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25/09/17 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Ações de resgate e de multiplicação de plantas alimentícias não convencionais (PANC) promovem sua volta ao campo e à mesa

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Foto: Neide Botrel, Nuno Madeira e Paula Rodrigues

Neide Botrel, Nuno Madeira e Paula Rodrigues -

Essas espécies de hortaliças estavam aí, algumas pelos quintais, outras dispersas no meio do mato, e diversas na condição de pratos regionais. Se em muitos lugares ainda não são reconhecidas como alimentos, por outro lado, em certas localidades, sempre fizeram parte da culinária numa tradição passada de geração a geração. Sem contarem com cultivo comercial e uma cadeia produtiva estruturada, muitas dessas plantas passaram a povoar apenas as memórias de algumas pessoas. Mas novos tempos são chegados e, dentro de um contexto científico-econômico-social, outros roteiros começam a fazer parte da história de plantas como araruta, almeirão, azedinha, bertalha, cará-moela, chuchu-de-vento, capuchinha, jambu, mangarito, ora-pro-nóbis, fisális, peixinho, taioba e vinagreira, entre outras que caíram no anonimato.

E como narrativas muitas vezes partem da perspectiva de quem possui algum tipo de identificação com o tema, no caso das plantas alimentícias não convencionais (PANC), as chamadas hortaliças tradicionais, o agente da ação foi o pesquisador Nuno Madeira, fitotecnista da Embrapa Hortaliças, que cultiva algumas dessas espécies, como mangarito, ora-pro-nóbis e taioba, na sua horta caseira. “Eu consumia e conhecia o valor delas como alimentos saudáveis, e também recebia consultas a respeito, mas não fazia nenhum trabalho relacionado às PANC no âmbito da pesquisa”, lembra o pesquisador.

Tudo começou em 2008, a partir de uma reorganização dos bancos de germoplasma da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia que terminou por decidir um novo destino para essas espécies. À época, Madeira foi convidado para ser curador dessas plantas, que tinham sido identificadas e catalogadas por aquela Unidade e mantidas em seu Banco Ativo de Germoplasma (BAG). O desdobramento dessa ação resultou na tomada de posição da Embrapa Hortaliças como curadora desse banco, “o que oportunizou a manutenção de uma coleção própria com esses materiais”.

De acordo com o pesquisador, a importância dessa iniciativa pode ser medida pelo simbolismo que representa a preservação de um patrimônio genético que estava sendo perdido. “Quem mantinham essas espécies eram os agricultores tradicionais, rurais ou urbanos, por vezes sem o conhecimento preciso da planta ou mesmo de referência de seu uso alimentar – há casos de pessoas nas cidades que mantêm cercas vivas de ora-pro-nóbis por causa de seus espinhos pontiagudos e desconhecem que é uma planta comestível e boa fonte de proteína, assim como nos casos das tradicionais peixinho e capuchinha, utilizadas como plantas ornamentais”, observa o pesquisador.

O banco de germoplasma da Embrapa Hortaliças conta hoje com mais de 50 espécies de hortaliças PANC. Ao contrário das coleções de materiais de batata-doce, tomate, pimenta, abóbora, etc., utilizadas nos programas de melhoramento genético de hortaliças, a formação do banco de germoplasma de hortaliças não convencionais teve e tem como pano de fundo a conservação e a preservação de um patrimônio ainda pouco explorado. Nesse aspecto, Madeira ressalta que a melhor forma de conservação dessas espécies é pelo uso: “Se deixar de produzir, elas vão desaparecer”.

Para garantir que essas hortaliças não se percam, a estratégia encontrada pelas instituições envolvidas foi o estabelecimento de bancos comunitários para atuarem como bancos locais de multiplicação de sementes e mudas. E o I Encontro Nacional de Hortaliças Não Convencionais (ou I HortPANC), promovido em junho último pela Embrapa Hortaliças, incluiu essa questão entre os principais objetivos do evento.

HortPANC

O primeiro encontro em nível nacional sobre as hortaliças não convencionais representou importante passo no sentido de estender o trabalho de preservação das hortaliças PANC por meio de uma rede de curadores, cada uma com sua coleção de germoplasma, mesmo não abrangendo todas as espécies.

Algumas instituições já desenvolvem essa atividade há algum tempo, como a Universidade de Lavras (UFLA), a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e o Instituto Federal de Goiás (IFG), que montou o seu banco a partir da experiência da Embrapa Hortaliças. Com relação à Epamig, Madeira faz um registro especial.

- Minas Gerais, por ser o estado mais tradicional em matéria da culinária, com um forte consumo de algumas dessas espécies, foi o precursor na implantação de bancos comunitários, sendo o primeiro instalado no município de Três Marias pela Associação de Agricultores Familiares de Bonfim (Asbon), presidida pela produtora Ana Lúcia Ferreira, que planta, processa e comercializa produtos à base de hortaliças não convencionais.

Projeto

Além da rusticidade e do fácil manejo, as hortaliças PANC também se destacam no quesito nutricional, cujo reconhecimento da importância desse componente para a segurança alimentar levou à aprovação do projeto “Avaliação da Caracterização Nutricional e Estudo da Vida Útil de Hortaliças Não Convencionais”, liderado pela pesquisadora Neide Botrel e que, além de Madeira, ainda conta com os pesquisadores Raphael Melo e Geovani Amaro na equipe.

De acordo com a pesquisadora, na proposta foram elencadas 20 espécies, um número bem expressivo se comparado ao trabalho com as convencionais, onde cada projeto contempla normalmente apenas uma hortaliça. “Como são plantas que não têm uma cadeia estabelecida, não podia formular um projeto baseado tão somente numa espécie”, acentua Neide, ao ressaltar que a parte de caracterização nutricional conta com a participação de pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ).

De origem rural em Minas Gerais, a pesquisadora confessa “sentir-se muito à vontade no trabalho com as hortaliças PANC, algumas velhas conhecidas, como a ora-pro-nóbis”. E assinala que a esse respeito existem diferenças regionais, e que muitas das hortaliças não convencionais podem ser tão presentes no cardápio a ponto de ser regionalmente consideradas convencionais, como a bertalha no Rio de Janeiro, o jambu no Pará e a vinagreira no Maranhão.

“Essa questão da regionalidade acaba muitas vezes por dificultar o entendimento das pessoas que consomem no seu cotidiano esses alimentos classificados como PANC, como o jambu, um ingrediente indispensável em pratos típicos para os paraenses, como o pato no tucupi, o tacacá e a maniçoba; e a vinagreira, que faz parte do cardápio dos maranhenses, com o famoso arroz de cuxá”.

Nutrição

Com relação ao tópico relacionado ao viés nutricional dessas hortaliças, várias espécies possuem relevante teor de proteína de boa digestibilidade, como o caruru e o ora-pro-nóbis e, além de consumidas refogadas, podem também ser desidratadas para compor multimisturas como complemento alimentar.

No tocante ao reconhecimento das qualidades nutricionais dessas espécies, o ora-pro-nóbis é a perfeita tradução da importância desses elementos presentes em maior ou menor grau nas hortaliças PANC. Exemplo desse reconhecimento foi o contrato firmado, em fevereiro de 2016, entre a Embrapa Hortaliças e a empresa Proteios, com sede em Ribeirão Branco (PR). Como a empresa produz o Complemento Nutricional Funcional (CNF), proteína vegetal produzida a partir de folhas de ora-pro-nóbis, o contrato previa o desenvolvimento de um sistema de plantio com vistas a potencializar a produção da hortaliça junto a agricultores familiares no Planalto Paranaense e Catarinense.
Objetivo alcançado, segundo Nuno Madeira, para quem a parceria resultou num arranjo produtivo de interesse da sociedade, por meio de uma construção coletiva do conhecimento, unindo pesquisa, extensão rural, produtores e indústria. “Esse arranjo segue em desenvolvimento, agora relacionado à desidratação e ao acabamento do produto, mas que no aspecto agronômico foi sistematizado com a proposta de plantio adensado com colheitas sucessivas”.

Quando o assunto é vitamina C, muitas dessas hortaliças consumidas cruas podem ser uma boa fonte, com destaque para a capuchinha, que tem folhas, flores e frutos comestíveis. Nesse aspecto, Neide sublinha que essa planta ainda possui um alto teor de carotenoides, substâncias pertencentes ao grupo do precursor da vitamina A (betacaroteno), e que apresentam cores variadas que vão do amarelo claro ao vermelho escuro.

Mas as potencialidades da planta vão mais além, com o interesse crescente da gastronomia, que propicia a união do nutricional com o ornamental. “As flores comestíveis das capuchinhas fazem com que o prato seja mais atrativo visualmente e com qualidades nutricionais”, avalia a pesquisadora, para quem “o mercado gourmet tem à disposição inúmeras possibilidades e representa um mundo ainda a ser explorado”.

Para atender uma demanda em expansão, sua recomendação é a de procurar a instituição pública de extensão rural de cada estado. “Na área de assistência técnica, há profissionais que desenvolvem um trabalho com as hortaliças tradicionais, podendo assim encaminhar as pessoas interessadas para algum produtor que cultiva essas espécies”.

 

Layane: “O trabalho com as hortaliças PANC me inspirou a desenvolver o Projeto Refazenda”

A experiência adquirida no trato com as hortaliças não convencionais provocou mudanças na vida de Layane Carvalho, graduanda em Ciências Ambientais na Universidade de Brasília (UnB). Nascida e criada em ambiente rural, as hortaliças PANC não eram novidades para ela quando começou o seu estágio na Embrapa Hortaliças, orientanda do pesquisador Nuno Madeira. “O estágio me possibilitou esse reencontro, onde pude perceber a importância do resgate e da conservação dessas plantas, tanto pelo valor nutricional, quanto pelo uso cultural da maioria das hortaliças tradicionais”, registra Layane, que decidiu ao final dessa etapa de aprendizagem prática dar continuidade ao trabalho.

Juntamente com a colega Daniela Messias, ela iniciou o plantio de mangarito em uma área da Fazenda São Luiz (Santo Antônio do Descoberto-GO), de propriedade de seu avô, e conta que na sequência decidiram desenvolver o projeto Refazenda, com vistas ao resgate, à multiplicação e à “repopularização” dessas espécies, principalmente em áreas urbanas, que não dispõem de informações sobre elas. “Durante dois anos, focamos na multiplicação de mudas e sementes e no início de 2017 começamos a divulgar o projeto, que passou a contar com a participação de Bruna Oliveira, do movimento ‘Other Food’, em Porto Alegre, que trabalhava com beneficiamento de hortaliças PANC (pães, geleias, doces, bolos, etc)”, explica Layane.

E as coisas foram avançando, com a realização da primeira feira PANC, “onde o interesse dos participantes superou as nossas expectativas, e percebemos que poderíamos criar uma demanda local por esses produtos”. A fase de comercialização surgiu após a integração de Bruna de Oliveira – nutricionista com larga experiência em beneficiamento de hortaliças PANC - ao grupo que, atualmente, cultiva as plantas e cria receitas à base de ora-pro-nóbis, mangarito, inhame, cará, major-gomes, vinagreira, malvavisco, jambu, azedinha, taioba, celosia, peixinho, fisális, entre outras.

E o projeto Refazenda vai indo muito bem, obrigado, participando de feiras voltadas aos produtores locais, e alcançando o seu principal objetivo que é fazer com que “esses alimentos contribuam na promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional das populações”.

 

Leonardo: “Conhecer as hortaliças PANC mudou a minha vida”

Um estágio na Embrapa Hortaliças motivou o então estudante do curso técnico na escola agrícola do Instituto Federal de Brasília (IFB) de Planaltina a investir no plantio das hortaliças tradicionais. Assentado da reforma agrária no município de Monte Alto, próximo à região administrativa de Brazlândia (DF), Leonardo Vitorino começou a descobrir um mundo novo no trato com as hortaliças PANC.

De acordo com Vitorino, logo no começo do estágio, por ocasião de uma viagem com o pesquisador Nuno Madeira, houve a oportunidade de “conhecer o ora-pro-nóbis”. Ele conta que naquela ocasião ficou surpreso ao ver o pesquisador ir até à cerca viva de sua casa e arrancar algumas folhas que iriam compor o cardápio do jantar. Era a mesma planta que Vitorino tinha no seu quintal, na área do assentamento, e desconhecia que era um alimento e, ainda por cima, altamente nutritivo.

Após o estágio de dois anos (2011 a 2013), Vitorino decidiu que a experiência adquirida iria fazer a diferença na sua vida. “Tudo o que aprendi na Unidade foi muito útil, e quando eu cheguei à faculdade de Agronomia senti que estava mais preparado porque eu já tinha a prática”, acentua o futuro agrônomo, que vem participando de feiras itinerantes realizadas em diversos shoppings de Brasília onde leva as “suas PANC” para serem comercializadas.

Em volta de sua banca, assinala o produtor, há sempre uma plateia atenta, a quem ele apresenta o livro “Manual de Produção de Hortaliças Tradicionais”, produzido por pesquisadores da Embrapa Hortaliças e por técnicos de instituições parceiras, e comenta sobre as qualidades das espécies cultivadas no seu quintal que estão sendo comercializadas – notadamente ora-pro-nóbis, jambu, mostarda e almeirão.

“Em cada feira, uma pessoa diferente compra alguma hortaliça e quem já comprou volta. Como a minha escala é pequena, ainda não consegui ampliar a produção para atender a demanda”, sublinha o produtor, que defende a instalação de mais bancos comunitários, “para facilitar o acesso às mudinhas dessas plantas de pessoas interessadas em cultivar algumas espécies”.

Anelise Macedo (MTB 2.749/DF)
Embrapa Hortaliças

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