Embrapa Solos
Embrapa Solos ajudou a desvendar o território brasileiro
Estudar os solos brasileiros com base em sistemas de classificação internacionais, principalmente dos Estados Unidos. O que hoje parece estranho era a regra até algumas décadas atrás. A criação do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS), referência mundial sobre solos tropicais, é um dos legados da primeira fase da Embrapa Solos, centro de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) criado em maio de 1975 e localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Nesses quase 50 anos de atuação, a Unidade e uma rede de parceiros lideraram e participaram de projetos que desbravaram o País para expandir o conhecimento dos solos brasileiros, além de aprimorar metodologias e aperfeiçoar a execução dos levantamentos de solos em diferentes níveis e escalas.
Veja também: linha do tempo da Embrapa Solos
A trajetória da Embrapa Solos se entrelaça com a história da Ciência do Solo antes mesmo da sua criação. No prédio histórico que abriga sua sede, na Rua Jardim Botânico, no Rio de Janeiro (RJ), funcionava o Instituto de Química Agrícola (IQA), fundado em 1918 e que seria o pioneiro no Brasil na pesquisa de solos. Lá foi criada em 1947 a Comissão de Solos, que deu início aos primeiros levantamentos no País. No mesmo ano, foi fundada no local a Sociedade Brasileira de Ciência de Solo (SBCS), atualmente sediada em Viçosa (MG).
O ano de 1962 marcou a extinção do IQA e a criação da Divisão de Pedologia e Fertilidade do Solo, vinculada ao Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária (DNPEA), que continuou o trabalho que vinha sendo realizado na Comissão de Solos. Nesse período foi desenvolvido o Manual de Métodos de Análise de Solos (1969), de autoria de Leandro Vettori, responsável pelo início da automação das análises de solos no Brasil. A obra é referência na área até hoje, e passa por constantes atualizações realizadas pela Embrapa Solos.
A Divisão de Pedologia e Fertilidade do Solo seria transformada, em 28 de maio de 1975, no Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos (SNLCS), já vinculado à Embrapa. Nascia a Embrapa Solos. O acúmulo de todo esse conhecimento gerou diversos produtos, como a primeira versão do Mapa de Solos do Brasil, lançada em 1981, sob a coordenação do pesquisador Marcelo Nunes Camargo.
Avanços no conhecimento e classificação de solos brasileiros
As primeiras duas décadas da Embrapa Solos tiveram foco na geração de informações relacionadas aos solos do Brasil e à aptidão agrícola das terras, o que aprimorou as metodologias de campo e de laboratório.
O conhecimento reunido colaborou diretamente para os projetos de colonização e desenvolvimento no Norte e no Centro-Oeste e para a revolução provocada na agropecuária brasileira pela atuação da Embrapa e outras instituições. Pesados investimentos em tecnologia possibilitaram, entre outras inovações, a mecanização dos cultivos, a intensificação da irrigação, o uso de fertilizantes, a correção de solos e o desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições regionais.
O Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS), referência mundial sobre solos tropicais, é um dos legados dessa primeira fase da Embrapa Solos. Sob coordenação da Unidade e o esforço de profissionais de diversas instituições de pesquisa e ensino do Brasil, atuantes na área de gênese, morfologia e classificação de solos, o SiBCS foi iniciado no final da década de 1970.
Em 1999 foi lançada em livro a primeira edição do sistema, que vem sendo continuamente aperfeiçoado a partir de levantamentos de solos em diversas regiões, estudos de correlação de solos e pesquisas em Ciência do Solo. Em 2022, foram registrados mais de 40 mil downloads da quinta edição do SiBCS, a mais recente, e mais de 13 mil da última versão do Manual de Métodos de Análise de Solos. As duas publicações constaram entre as dez mais baixadas de toda a Embrapa no ano passado.
Uma nova era
Em 1993 foi criado o Centro Nacional de Pesquisa dos Solos (CNPS), a nova nomenclatura da Embrapa Solos, que deu lugar ao SNLCS e passou a integrar a estrutura da empresa como centro temático com atuação nacional, com foco em pesquisa e desenvolvimento em pedologia, meio ambiente e uso do solo, integrando várias disciplinas.
O novo cenário da pesquisa agropecuária demandava a ampliação do leque de competências. Era preciso atender às demandas da sociedade para o uso sustentável dos recursos associados ao solo. Diferentes linhas de pesquisa passaram a ser desenvolvidas na Embrapa Solos, tais como recuperação de áreas degradadas, análises de água e plantas, matéria orgânica, sequestro de carbono, plantio direto, irrigação, agricultura de precisão, fertilizantes e fertilidade do solo.
Com a criação do CNPS, todas as coordenadorias regionais do SNLCS foram extintas, com exceção da do Nordeste, hoje denominada Unidade de Execução de Pesquisa de Recife (UEP Recife). Vinculada à Embrapa Solos, ela atende a demandas regionais, englobando levantamentos de solos e suas aplicações, zoneamentos agroecológicos regionais e estaduais e planejamento territorial em todo o Nordeste, destacando-se o tema da convivência produtiva com a seca.
Dentre as inúmeras entregas da Embrapa Solos à sociedade que ajudaram a superar desafios e problemas do agro, destacam-se as contribuições para o avanço nas metodologias do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), como o recente detalhamento de classes de água disponível no solo, aumentado de três para seis classes, passando a representar 99% das terras agrícolas brasileiras e fortalecendo o Zarc como instrumento de políticas públicas de gestão de risco. Merecem também serem citadas o aperfeiçoamento de práticas agropecuárias em sistemas integrados e plantio direto; o desenvolvimento de produtos e sistemas voltados ao manejo de solo e água, como o Sistema Brasileiro de Classificação de Terras para Irrigação (SiBCTI); modelos de barragens subterrâneas; Fertmovel (laboratório itinerante de análise de solos); Tomatec (sistema de cultivo sustentável de tomate); fertilizantes organominerais e SpecSolo (tecnologia de análise de solos por espectroscopia no infravermelho próximo, utilizando química verde, sem uso de reagentes, com resultados rápidos sobre fertilidade, granulometria, retenção de água e quantidade de carbono no solo, permitindo a avaliação do estoque de carbono e sua relação com a emissão de gases de efeito estufa).
Nos últimos anos, o centro de pesquisa também entregou importantes ferramentas e indicadores relacionados a serviços ambientais na paisagem rural. A publicação de materiais de referência como o Manual para Pagamento por Serviços Ambientais Hídricos e o Marco Referencial em Serviços Ecossistêmicos tem apoiado a formulação de políticas públicas. Destaque também para os zoneamentos agroecológicos para diversas culturas e regiões, baseados em levantamentos e estudos de solos e desenvolvidos com processamentos e métodos de pedometria avançados, com uso de geoestatística; e mapeamentos que subsidiam políticas públicas e gestores rurais, como os mapas de estoque de carbono orgânico do solo, mapas de suscetibilidade e vulnerabilidade dos solos à erosão hídrica, mapas de água disponível no solo de Mato Grosso do Sul etc.
Importância estratégica para o futuro da agropecuária
A Embrapa Solos está à frente de duas iniciativas com importância estratégica para o Brasil: o Programa Nacional de Levantamento e Interpretação de Solos do Brasil (PronaSolos) e a Rede FertBrasil.
O PronaSolos é um programa de Estado que mobilizará nos próximos 30 anos centenas de especialistas para investigação, documentação, inventário e interpretação dos dados de solos brasileiros. O objetivo é mapear 1,3 milhão de km² do País nos primeiros dez anos, e mais 6,9 milhões de km² até 2048, em escalas que vão de 1:25.000 a 1:100.000.
A governança do programa reúne seis ministérios, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e cerca de 40 instituições e órgãos. A primeira grande entrega aconteceu em dezembro de 2020: a plataforma tecnológica do PronaSolos, sistema de informações geográficas (SigWeb) que reúne mapas e dados de solos produzidos nos últimos 60 anos por diversos órgãos.
Já a Rede FertBrasil congrega 15 Unidades da Embrapa, o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e cinco universidades federais em ações de PD&I para o avanço do conhecimento sobre fertilizantes e geração de tecnologias e produtos com potencial de inovação, além de alavancar a indústria nacional de fertilizantes, aumentar a eficiência de uso e minimizar o impacto ambiental negativo dos fertilizantes e das novas fontes de nutrientes.
“As equipes de PD&I do PronaSolos e a Rede FertBrasil vão ampliar a capacidade nacional em assuntos relacionados aos recursos naturais solo, água e biodiversidade e aos fertilizantes. O modelo sustentável de agricultura e pecuária tropical será viabilizado em todo o território, respeitando as características dos solos, biomas e regiões. O objetivo é garantir o desenvolvimento sustentável e uma maior autonomia do País”, analisa Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, chefe-geral da Embrapa Solos e presidente do Comitê Executivo do PronaSolos.
Outros desafios de PD&I que a Unidade enfrenta são demandas por métricas para rastreabilidade da sustentabilidade na agricultura e mecanismos de compensação aos produtores, por meio de pagamentos por serviços ambientais e certificações; ferramentas de agricultura de precisão e plataformas digitais com disponibilização de dados e informações de solos e sua ambiência; metodologias de mapeamento digital dos solos de baixo custo; soluções para recuperação de terras degradadas e sua reinserção nos sistemas de produção; e informações e métodos para adaptação às mudanças climáticas e redução das emissões de gases de efeito estufa pela agropecuária.
Para Maria de Lourdes, o centro de pesquisa continua estratégico para a agropecuária, pois além de gerar conhecimento sobre os solos do Brasil, que são a matéria-prima essencial para a produção, desenvolve, adapta e dissemina soluções tecnológicas que assegurem a sustentabilidade do uso e manejo do solo, o que refletirá não apenas na produção de alimentos, fibras e energia, mas na provisão de múltiplos serviços ecossistêmicos dos solos e melhoria da qualidade de vida de todos.
“A Embrapa Solos, além de ampliar o conhecimento dos solos brasileiros, encontra-se também diante do desafio de responder a questões cada vez mais importantes para o futuro do planeta, tais como mudanças climáticas, aquecimento global, degradação dos solos, contaminação e escassez das águas e utilização de plantas para produção de energia”, complementa a líder da Unidade.
Fernando Gregio (MTb 42.280/SP)
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