Desde que foi criada, a Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) rendeu inúmeros frutos para o desenvolvimento do conhecimento científico e de tecnologias que visam à sustentabilidade e ao aumento de produtividade no campo. Assim, a tarefa de apontar os principais destaques ao longo das décadas é bem complicada, visto que a maturação dos benefícios da pesquisa é um processo que, na maioria das vezes, avança lentamente. “As pesquisas são dinâmicas e acumulativas. Dificilmente se consegue num pequeno período desenvolver um ativo biotecnológico, por exemplo”, explica o pesquisador José Ivo Baldani. “É um contínuo de tempo e trabalho”, corrobora o pesquisador Eduardo Campello. Ainda assim, é possível lembrar alguns dos resultados de maior impacto da Unidade. O primeiro deles – e do qual muitos outros foram derivados – são os estudos sobre fixação biológica de nitrogênio (FBN), certamente a grande contribuição da pesquisadora Johanna Döbereiner. Em 1964 começava o programa brasileiro de melhoramento da soja, buscando alternativas à adubação química, que estava revolucionando a agricultura da época. Dessa forma, o uso de inoculantes bacterianos garantiu a competitividade do grão brasileiro em relação a outros países, refletindo diretamente na balança comercial do País. A contribuição das pesquisas lideradas por Johanna transformaram o Brasil no segundo maior produtor mundial do grão, atrás apenas dos Estados Unidos, gerando uma economia anual de bilhões de dólares pela não utilização de fertilizantes nitrogenados. FBN além da soja A Embrapa Agrobiologia também desenvolve pesquisas na área de biologia molecular, especialmente em genômica. “Tivemos o privilégio de indicar a primeira bactéria ‘do bem’ (G. diazotrophicus) para ser sequenciada pelo Consórcio RioGene, que envolveu diferentes instituições, como UFRJ, UERJ, UENF, UFRRJ, PUC, entre outras”, diz o pesquisador Ivo Baldan. “Ainda hoje o estudo é essencial para apoiar as pesquisa de interação entre cana-de-açúcar e bactérias diazotróficas envolvendo as ferramentas proteômicas e transcriptômicas, que são de domínio da Unidade”, completa. O pesquisador também recorda do início das pesquisas em agricultura orgânica, hoje bem sedimentada em alguns setores da sociedade, e dos estudos com recuperação de áreas degradadas envolvendo a inoculação de rizóbios ou micorrizas em leguminosas florestais. “Isso ganhou destaque na unidade com atuação em recuperação de encostas de estradas e de cidade e, posteriormente, evoluiu para o uso em áreas de mineração em diferentes regiões do País”, aponta. Outro destaque é o inoculante para cana-de-açúcar, que culminou no lançamento do Aprinza, em 2018, em parceria com a Basf, produto integrante do Muneo Biokit, que foi resultado de décadas de estudo e pesquisas sucessivas. “A fixação biológica de nitrogênio em cana teve o boom no final da década de 1980, com a descoberta da bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus e de outras. Associadas com a cana, elas permitiam uma contribuição da FBN bastante elevada, variável de acordo com a variedade da cultura. Desde a década de 1990 até 2010 foram feitas várias pesquisas para desenvolver um inoculante, que culminaram com a mistura de cinco bactérias”, relemba Ivo. A agricultura brasileira e a evolução da pesquisa O ano era 1989 quando a Embrapa Agrobiologia “nasceu” oficialmente, ainda sob o nome de Centro Nacional de Pesquisa de Biologia do Solo, mesmo depois de alguns muitos anos já em funcionamento. Oficialmente, são 31 anos de uma trajetória que soma dedicação, esforço conjunto, parceria, perseverança e muitos bons resultados."Somos uma unidade com história e tradição, valorizamos nosso passado, vivemos com intensidade o presente e projetamos nosso futuro sempre com espírito solidário. Fazemos parte de uma rede e, com nosso foco de atuação, contribuímos para viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira", diz o atual chefe da Secretaria de Inovação e Negócios e ex-chefe da Embrapa Agrobiologia, Gustavo Xavier. Um breve levantamento das pesquisas do Centro mostram avanços que contribuíram para diferentes áreas da agricultura brasileira: desde a efetiva utilização de inoculantes bacterianos para a fixação biológica de nitrogênio em diversas culturas até a restauração ambiental em áreas de preservação permanente e a recuperação de áreas degradadas em diferentes níveis e biomas, tanto em áreas de exploração petrolífera ou de minérios quanto em pastagens. “Acredito que uma das diferenças da Embrapa Agrobiologia é a de ter sempre buscado realizar pesquisas antecipando futuras questões de cunho ecológico e agroambientais, mesmo com a preocupação em apresentar uma solução que permita o desenvolvimento de tecnologias para a agricultura, seja ela familiar ou em larga escala”, aponta Ivo Baldani. O pesquisador José Guilherme Guerra, na Embrapa desde 1989, concorda: “A concepção técnico-científica que norteia as ações da Embrapa Agrobiologia desde os seus primórdios é alicerçada no manejo dos recursos naturais renováveis.” Já na década de 1960, a agricultura brasileira apresentava evidentes sinais de modernização, em consonância com o que ocorria no restante do mundo. A introdução de máquinas, equipamentos, fertilizantes, defensivos agrícolas e ferramentas gerenciais aos poucos foi mudando o caráter essencialmente familiar e lançou as bases para a formação das agroindústrias e do agronegócio. Na década de 1980, entrava em cena a ampla discussão sobre organismos geneticamente modificados e transgênicos na agricultura como uma possibilidade para tornar as culturas mais resistentes e produtivas e para alterar características dos alimentos originais. “O grande mote da época era a biotecnologia e sua aplicação na agricultura. Havia muitas controvérsias e, no final, a agricultura baseada nessa tecnologia está hoje implantada no caso de algumas commodities. Mas em nossa unidade de pesquisa, foi nessa mesma época que tiveram início os estudos em agricultura orgânica, como um contraponto a esse cenário”, afirma Ivo. De fato, a história da Embrapa Agrobiologia coincide com a evolução da agricultura orgânica e da agroecologia no Brasil, que se fortaleceram após os movimentos em prol da agricultura alternativa no início da década de 1990. Em 1993, foi implantada a Fazendinha Agroecológica Km 47, com a parceria da Pesagro-Rio e da UFRRJ. Nesse aspecto, José Guilherme explica que uma das preocupações da pesquisa na Unidade sempre foi a eficiência no aproveitamento de nutrientes em sistemas agrícolas de produção sustentável. “Neste contexto se insere nossa contribuição em diferentes sistemas de produção agrícola ditos convencionais, e naqueles que originalmente eram chamados de alternativos, ou, como definido atualmente no âmbito da Embrapa, de agriculturas de base ecológica, a saber: orgânica, agroecológica, biodinâmica, natural, urbana, entre outras”, diz José Guilherme, lembrando que o foco desses sistemas é a agricultura de base familiar. Das leguminosas agrícolas às espécies florestais Ainda na década de 1990, outra linha de pesquisa que começou a ganhar força foi a de recuperação de áreas degradadas (RAD), especialmente após a Constituição Federal de 1988, que estabelece que quem degrada o meio ambiente ou deixa algum passivo ambiental é responsável por sua recuperação. “No início trabalhávamos basicamente com leguminosas florestais, vendo o potencial de uso dessas plantas na propriedade rural. Quando começamos a fazer os primeiros ensaios, percebemos como as leguminosas inoculadas cresciam melhor e foi quando a gente vislumbrou o potencial da tecnologia”, conta o pesquisador Eduardo Campello. “A partir da Constituição, começou a haver muito mais procura, começamos a fazer algumas parcerias com prefeituras e depois também com a iniciativa privada”, cita. Eduardo conta que o início dos trabalhos com leguminosas florestais foram inspirados em um trabalho da pesquisadora Johanna Döbereiner que mostrava que o sabiá (Mimosa caesalpiniifolia) fixava nitrogênio. “Já no início da década de 1980 havia alguns levantamentos sobre espécies fixadoras de nitrogênio na Mata Atlântica, inclusive apontando que leguminosas inoculadas com bactérias selecionadas e também com fungos micorrízicos tinham um crescimento muito expressivo na fase de mudas”, lembra. O grupo de RAD da Embrapa Agrobiologia se consolidou como um dos pioneiros na temática, e a própria técnica evoluiu muito. “No começo a gente trabalhou com muitas espécies que tinham rápido crescimento. Hoje, procuramos trabalhar só com nativas, evitando usar espécies que possam se tornar invasoras. Temos uma série de preocupações sobre sustentabilidade que estão atreladas ao nosso trabalho”, destaca. Eduardo também cita outros destaques de pesquisa que se consolidaram ao longo dos anos: a recuperação de voçorocas, o Fertleg (fertilizante de leguminosa) e os corredores agroflorestais. “Antes o que se propunha eram corredores florestais para interligar fragmentos de mata, mas por se localizarem em propriedades rurais e não gerarem receitas, os produtores não se sentiam motivados. Conseguimos mostrar que era possível ter a função de abrigo e trânsito para a fauna silvestre e também gerar receita na propriedade”, conta. Além disso, ele destaca o uso do capim-elefante como fonte de energia para produzir cerâmica vermelha (tijolos e telhas), em substituição ao gás natural ou lenha. Maria Elizabeth Fernandes Correia, ex-chefe de pesquisa e atual chefe-geral da Embrapa Agrobiologia, aponta também alguns resultados um pouco mais recentes, como o desenvolvimento do N-Verde (fertilizante orgânico produzido a partir da biomassa aérea de leguminosas fixadoras de nitrogênio), o Guia InNat para reconhecimento de inimigos naturais de pragas agrícolas, o Sistema de suporte à inserção de árvores na agricultura da Mata Atlântica, a consolidação do Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner, a gluconacina (proteína recombinante que tem ação antimicrobiana contra alguns microrganismos causadores de doenças de plantas). “Teve também a descoberta da praga quarentenária broca-da-manga no Brasil e o trabalho feito em Gana para incentivar a FBN em amendoim e feijão-caupi”, ressalta. Emissão de GEE Já no fim dos anos 2000, a preocupação com as mudanças climáticas e a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) começou a ganhar cada vez mais a atenção da sociedade e da pesquisa. A Embrapa, já em 2007, destacava a importância de aumentar a eficiência dos sistemas de produção para diminuir as emissões de carbono e outros gases. Nesse cenário, a Embrapa Agrobiologia se destaca pela atuação conjunta com outras unidades da Embrapa e instituições de pesquisa, contribuindo essencialmente para o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) do Governo Federal. A intensificação do uso da FBN na agricultura, em substituição aos fertilizantes nitrogenados, é uma das alternativas sugeridas para reduzir a emissão de dióxido de carbono. A Embrapa Agrobiologia também realizou levantamento de emissões de GEE pela agricultura brasileira e mostrou que a emissão de óxido nitroso (N2O) é pelo menos 50% menor do que era estimado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). Isso significa uma redução nas estimativas de emissões totais de GEE da agropecuária nacional na ordem de 10%. Ação na serra do RJ Criado em 2007 e vinculado à Embrapa Agrobiologia, o Núcleo de Pesquisa e Treinamento de Agricultores (NPTA), em Nova Friburgo, também traz grandes contribuições para a agricultura fluminense. A iniciativa tem a parceria da Prefeitura de Nova Friburgo e também da Embrapa Solos e da Embrapa Agroindústria de Alimentos, tendo, entre suas práticas recomendadas, a adoção do uso de adubos verdes nas rotações de cultivo de hortaliças para prevenir doenças. “É uma região com uma agricultura bastante dinâmica, e logo que chegamos aqui as lideranças locais nos apontaram o grande problema que estavam tendo com a"hérnia das crucíferas", uma doença que acomete essa família de plantas, como a couve, a couve-flor, o brócolis e o repolho. Então montamos um primeiro projeto com estratégias preventivas e acabamos avançando bastante no uso dos adubos verdes na região”, conta o pesquisador Renato Linhares, que desde 2008 atua no NPTA. Após a tragédia de 2011, com as enchentes e os deslizamentos de terra, o uso da aveia-preta como adubo verde em plantios, principalmente no período de inverno, foi bastante estimulado e amplamente adotado, o que influenciou também no comércio local, que passou a ter sementes de aveia-preta sempre disponíveis. “Como os agricultores vivenciaram isso de uma forma mais dura, com perdas de vidas e também de áreas de produção, eles perceberam a necessidade de buscar alternativas para reduzir os riscos da atividade agrícola e se preocupar com a conservação do solo”, resume Renato. Mais recentemente, o NPTA também tem se envolvido com outra vertente: o desenvolvimento sustentável em ambientes de montanhas. “É preciso ter um olhar interdisciplinar para esses espaços, não apenas focado na agricultura. Temos que olhar para o espaço rural como um todo e como ele se articula com o espaço urbano, no sentido de maximizarmos as diferentes atividades”, afirma. Foram feitos dois workshops sobre o assunto e, posteriormente, a participação no evento Mountains, em 2016 e 2018. “Uma das nossas grandes dificuldades foi internalizar essa questão, porque muita gente achava que o Brasil não tem montanha. Avançamos e hoje a Embrapa tem inserção dentro da Aliança para as Montanhas, que é o organismo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para trabalhar a temática”, finaliza o pesquisador. A economia na soja O uso de inoculantes bacterianos na cultura da soja proporciona uma economia bilionária para o Brasil. Para se ter uma ideia, só na safra de 2019-2020, a estimativa é de que a economia gerada pelo uso de rizóbios na soja tenha sido de aproximadamente 17 bilhões de dólares. O pesquisador Bruno Alves explica o cálculo: “De acordo com a base de dados da produção agrícola municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produziu 125,2 milhões de toneladas de grãos nessa safra. Considerando-se que 85% de todo o nitrogênio utilizado pela cultura da soja vem da FBN realizada pelos rizóbios, e que sem esses microrganismos seria necessário aplicar ureia para atender à demanda do nutriente pela cultura, com uma eficiência média de uso do nitrogênio pela planta de 50%, pode-se estimar que a cultura precisaria de 17 milhões de toneladas de nitrogênio na forma de ureia (45% de N). Isso equivale a 37,8 milhões de toneladas de ureia. Assumindo um preço médio da ureia de 450 dólares por tonelada, chegamos ao valor da economia gerada.” Ele ainda vai mais além: “Considerando que o uso de inoculantes comerciais, cujo desenvolvimento foi fruto dos trabalhos pioneiros dos pesquisadores João Ruy Jardim Freire e Johanna Döbereiner, ocorreu mais fortemente a partir de 1980, a economia acumulada até 2020 pelo uso desses rizóbios pode ser estimada em 264 bilhões de dólares.” Foto: Marisa Yuri Horikawa
Foto: Ana Lucia Ferreira
Prédio Sede da Embrapa Agrobiologia, em Seropédica, RJ
Desde que foi criada, a Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) rendeu inúmeros frutos para o desenvolvimento do conhecimento científico e de tecnologias que visam à sustentabilidade e ao aumento de produtividade no campo. Assim, a tarefa de apontar os principais destaques ao longo das décadas é bem complicada, visto que a maturação dos benefícios da pesquisa é um processo que, na maioria das vezes, avança lentamente. “As pesquisas são dinâmicas e acumulativas. Dificilmente se consegue num pequeno período desenvolver um ativo biotecnológico, por exemplo”, explica o pesquisador José Ivo Baldani. “É um contínuo de tempo e trabalho”, corrobora o pesquisador Eduardo Campello.
Ainda assim, é possível lembrar alguns dos resultados de maior impacto da Unidade. O primeiro deles – e do qual muitos outros foram derivados – são os estudos sobre fixação biológica de nitrogênio (FBN), certamente a grande contribuição da pesquisadora Johanna Döbereiner. Em 1964 começava o programa brasileiro de melhoramento da soja, buscando alternativas à adubação química, que estava revolucionando a agricultura da época. Dessa forma, o uso de inoculantes bacterianos garantiu a competitividade do grão brasileiro em relação a outros países, refletindo diretamente na balança comercial do País. A contribuição das pesquisas lideradas por Johanna transformaram o Brasil no segundo maior produtor mundial do grão, atrás apenas dos Estados Unidos, gerando uma economia anual de bilhões de dólares pela não utilização de fertilizantes nitrogenados.
FBN além da soja A Embrapa Agrobiologia também desenvolve pesquisas na área de biologia molecular, especialmente em genômica. “Tivemos o privilégio de indicar a primeira bactéria ‘do bem’ (G. diazotrophicus) para ser sequenciada pelo Consórcio RioGene, que envolveu diferentes instituições, como UFRJ, UERJ, UENF, UFRRJ, PUC, entre outras”, diz o pesquisador Ivo Baldan. “Ainda hoje o estudo é essencial para apoiar as pesquisa de interação entre cana-de-açúcar e bactérias diazotróficas envolvendo as ferramentas proteômicas e transcriptômicas, que são de domínio da Unidade”, completa. O pesquisador também recorda do início das pesquisas em agricultura orgânica, hoje bem sedimentada em alguns setores da sociedade, e dos estudos com recuperação de áreas degradadas envolvendo a inoculação de rizóbios ou micorrizas em leguminosas florestais. “Isso ganhou destaque na unidade com atuação em recuperação de encostas de estradas e de cidade e, posteriormente, evoluiu para o uso em áreas de mineração em diferentes regiões do País”, aponta. Outro destaque é o inoculante para cana-de-açúcar, que culminou no lançamento do Aprinza, em 2018, em parceria com a Basf, produto integrante do Muneo Biokit, que foi resultado de décadas de estudo e pesquisas sucessivas. “A fixação biológica de nitrogênio em cana teve o boom no final da década de 1980, com a descoberta da bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus e de outras. Associadas com a cana, elas permitiam uma contribuição da FBN bastante elevada, variável de acordo com a variedade da cultura. Desde a década de 1990 até 2010 foram feitas várias pesquisas para desenvolver um inoculante, que culminaram com a mistura de cinco bactérias”, relemba Ivo. |
A agricultura brasileira e a evolução da pesquisa
O ano era 1989 quando a Embrapa Agrobiologia “nasceu” oficialmente, ainda sob o nome de Centro Nacional de Pesquisa de Biologia do Solo, mesmo depois de alguns muitos anos já em funcionamento. Oficialmente, são 31 anos de uma trajetória que soma dedicação, esforço conjunto, parceria, perseverança e muitos bons resultados."Somos uma unidade com história e tradição, valorizamos nosso passado, vivemos com intensidade o presente e projetamos nosso futuro sempre com espírito solidário. Fazemos parte de uma rede e, com nosso foco de atuação, contribuímos para viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira", diz o atual chefe da Secretaria de Inovação e Negócios e ex-chefe da Embrapa Agrobiologia, Gustavo Xavier.
Um breve levantamento das pesquisas do Centro mostram avanços que contribuíram para diferentes áreas da agricultura brasileira: desde a efetiva utilização de inoculantes bacterianos para a fixação biológica de nitrogênio em diversas culturas até a restauração ambiental em áreas de preservação permanente e a recuperação de áreas degradadas em diferentes níveis e biomas, tanto em áreas de exploração petrolífera ou de minérios quanto em pastagens. “Acredito que uma das diferenças da Embrapa Agrobiologia é a de ter sempre buscado realizar pesquisas antecipando futuras questões de cunho ecológico e agroambientais, mesmo com a preocupação em apresentar uma solução que permita o desenvolvimento de tecnologias para a agricultura, seja ela familiar ou em larga escala”, aponta Ivo Baldani.
O pesquisador José Guilherme Guerra, na Embrapa desde 1989, concorda: “A concepção técnico-científica que norteia as ações da Embrapa Agrobiologia desde os seus primórdios é alicerçada no manejo dos recursos naturais renováveis.”
Já na década de 1960, a agricultura brasileira apresentava evidentes sinais de modernização, em consonância com o que ocorria no restante do mundo. A introdução de máquinas, equipamentos, fertilizantes, defensivos agrícolas e ferramentas gerenciais aos poucos foi mudando o caráter essencialmente familiar e lançou as bases para a formação das agroindústrias e do agronegócio. Na década de 1980, entrava em cena a ampla discussão sobre organismos geneticamente modificados e transgênicos na agricultura como uma possibilidade para tornar as culturas mais resistentes e produtivas e para alterar características dos alimentos originais. “O grande mote da época era a biotecnologia e sua aplicação na agricultura. Havia muitas controvérsias e, no final, a agricultura baseada nessa tecnologia está hoje implantada no caso de algumas commodities. Mas em nossa unidade de pesquisa, foi nessa mesma época que tiveram início os estudos em agricultura orgânica, como um contraponto a esse cenário”, afirma Ivo.
De fato, a história da Embrapa Agrobiologia coincide com a evolução da agricultura orgânica e da agroecologia no Brasil, que se fortaleceram após os movimentos em prol da agricultura alternativa no início da década de 1990. Em 1993, foi implantada a Fazendinha Agroecológica Km 47, com a parceria da Pesagro-Rio e da UFRRJ. Nesse aspecto, José Guilherme explica que uma das preocupações da pesquisa na Unidade sempre foi a eficiência no aproveitamento de nutrientes em sistemas agrícolas de produção sustentável. “Neste contexto se insere nossa contribuição em diferentes sistemas de produção agrícola ditos convencionais, e naqueles que originalmente eram chamados de alternativos, ou, como definido atualmente no âmbito da Embrapa, de agriculturas de base ecológica, a saber: orgânica, agroecológica, biodinâmica, natural, urbana, entre outras”, diz José Guilherme, lembrando que o foco desses sistemas é a agricultura de base familiar.
Das leguminosas agrícolas às espécies florestais
Ainda na década de 1990, outra linha de pesquisa que começou a ganhar força foi a de recuperação de áreas degradadas (RAD), especialmente após a Constituição Federal de 1988, que estabelece que quem degrada o meio ambiente ou deixa algum passivo ambiental é responsável por sua recuperação. “No início trabalhávamos basicamente com leguminosas florestais, vendo o potencial de uso dessas plantas na propriedade rural. Quando começamos a fazer os primeiros ensaios, percebemos como as leguminosas inoculadas cresciam melhor e foi quando a gente vislumbrou o potencial da tecnologia”, conta o pesquisador Eduardo Campello. “A partir da Constituição, começou a haver muito mais procura, começamos a fazer algumas parcerias com prefeituras e depois também com a iniciativa privada”, cita.
Eduardo conta que o início dos trabalhos com leguminosas florestais foram inspirados em um trabalho da pesquisadora Johanna Döbereiner que mostrava que o sabiá (Mimosa caesalpiniifolia) fixava nitrogênio. “Já no início da década de 1980 havia alguns levantamentos sobre espécies fixadoras de nitrogênio na Mata Atlântica, inclusive apontando que leguminosas inoculadas com bactérias selecionadas e também com fungos micorrízicos tinham um crescimento muito expressivo na fase de mudas”, lembra.
O grupo de RAD da Embrapa Agrobiologia se consolidou como um dos pioneiros na temática, e a própria técnica evoluiu muito. “No começo a gente trabalhou com muitas espécies que tinham rápido crescimento. Hoje, procuramos trabalhar só com nativas, evitando usar espécies que possam se tornar invasoras. Temos uma série de preocupações sobre sustentabilidade que estão atreladas ao nosso trabalho”, destaca.
Eduardo também cita outros destaques de pesquisa que se consolidaram ao longo dos anos: a recuperação de voçorocas, o Fertleg (fertilizante de leguminosa) e os corredores agroflorestais. “Antes o que se propunha eram corredores florestais para interligar fragmentos de mata, mas por se localizarem em propriedades rurais e não gerarem receitas, os produtores não se sentiam motivados. Conseguimos mostrar que era possível ter a função de abrigo e trânsito para a fauna silvestre e também gerar receita na propriedade”, conta. Além disso, ele destaca o uso do capim-elefante como fonte de energia para produzir cerâmica vermelha (tijolos e telhas), em substituição ao gás natural ou lenha.
Maria Elizabeth Fernandes Correia, ex-chefe de pesquisa e atual chefe-geral da Embrapa Agrobiologia, aponta também alguns resultados um pouco mais recentes, como o desenvolvimento do N-Verde (fertilizante orgânico produzido a partir da biomassa aérea de leguminosas fixadoras de nitrogênio), o Guia InNat para reconhecimento de inimigos naturais de pragas agrícolas, o Sistema de suporte à inserção de árvores na agricultura da Mata Atlântica, a consolidação do Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner, a gluconacina (proteína recombinante que tem ação antimicrobiana contra alguns microrganismos causadores de doenças de plantas). “Teve também a descoberta da praga quarentenária broca-da-manga no Brasil e o trabalho feito em Gana para incentivar a FBN em amendoim e feijão-caupi”, ressalta.
Emissão de GEE Já no fim dos anos 2000, a preocupação com as mudanças climáticas e a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) começou a ganhar cada vez mais a atenção da sociedade e da pesquisa. A Embrapa, já em 2007, destacava a importância de aumentar a eficiência dos sistemas de produção para diminuir as emissões de carbono e outros gases. Nesse cenário, a Embrapa Agrobiologia se destaca pela atuação conjunta com outras unidades da Embrapa e instituições de pesquisa, contribuindo essencialmente para o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) do Governo Federal. A intensificação do uso da FBN na agricultura, em substituição aos fertilizantes nitrogenados, é uma das alternativas sugeridas para reduzir a emissão de dióxido de carbono. A Embrapa Agrobiologia também realizou levantamento de emissões de GEE pela agricultura brasileira e mostrou que a emissão de óxido nitroso (N2O) é pelo menos 50% menor do que era estimado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). Isso significa uma redução nas estimativas de emissões totais de GEE da agropecuária nacional na ordem de 10%. |
Ação na serra do RJ
Criado em 2007 e vinculado à Embrapa Agrobiologia, o Núcleo de Pesquisa e Treinamento de Agricultores (NPTA), em Nova Friburgo, também traz grandes contribuições para a agricultura fluminense. A iniciativa tem a parceria da Prefeitura de Nova Friburgo e também da Embrapa Solos e da Embrapa Agroindústria de Alimentos, tendo, entre suas práticas recomendadas, a adoção do uso de adubos verdes nas rotações de cultivo de hortaliças para prevenir doenças. “É uma região com uma agricultura bastante dinâmica, e logo que chegamos aqui as lideranças locais nos apontaram o grande problema que estavam tendo com a"hérnia das crucíferas", uma doença que acomete essa família de plantas, como a couve, a couve-flor, o brócolis e o repolho. Então montamos um primeiro projeto com estratégias preventivas e acabamos avançando bastante no uso dos adubos verdes na região”, conta o pesquisador Renato Linhares, que desde 2008 atua no NPTA.
Após a tragédia de 2011, com as enchentes e os deslizamentos de terra, o uso da aveia-preta como adubo verde em plantios, principalmente no período de inverno, foi bastante estimulado e amplamente adotado, o que influenciou também no comércio local, que passou a ter sementes de aveia-preta sempre disponíveis. “Como os agricultores vivenciaram isso de uma forma mais dura, com perdas de vidas e também de áreas de produção, eles perceberam a necessidade de buscar alternativas para reduzir os riscos da atividade agrícola e se preocupar com a conservação do solo”, resume Renato.
Mais recentemente, o NPTA também tem se envolvido com outra vertente: o desenvolvimento sustentável em ambientes de montanhas. “É preciso ter um olhar interdisciplinar para esses espaços, não apenas focado na agricultura. Temos que olhar para o espaço rural como um todo e como ele se articula com o espaço urbano, no sentido de maximizarmos as diferentes atividades”, afirma. Foram feitos dois workshops sobre o assunto e, posteriormente, a participação no evento Mountains, em 2016 e 2018. “Uma das nossas grandes dificuldades foi internalizar essa questão, porque muita gente achava que o Brasil não tem montanha. Avançamos e hoje a Embrapa tem inserção dentro da Aliança para as Montanhas, que é o organismo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para trabalhar a temática”, finaliza o pesquisador.
A economia na soja
O uso de inoculantes bacterianos na cultura da soja proporciona uma economia bilionária para o Brasil. Para se ter uma ideia, só na safra de 2019-2020, a estimativa é de que a economia gerada pelo uso de rizóbios na soja tenha sido de aproximadamente 17 bilhões de dólares. O pesquisador Bruno Alves explica o cálculo: “De acordo com a base de dados da produção agrícola municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produziu 125,2 milhões de toneladas de grãos nessa safra. Considerando-se que 85% de todo o nitrogênio utilizado pela cultura da soja vem da FBN realizada pelos rizóbios, e que sem esses microrganismos seria necessário aplicar ureia para atender à demanda do nutriente pela cultura, com uma eficiência média de uso do nitrogênio pela planta de 50%, pode-se estimar que a cultura precisaria de 17 milhões de toneladas de nitrogênio na forma de ureia (45% de N). Isso equivale a 37,8 milhões de toneladas de ureia. Assumindo um preço médio da ureia de 450 dólares por tonelada, chegamos ao valor da economia gerada.”
Ele ainda vai mais além: “Considerando que o uso de inoculantes comerciais, cujo desenvolvimento foi fruto dos trabalhos pioneiros dos pesquisadores João Ruy Jardim Freire e Johanna Döbereiner, ocorreu mais fortemente a partir de 1980, a economia acumulada até 2020 pelo uso desses rizóbios pode ser estimada em 264 bilhões de dólares.”
Foto: Marisa Yuri Horikawa
Liliane Bello (Mtb 01766/GO)
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