01/04/16 |   Recursos naturais

Essências de plantas aromáticas do Cerrado podem chegar ao mercado mundial de perfumes

Informe múltiplos e-mails separados por vírgula.

Pesquisa iniciada em 2012 pela Embrapa e universidades parceiras pode colocar os aromas do Cerrado pela primeira vez na paleta internacional de perfumes. Essa coleção mundial de aromas, a paleta  − nome que faz alusão às tintas utilizadas pelos artistas plásticos em suas pinturas −, é utilizada hoje pelos perfumistas de todo o mundo e conta com aproximadamente três mil ingredientes, mas nenhum deles inclui matérias-primas desse bioma.
 
Essa realidade pode mudar a partir dos resultados obtidos pelos pesquisadores Humberto Bizzo e Roberto Vieira, que há cerca de quatro anos se embrenham pelas matas do Cerrado em busca de aromas e óleos essenciais. Muito mais do que uma matéria-prima a mais em uma paleta com milhares de ingredientes, a descoberta de substâncias do Cerrado pode contribuir, e muito, para agregar valor à sua biodiversidade, gerando renda e emprego para as comunidades locais.
 
Foi esse ideal que motivou os pesquisadores a percorrerem matas e trilhas pouco exploradas pelo turismo em áreas de preservação do Cerrado, como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). O melhor conhecimento de suas plantas e flores pode levar à descoberta de novos óleos, essências e aromas.
 
O projeto "Espécies Aromáticas do Cerrado", coordenado por Bizzo, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, está sendo conduzido em duas etapas. A primeira, executada de 2012 a 2014, foi voltada à coleta de espécies, resultando em 118 amostras, que representam 50 famílias. Na segunda, que se estende até 2018, o foco está na avaliação olfativa e na caracterização química das amostras coletadas.
 
São muitos os critérios que definem a coleta das espécies, como explica Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Um deles é a família à qual pertencem as plantas. "Algumas famílias já são notoriamente conhecidas por seu potencial aromático, como é o caso da Lamiaceae, da qual fazem parte a lavanda, a menta, a hortelã, a sálvia, o manjericão, entre outros", exemplifica o pesquisador. Outros critérios são a quantidade encontrada e a própria aparência das plantas na natureza. "Uma folha com mais pelugem, por exemplo, pode indicar que a planta possui potencial aromático", complementa.

Análise rápida do material Coletado

Para facilitar a avaliação, os cientistas montaram estruturas para extração dos óleos no próprio campo, com equipamentos sofisticados que permitem a rápida análise do material coletado. Isso é necessário porque várias substâncias que conferem odor às plantas e flores são muito voláteis e se perdem em poucas horas.
 
A caracterização química dos óleos essenciais extraídos das espécies aromáticas foi desenvolvida por Bizzo e sua equipe na primeira fase do projeto. Segundo ele, os óleos e as  frações voláteis extraídos das plantas estão guardados e à disposição para futuros estudos. A prospecção e a avaliação de bioativos é outra parte das atividades que integra a pesquisa realizada no Brasil. A Embrapa Acre, por exemplo, estuda a utilização de óleos essenciais de plantas da região Amazônica para controlar uma praga da laranja. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também fazem parte do projeto e vão testar as atividades biológicas dos óleos essenciais contra fungos e bactérias com potencial patogênico a humanos.
 
Parceria com a GivaudanPara a execução da segunda fase do projeto, foi firmado um contrato de cooperação técnica com a multinacional de essências Givaudan. O objetivo agora é realizar a avaliação olfativa das espécies coletadas para identificar ingredientes com aplicação potencial na indústria de fragrâncias e cosméticos e abrir novas oportunidades de produção agrícola. "Além do potencial uso para perfumes e cosméticos, espera-se também identificar atividades biológicas das substâncias extraídas e  possibilidades de aplicação em outras áreas, como as indústrias de alimentos e farmacêutica", ressalta Bizzo.
 
Como parte da cooperação técnica, duas representantes da Givaudan, a perfumista sênior Marion Costero, e a gerente de Tecnologia e Ingredientes de Fragrâncias Virginie Barbesant, estiveram na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia em 2015. As profissionais deram início à investigação olfativa das espécies coletadas com o pesquisador Roberto Vieira, coordenador das atividades do projeto em Brasília.

O difícil caminho do campo às perfumarias

O Brasil tem uma importante posição no comércio de essências. É o quarto maior produtor mundial e o primeiro em óleos essenciais cítricos. Entretanto, com uma paleta mundial com cerca de três mil ingredientes, a tarefa de encontrar novas substâncias diferenciadas não é nada fácil. Ainda existem outras dificuldades pela frente, como, por exemplo, determinar formas de propagação e cultivo das espécies aromáticas, avaliar a toxicidade do óleo e encontrar parceiros para produzi-lo e extraí-lo em larga escala.
"Trata-se de um enorme desafio", ressaltam Marion e Virginie, garantindo que mesmo assim estão bastante animadas com a possibilidade de identificar óleos inéditos. "Como o Cerrado é um enorme manancial genético muito pouco conhecido até o momento e baseando-se nos resultados de nossas primeiras análises com as amostras da Embrapa, o projeto se mostra promissor", afirmam.
 
As especialistas explicaram ainda que o bioma aparenta ser muito rico em óleos essenciais, o que é favorecido, provavelmente, pela predominância do clima seco. "As espécies nativas do Cerrado podem conter cheiros de interesse para a indústria de perfumaria, com características olfativas peculiares," acredita Virginie.
 
A parceria entre as duas instituições, na visão da perfumista, pode beneficiar a valorização do bioma Cerrado no mundo todo, já que reúne experiências de atuação em áreas diferentes cujas expertises podem ser muito positivas quando integradas. "A Embrapa detém enorme conhecimento sobre esse e outros biomas brasileiros e sobre as formas de cultivo das espécies aromáticas, por isso essa parceria é tão importante para nós," declara Virginie.
 
Por enquanto, ela explica que os trabalhos ainda estão em uma fase bem incipiente, mas, no futuro, depois da confirmação do potencial dos óleos essenciais para fragrâncias, será necessário multiplicar as plantas e cultivá-las em larga escala. "Nesse momento, o know-how da Embrapa será de extrema relevância", reafirma.

Pesquisa sustentável

Todo o trabalho é realizado com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e em bases sustentáveis, integrando aspectos sociais e ambientais. "Sempre procuramos trabalhar em parceria com as populações e comunidades locais, de forma a gerar renda, emprego e preservar suas diversidades vegetais", enfatizam as profissionais da Givaudan.
 
A identificação de novos ingredientes de interesse para a indústria de perfumes em áreas ameaçadas, como o Cerrado, é uma das prioridades da empresa. "O impacto da descoberta de novas matérias-primas será muito positivo para o desenvolvimento social e econômico das comunidades locais, o que também contribui para aumentar o seu orgulho como detentoras daquela biodiversidade. Além disso, ajuda na conscientização da população sobre a necessidade de preservá-la", relata Marion.
 
Considerada a maior fornecedora mundial de essências para indústria cosmética e de higiene pessoal, a Givaudan mantém ações de pesquisa e inovação em fragrâncias. Uma de suas prioridades é a valorização da biodiversidade brasileira, com a identificação de cadeias de matérias-primas ameaçadas no mundo para desenvolver parcerias que beneficiem as biodiversidades locais.
 
A sete chaves - O pesquisador Roberto Vieira afirma que algumas das amostras coletadas pela Embrapa já despertaram o interesse das perfumistas, mas por enquanto esse é um segredo que precisa ser mantido a sete chaves.
 
"Diante do interesse afirmado por elas, vamos ter de coletar novamente algumas amostras, desta vez com um novo olhar, mais refinado", explica. Por exemplo, não basta a planta ter bom potencial olfativo, ela tem de manter essa característica em diferentes estações e períodos sazonais. Além disso, as condições de cultivo precisam ser avaliadas e, principalmente, as quantidades das amostras.
 
As caracterizações químicas e olfativas feitas até o momento são resultado do que os cientistas chamam de "amostras de bancada", ou seja, contendo cerca de 100 a 200 gramas. "É preciso aumentar essa quantidade para, pelo menos, dez quilos para as novas avaliações", ressalta o pesquisador.

Cerrado - quantos mistérios ou aromas ainda escondidos?

Apesar de ser um dos biomas mais importantes do mundo em biodiversidade, o Cerrado ainda é uma região pouco conhecida internacionalmente e até mesmo no Brasil, especialmente em relação ao potencial de uso de suas espécies nativas, não muito explorado até o momento.

Conhecer melhor e agregar valor a esse bioma sempre foi prioridade para a Embrapa. Várias ações de pesquisa visam não apenas à descoberta, como também ao manejo e ao extrativismo sustentável de espécies de frutas, plantas medicinais, madeireiras, entre outras. 
 
Além dos aspectos ambientais, o objetivo é contribuir para a inserção produtiva das muitas populações que sobrevivem dos recursos naturais desse bioma, incluindo etnias indígenas, quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos, que, juntas, compõem o patrimônio histórico e cultural do País.
 
O Cerrado brasileiro é a savana mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. Mas, apesar do reconhecimento de sua importância biológica, de todos os hot spots mundiais de biodiversidade (grandes áreas de riqueza biológica), esse é o que possui a menor percentagem de áreas sob proteção integral. O bioma apresenta 8,21% de seu território legalmente protegido por unidades de conservação e, apesar dos avanços em estabelecer novas áreas de preservação da biodiversidade, ainda há muita degradação florestal e fragmentação dos habitats.
 
A conservação e o uso sustentável da biodiversidade local são as formas mais eficientes de vincular o desenvolvimento econômico à conservação da diversidade biológica e cultural. 
 

Fernanda Diniz
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

Encontre mais notícias sobre:

xxi---edicao-n12