do novo Código Florestal iniciaremos um processo massivo de recomposição de APPs, com reflorestamento de matas ciliares que evitarão o assoreamento dos corpos d'água, e possibilitarão mais fluidez dos cursos de água das bacias hidrográficas.
Há necessidade de se rever a legislação que trata da construção de pequenas e médias barragens e de outorga de água de modo a desburocratizar ações de reservação, "produção" e uso de água. Dada a importância dessas ações, uma parceria entre o governo federal, estados, municípios e os produtores rurais é fundamental para a implementação de ações que tornarão o meio rural um grande provedor de água, por meio de uma política sustentável de reservação hídrica e "produção de água" nas áreas rurais.
A despeito desses passivos, e considerando a safra corrente, não se espera que os veranicos ocorridos no início da estação chuvosa de 2014 e em janeiro de 2015 causem perdas significativas na produção de grãos, frutas e carnes. Com as informações disponíveis até o momento não se pode prenunciar uma situação de perdas substanciais no conjunto da safra 2014/2015. Veranicos de 20 a 25 dias têm ocorrido sistematicamente a cada 4 a 5 anos sem afetar drasticamente a produção agrícola brasileira, que vem incorporando avanços tecnológicos de forma sistemática, e apresentando ganhos significativos de produtividade e produção ao longo das últimas décadas.