Cana
Fermentação
Autor
André Ricardo Alcarde - Consultor autônomo
A transformação da matéria-prima em álcool é efetuada por microrganismos, usualmente leveduras da espécie Saccharomyces cereviseae, por meio da fermentação alcoólica. Para que a fermentação tenha sucesso, dentro de especificações técnicas, é muito importante que se misture ao mosto uma quantidade de leveduras capaz de converter os açúcares em álcool e gás carbônico, dentro de determinadas condições. Este conjunto de microrganismos recebe o nome de pé-de-cuba ou simplesmente fermento.
As leveduras utilizadas na indústria do álcool e das aguardentes devem apresentar certas características, como: velocidade de fermentação; tolerância ao álcool; rendimento; resistência e estabilidade. A velocidade de fermentação é determinada pela quantidade de açúcar fermentado por uma quantidade de leveduras durante um certo tempo.
O ganho em produtividade por meio de fermentações rápidas aumenta a produção diária e reduz, consequentemente, o custo de produção e o risco de contaminação por microrganismos prejudiciais. O rendimento, ou seja, a relação entre açúcar consumido e álcool produzido, deve ser elevado, sendo essa condição essencial para uma levedura industrial.
Preparo do mosto
Mosto é um líquido açucarado que pode ser fermentado. Para o preparo dos mostos devem ser tomados alguns cuidados no tocante à concentração de açúcares totais e sua relação com sólidos solúveis, acidez total e pH. Em alguns casos pode ser necessária a suplementação de nutrientes, adição de anti-sépticos e aumento da temperatura para se obter rendimentos satisfatórios.
O preparo do mosto de melaço é simples, já que se constitui em uma correção dos açúcares totais por meio de diluição. O pH tem papel importante na fermentação, sendo que para favorecer o desenvolvimento das leveduras deve estar na faixa entre 4,5 e cinco.
O uso de anti-sépticos tem o objetivo de controlar os contaminantes, sendo que o ácido sulfúrico tem se mostrado o melhor controlador das contaminações. As leveduras desempenham melhor sua atividade à temperatura de 32 a 34º C (Celsius).
De acordo com a operação de tratamento do caldo, o caldo bruto deve sofrer um tratamento térmico, ou seja, um aquecimento de até 105º C, visando a eliminação dos microrganismos contaminantes, de maneira a reduzir a formação de espumas durante o processo fermentativo. Após o aquecimento, o caldo bruto tem suas impurezas removidas por decantação e resfriamento até a temperatura de 30º C antes da fermentação.
Preparo do fermento
Os mostos preparados industrialmente devem ser inoculados com as leveduras, que são os microrganismos responsáveis pela fermentação alcoólica. Para que as fermentações tenham uma condução satisfatória, é necessário que se adicione aos mostos uma quantidade compatível de microrganismos capazes de transformar rapidamente os açúcares em álcool e gás carbônico.
Os fermentos ou pés-de-cuba são o inóculo inicial. Na maioria das destilarias brasileiras é empregado como inóculo inicial o fermento desidratado, dada a possibilidade de compra da quantidade inicialmente necessária, evitando-se a operação de multiplicação e seus riscos. Esse tipo de inoculação é chamado de partida direta, pois não é necessária a multiplicação dos fermentos. No caso da utilização de cultura pura, é requerido da indústria um melhor nível tecnológico, pois a partir de pequenas quantidades de levedura seca viva ou acondicionada em tubos de cultura, deve-se produzir a quantidade inicial necessária.
Condução da fermentação
Uma vez preparados o fermento e o mosto, ambos serão misturados nas dornas de fermentação, momento em que as leveduras transformarão os açúcares em gás carbônico (Figura 1) e álcool, sendo este último o objetivo desse processo industrial. A adição do mosto ao fermento deverá ser realizada de modo contínuo, sendo que a quantidade será controlada através da concentração da mistura.
Foto: Patrícia Cândida Lopes. |
Figura 1. Vista do interior da dorna de fermentação |
Fases da fermentação alcoólica
O processo industrial de fermentação alcoólica pode ser dividido em três fases: fermentação preliminar ou pré-fermentação, fermentação principal ou tumultuosa e fermentação complementar ou pós-fermentação.
A fermentação preliminar inicia-se com a adição do mosto ao levedo. Quando o inóculo é pequeno, esta fase caracteriza-se pela multiplicação das leveduras, com conseqüente consumo de açúcares e lenta produção de álcool. Portanto, deve-se utilizar uma quantidade maior de leveduras de rápida multiplicação, já que o processo de produção de álcool requer alta produtividade. Ocorrendo o aumento da produção de álcool, evidenciado pela produção de gás carbônico, tem-se o final desta fase e o início da fase de fermentação principal ou tumultuosa.
As principais características da fase de fermentação principal são: intensa produção de álcool e liberação de CO2; aumento da temperatura, a qual deve ser controlada por resfriamento; progressivo aumento de espumas e elevação da acidez do mosto. A fermentação principal cessa quando diminui a liberação de gás e, consequentemente, a turbulência característica do mosto. Na pós-fermentação verifica-se a diminuição da temperatura do vinho, elevação da acidez e a diminuição da atividade de fermentação da levedura pela ação do acúmulo de determinadas substâncias, do esgotamento dos carboidratos e das toxinas dos contaminantes.
Processos industriais de condução da fermentação
As fermentações industriais podem ser classificadas de acordo com os tipos de alimentação das dornas e desenvolvimento da fermentação, em processos contínuos e descontínuos (batelada).
Processos descontínuos são os intermitentes, denominados batelada simples ou batelada alimentada. Na batelada simples, a fermentação só tem início após o preenchimento do fermentador, momento em que se mistura o mosto com o fermento. Isto só é possível em condições de pequenas quantidades de mosto, não sendo viável para a indústria alcooleira, tendo uso restrito para fermentações laboratoriais e farmacêuticas. Já na batelada alimentada, mistura-se o mosto ao fermento conforme a dorna vai sendo abastecida. Trata-se de um método mais produtivo e expõe as leveduras a menores riscos de se tornarem inativas que no processo de batelada simples.
Em relação aos processos contínuos, os primeiros sistemas foram os de dornas ligadas em série, com quantidade e tamanhos variados, em cascata, em que as primeiras dornas continham cerca de 70% do volume total em fermentação. Com a evolução dos processos da fermentação, ocorre uma otimização dos mesmos com redução dos volumes e do tempo de fermentação com aumentos na produção. O processo ainda é em cascata, com melhoramento nos sistemas de agitação e com diferenciado traçado geométrico das dornas.
Algumas vantagens observadas na condução dos processos contínuos são:
- maior produtividade;
- menor volume de equipamentos em geral;
- amplas possibilidades de total automação e uso da informática;
- redução do consumo de insumos, de uma maneira geral.
Recuperação do fermento
A recuperação de células de levedura para sua reciclagem no processo fermentativo é feito por decantação, característica de pequenas instalações produtoras de aguardente, ou por centrifugação (processo Melle-Boinot).
A decantação consiste na espera da precipitação natural das leveduras após a fermentação. Já o processo de Melle-Boinot é caracterizado pela recuperação do fermento por meio da centrifugação. Assim que os açúcares se esgotam do mosto em fermentação, o vinho é bombeado da dorna para a centrífuga separadora, onde ocorre a separação: de um lado o leite de levedura e, do outro, o vinho delevedurado.
Processos contaminantes da fermentação alcoólica
Se não forem tomados cuidados mínimos quanto à qualidade da matéria-prima, pureza do fermento, controle de pH e da temperatura, limpeza dos equipamentos, entre outras, pode ocorrer o desenvolvimento de microrganismos como bactérias, que produzem fermentações indesejáveis, das quais resultam substâncias estranhas à fermentação alcoólica. Estas fermentações levam à diminuição do rendimento da produção de álcool, além de produzirem substâncias indesejáveis. Entre estas fermentações destaca-se a fermentação láctica, cuja origem está na qualidade da matéria-prima.
Algumas medidas para evitar a ocorrência de infecções são:
- matéria-prima de qualidade;
- correto tratamento do caldo e preparo do mosto;
- quantidade e qualidade adequadas do fermento;
- condução controlada da fermentação;
- uso correto de anti-sépticos e antibióticos.
Parâmetros de controle da fermentação
A produtividade e a eficiência de fermentação consistem nos mais preciosos parâmetros para o julgamento de uma fermentação alcoólica visto que, indiretamente, inclui os parâmetros: temperatura, tempo de fermentação e açúcares residuais.