Megatendências / Incremento da Governança e dos Riscos

Intensificação da governança no agro

Download

O exercício de poder e a atribuição de responsabilidades nas sociedades do século 21 caracterizam-se pela uma crescente polifonia. A diversificação do espectro de partes interessadas e das instâncias públicas voltadas para o enfrentamento conjunto de desafios societais mostram que as dinâmicas decisórias, quer nacionais quer internacionais, estão mais compartilhadas, abertas e difusas (Michalsk, 2001; European Commission, 2019, 2021). 

Em uma análise direcionada à área ambiental, Gunningham e Holley (2016) nos mostram que, ao longo dos últimos 40 anos, ocorreu a ampliação da arquitetura normativa das sociedades, agregando mecanismos de regulação e processos de governança aos tradicionais instrumentos legais. Eles apresentam três vetores que gradualmente impulsionarão a renovação dessa arquitetura ao longo dos próximos anos. São eles: 

1) pluralismo regulatório, resultando no aumento do espaço regulatório e de mecanismos disponíveis; 

2) tecnologia como elemento de potencialização dos esforços de compliance, uma vez que monitoramento em tempo real e capacidade analítica, ofertadas por novas tecnologias, reduzem custos relacionados à regulação, bem como incentivam o compartilhamento de informações que fortalecem o processo de planejamento e de integridade; e 

3) nova governança na área ambiental, ou seja, ampliação da colaboração entre diversas partes interessadas, propensas a orquestrar determinado assunto a partir de uma abordagem mais coletiva, flexível e multinível.

Esse movimento aumentará, por exemplo, a demanda por cooperação e coordenação na comunidade internacional, e consequentemente a interdependência dos atores, uma vez que a escala dos desafios contemporâneos transcende fronteiras e capacidades dos atores tradicionais. Reforçará esse processo a crescente tomada de consciência sobre o bem-estar das futuras gerações (Hillgren et al., 2020; Stauffer et al., 2021; Sustainability First, 2021), ampliando sua influência sobre o repertório dos tomadores de decisão e o ideário das sociedades.

Assim como a área ambiental, o comércio internacional é outro campo que tem trazido evidências do impulso dessas dinâmicas decisórias multifacetadas e adaptativas. Boa parte dos acordos regionais de comércio (ARC) contemporâneos, por exemplo, possuem capítulos que tratam de cláusulas horizontais sobre setores ou agendas sensíveis. Esse tipo de cláusula favorece que as partes, ao longo do tempo, cooperem e coordenem suas posições para compartilhar informações e gerar confiança. Esse movimento habitualmente promove compartilhamento de boas práticas regulatórias, disseminação de padrões internacionais e fomento à implementação de reconhecimento mútuo ou alinhamento das abordagens regulatórias entre os parceiros comerciais (Kauffman; Saffirio, 2021).

Tecnologias emergentes também se constituem como um tema latente dos esforços de regulação e processos de governança. Muitas vezes, elas viabilizam novos produtos, serviços ou modelo de negócios em um ritmo e com abrangência impressionantes. De modo que a convergência tecnológica atinge em cheio não só os mercados, mas a sociedade como um todo (OECD, 2020).

Essa convergência intensifica a demanda por dinâmicas decisórias multifacetadas e adaptativas, que instrumentalizem a regulação e os processos de governança, tanto para corrigir falhas de mercado como para a geração de sinergias e oportunidades para as sociedades. O governo britânico (Regulation..., 2019) reconhece esse movimento ao evidenciar que é necessário reformular o modelo regulatório para apoiar e estimular inovações que beneficiem tanto os cidadãos como a economia.

Isso tudo mostra como a sociedade e a própria comunidade internacional estão lidando com a missão, ainda em evolução, de coordenar suas ações no tempo, agregando o olhar para o longo prazo, e no espaço, transcendendo as fronteiras habituais (Stauffer et al., 2021), para viabilizar arquiteturas normativas multifacetadas, abrangentes e adaptativas que permitam a estruturação do processo decisório para os desafios do século 21. 

Referências

  • EUROPEAN COMMISSION. 2021 Strategic foresight report: The EU’s capacity and freedom to act. European Commission. Brussels, 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/strategic_foresight_report_2021_en.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.
  • EUROPEAN COMMISSION. Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions: better regulation: taking stock and sustaining our commitment. Brussels, 2019. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019DC0178&from=EN. Acesso em: 22 set. 2021.
  • GUNNINGHAM, N.; HOLLEY, C. Next-generation environmental regulation: law, regulation, and governance. Annual Review of Law and Social Science, 12, p. 273-293, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-lawsocsci-110615-084651. Acesso em: 23 set. 2021.
  • HILLGREN, P.-A.; LIGHT, A.; STRANGE, M. Future public policy and its knowledge base: shaping worldviews through counterfactual world-making. Policy Design and Practice, v.3, n.2, p.109-122, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/25741292.2020.1748372. 
  • KAUFFMAN, C.; SAFFIRIO, C. Good regulatory practices and co-operation in trade agreements: a historical perspective and stocktaking. Paris: OECD Publishing, 2021. (OECD Regulatory Policy Working Papers, n. 14). DOI: https://doi.org/10.1787/cf520646-en.
  • MICHALSK, W.; MILLER, R.; STEVENS, B. Governance in the 21st Century: power in the global knowledge economy and society. In: OECD. Governance in the 21st Century: future studies. Paris, 2001. Disponível em: https://www.oecd.org/futures/17394484.pdf. Acesso em: 17 set. 2021.
  • OECD. Shaping the future of regulators: the impact of emerging technologies on economic regulators. Paris: OECD Publishing, 2020. 104 p. DOI: https://doi.org/10.1787/db481aa3-en.
  • REGULATION for the Fourth Industrial Revolution: white aper. London: Secretary of State for Business, Energy and Industrial Strategy of United Kingdom, 2019. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/807792/regulation-fourth-industrial-strategy-white-paper-web.pdf. Acesso em: 21 set. 2021.
  • STAUFFER, M.; SEIFERT, K.; AMMANN, N.; SNOEIJ, J. P. Policymaking for the long-term future: improving institutional fit. [S.l.]: Simon Institute for Longterm Governance, 2021. (Working Paper, 1). Draft version. Disponível em: https://www.simoninstitute.ch/project/public-policy-making-longterm-future/. Acesso em: 20 set. 2021.
  • SUSTAINABILITY FIRST. Regulation for the future: the implications of public purpose for policy and regulation in utilities. London, 2021. Disponível em: https://www.sustainabilityfirst.org.uk/images/publications/fair_for_the_future/Regulation_for_the_future_the_implications
    _of_public_purpose_for_policy_and_regulation_in_utilities.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.