Cachaça

Conteúdo atualizado em: 23/02/2022

Autor

Rogério Haruo Sakai - Consultor autônomo

 

História

A cachaça, bebida feita da fermentação e destilação do melaço proveniente da cana-de-açúcar foi descoberta pelos escravos dos engenhos de açúcar em meados do século XVI. Era considerada uma bebida de baixo status perante a sociedade, pois era consumida apenas por escravos e brancos pobres, enquanto a elite brasileira da época preferia vinhos e a bagaceira (aguardente de bagaço de uva), trazidos de Portugal.
 

Porém, mesmo assim os engenhos de cachaça foram se espalhando, tornando-se a bebida alcoólica mais consumida no Brasil Colônia. Com isso, a Corte Portuguesa proibiu sua produção, comercialização e consumo sob a justificativa de que seu consumo pelos escravos poderia ameaçar a segurança e a ordem da Colônia, e que prejudicava, também, o rendimento dos trabalhadores das minas de ouro e no comércio local. Entretanto, o principal motivo, segundo alguns historiadores, é que a cachaça produzida no Brasil começou a ganhar espaço junto à classe média da época, levando à diminuição do consumo da bagaceira, importada de Portugal e, consequentemente, arrecadando menos impostos.

Como na prática nunca se conseguiu acabar com o consumo da bebida, em meados do século XVIII a Corte Portuguesa decidiu taxar a venda da cachaça, porém sem sucesso, pois a sonegação era muito elevada e a aguardente tornou-se um símbolo de resistência contra a dominação portuguesa.

Quando o produto nacional começou a ganhar força entre todas as classes sociais, alguns setores da elite e da classe média do século XIX e início do XX iniciaram um movimento de preconceito contra a cachaça, uma vez que eles buscavam uma identidade mais próxima da européia.

Somente durante a Semana de Arte de 1922, quando se buscou as raízes brasileiras, é que a cachaça voltou a ser considerada um símbolo da cultura nacional e contra a adoção da cultura européia. E, desde então, é considerada a mais brasileira das bebidas e famosa em todo o mundo.

 

Cachaça, caninha, pinga, cana e aguardente de cana

Para que o produto receba a denominação de cachaça, deve obedecer os parâmetros estabelecidos pelo Decreto n° 2314, de 4 de setembro de 1997, que regulamenta a padronização e classificação de bebidas.
Sendo a cachaça, caninha, cana ou aguardente de cana toda bebida que utilize a cana-de-açúcar como matéria-prima e com sua graduação alcoólica entre 38% e 54% em volume, a 20° C, podendo ainda ser acrescida de açúcar em até seis gramas por litro, sendo que quando a adição de açúcar for superior a seis e inferior a 30 gramas por litro deve receber a denominação de cachaça adoçada, caninha adoçada ou aguardente de cana adoçada.
 
Consumo e produção 
A aguardente de cana é a terceira bebiba destilada mais consumida no mundo e a primeira no Brasil. Segundo o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDAC), a produção é em torno de 1,3 bilhão de litros por ano, sendo que cerca de 75% desse total é proveniente da fabricação industrial e 25%, da forma artesanal.

O Brasil consome quase toda a produção de cachaça; por volta de 1% a 2 %, apenas, é exportado (2,5 milhões de litros). Os principais países compradores são: Alemanha, Paraguai, Itália, Uruguai e Portugal (Tabela 1).

Tabela 1. Principais países importadores de cachaça.
Fonte: Rodrigues et al. (2006).


A cachaça é produzida em todos os Estados brasileiros, mesmo naqueles onde o cultivo da cana-de-açúcar não é favorável. Os maiores produtores de cachaça são: São Paulo (45%), Pernambuco (12%), Ceará (11%), Rio de Janeiro (8%), Minas Gerais (8%), Goiás (8%), Paraná (4%), Paraíba (2%) e Bahia (2%), sendo os três primeiros responsáveis por quase toda produção de cachaça industrial (Figura 1).

 Figura 1. Distribuição da produção de cachaça por Estado.
 Fonte: Martinelli et al. (2000).


A produção de cachaça artesanal ou de alambique está concentrada nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, sendo que os estados mineiro e fluminense contribuem com quase 50% de toda a produção de cachaça de alambique do Brasil.

 

Cachaça de alambique e industrial

Embora a legislação não estabeleça distinção entre os produtos finais das destilarias industriais e dos alambiques artesanais, existem, na prática, muitas diferenças entre cachaça de alambique e cachaça industrial.
As cachaças industriais são controladas por empresas e a cana-de-açúcar é cultivada em grandes áreas, enquanto a pinga artesanal é produzida em pequena escala por pequenos produtores, em sua maioria utilizando mão-de-obra familiar. Estima-se que existam por volta de 40 mil produtores de cachaça artesanal no Brasil.
O processo de produção também é diferente, pois em larga escala utiliza-se, muitas vezes, colunas de destilação e tonéis de aço-inox, a adição de produtos químicos na fermentação e não se separa a parte nobre do destilado. No processo artesanal, a destilação é feita em alambiques de cobre (Figura 2) e a fermentação ocorre de forma natural.
 
Foto: Patrícia Wyler. Foto: Rogério Sakai. Foto: Celina Henrique.
   
Figura 2. Alambique de cobre com coluna de aço. Figura 3. Alambique de cobre com alvenaria. Figura.4. Alambique de cobre.
 

A parte nobre da cachaça é separada das impurezas com o objetivo de dar mais qualidade ao produto artesanal e, por fim, vem o processo de envelhecimento em tonéis de madeira (carvalho, bálsamo, além de espécies nativas do País).


Fabricação da cachaça
 
A fabricação de cachaça ocorre seguindo basicamente os mesmos processos da fabricação do etanol combustível, como mostra a Figura 5, com diferenças nas etapas a partir de destilação.  

 Figura 5. Fluxograma da produção de cachaça.
 
A cana colhida é levada para a moenda (Figura 6) para a extração do caldo, que é é filtrado e vai para a dorna de decantação com o objetivo de separar impurezas, como bagacilhos, terra e areia. A diluição do caldo é o processo em que se prepara o caldo de cana para atingir o teor de sacarose entre 14 e 16 graus Brix. Isto acontece com a adição de água de boa qualidade na dorna de diluição. Ainda nesta etapa, pode-se adicionar ácido sulfúrico para evitar a contaminação do caldo por bactérias que podem produzir outros compostos prejudiciais à qualidade final da cachaça.
 
Foto: Celina Henrique.
Figura 6. Recepção e moagem da cana.
 
Na fermentação (Figura 7) utiliza-se a levedura Saccharomyces cerevisae, comumente encontrada em supermercados e padarias. Nas pequenas fábricas de cachaça, em que não existem geladeiras para guardar o fermento, é utilizado o “fermento caipira”, fabricado pelo próprio produtor com um pouco da garapa misturada com fubá. Pode-se, também, utilizar outros materiais, como farelo de arroz, por exemplo.
 
Foto: Celina Henrique.
Figura 7. Tanque de fermentação.


Independente do fermento utilizado, esse processo deve ser concluído em aproximadamente 24 horas. O método usual para verificar o fim da fermentação é quando o caldo começa a soltar borbulhas de forma uniforme e com cheiro agradável, com leve aroma de frutas. O fermento depositado no fundo da dorna costuma ser reutilizado na próxima fermentação.

O vinho é retirado por gravidade das dornas de fermentação e levado diretamente para a destilação nos alambiques. Na etapa de destilação, não é aproveitado o álcool inicial (cabeça) e final (calda). Utiliza-se para a comercialização somente o álcool do meio da destilação (corpo ou coração), 80% do material destilado.

Após a retirada do álcool, este é padronizado para que o teor alcoólico fique entre 38 e 54%. A partir disso, a cachaça já pode ser engarrafada (Figura 8) ou ir para tonéis de madeira para envelhecimento (Figura 9 e 10). A cachaça envelhecida tem sabor e aroma mais agradáveis do que a cachaça recém destilada, o que lhe agrega maior valor.

Foto: Rogério Sakai.

Figura 8. Máquina para engarrafamento da cachaça.

Foto: Rogério Sakai. Foto: Celina Henrique.
Figura 9. Tóneis de envelhecimento horizontais. Figura 10. Tóneis de envelhecimento verticais.


Mercado 

O preço do produto e a forma de comercialização também são diferentes. A cachaça industrial é vendida em torno R$0,70 o litro na destilaria e é comercializada em larga escala, tanto no mercado interno quanto no externo. A pinga artesanal consegue um valor de, no mínimo, R$1,30 por litro e, dependendo da forma como é comercializada, pode chegar, em média, a R$4,50 a R$6,00 por litro.
Em lojas especializadas, a cachaça artesanal é vendida a preços muito altos, dependendo da marca, podendo ultrapassar o valor de R$200,00 por uma garrafa de 700 mililitros. Ou seja, o valor agregado na produção artesanal é muito elevado, já que o consumidor adquire um produto praticamente exclusivo.

Outra forma de agregação de valor ao produto são os certificados de qualidade e os certificados socioambientais, como o orgânico e/ou o de indicação geográfica. A cachaça produzida em Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, foi a primeira a conseguir o certificado de indicação geográfica como denominação de origem.

Para exportação, o preço varia entre US$1,00 e US$2,50 o litro, que é vendido no mercado internacional por US$ 20,00 a US$24,00 por litro. Segundo estimativas do PBDAC, espera-se que as exportações cheguem a 100 milhões de litros em dez anos, pois a qualidade da cachaça brasileira vem melhorando a cada safra e conquistando cada vez mais consumidores estrangeiros, sobretudo os europeus.


Fontes consultadas:

MARTINELLI, D. P.; SPERS, E. E.; COSTA, A. F. Ypióca - introduzindo uma bebida genuinamente brasileira no mercado global. In: CONGRESSO ANUAL DO PENSA (PROGRAMA DE ESTUDOS DOS NEGÓCIOS DE SISTEMA INDUSTRIAL), 10., 2000, São Paulo. Anais ... [São Paulo, 2000].

RODRIGUES, L. R.; OLIVEIRA, E. A. A. Q. de. Expansão da exportação de cachaça brasileira: uma nova oportunidade de negócios internacionais. In: ENCONTRO LATINO AMERICANO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 11.; ENCONTRO LATINO AMERICANO DE PÓS-GRADUAÇÃO, 7., 2006, São José dos Campos. [Anais...]. [São José dos Campos: Univap, 2007].