Socioeconomia

Conteúdo atualizado em: 23/02/2022

Autores

Nirlene Junqueira Vilela - Embrapa Hortaliças

Agnaldo Donizete Ferreira de Carvalho - Embrapa Hortaliças

 

A cultura da cenoura no Brasil representa um claro exemplo da importância da pesquisa agrícola que, por meio de seus impactos tecnológicos positivos, resultam em contribuição para o desenvolvimento de várias regiões, através de benefícios socioeconômicos para a sociedade. Até a década de 1980, o mercado de cenoura era acessível apenas à faixa da população de maior poder aquisitivo, uma vez que naqueles tempos, na época de verão, os plantios de cenoura eram praticamente inviáveis do ponto de vista técnico-econômico devido à queima-das-folhas, problema fitossanitário de difícil controle causado por um complexo fitopatológico envolvendo dois fungos e uma bactéria.
 
Os poucos cultivos existentes no Brasil eram desenvolvidos em pequenas áreas com intensiva utilização de sementes importadas de materiais que se adaptavam, razoavelmente, aos climas amenos, mais comuns no período de inverno das regiões Sudeste e Sul. Mesmo assim, a baixa rentabilidade da cultura, ocasionada pela baixa produtividade obtida com elevadas doses de produtos fitossanitários, aumentavam substancialmente os custos de produção que, por sua vez, inviabilizavam a expansão da cultura. Em 1981, como resultado de um programa de melhoramento desenvolvido desde 1976 pela Embrapa Hortaliças em parceria com a ESALQ-USP foi lançada a cultivar ‘Brasília’ desenvolvida para plantio no verão.
 
A cenoura 'Brasília' é uma cultivar de polinização aberta, selecionada a partir de uma população nacional (CNPH-cen I), coletada no município de Rio Grande, RS. A principal vantagem comparativa da cenoura 'Brasília' é boa resistência ao complexo patogênico fungibacteriológico (Alternaria dauci, Cercospora carotae e Xanthomonas campestris pv. carotae). Com perfeita adaptação em todas as regiões brasileiras, a ‘Brasília’, além de apresentar resistência ao calor e à queima-das-folhas mostrou tolerância aos nematóides-das-galhas e ao pendoamento precoce. O bom comportamento produtivo da cenoura ‘Brasília’ em todas as regiões brasileiras gerou como principal consequência econômica, a regularização da oferta de mercado durante o ano inteiro.
 
A adoção da cultivar ‘Brasília’ associada a outras novas tecnologias de produção tais como, plantios com máquinas de precisão, novas formas de manejo, novas técnicas de irrigação, nova fórmulas nutricionais aumento de rentabilidade da cultura elevou-se em proporções significativas, devido ao expressivo aumento de produtividade e redução do custo de produção, proporcionado por novas combinações de fatores.
 
Nesse sentido, uma das grandes vantagens comparativas da cultivar ’Brasília’ em relação aos demais materiais de verão é o custo da semente que é muito inferior aos híbridos. No ano de 2010, quando comparada com a cultivar Nantes (cultivar de inverno), a ‘Brasília’, além do menor custo das sementes, reduziu as aplicações de defensivos que resultaram em uma redução de custo de insumos da ordem de 15% e, no final das contas, adicionada aos demais componentes de custos, gerou a vantagem comparativa de, aproximadamente, 12% de redução dos custos totais.

Nos anos após o lançamento, a cenoura ‘Brasília’ passou a ser produzida em escala comercial pelo agronegócio. Chegando a cobrir, no ano 2000, 80% das lavouras brasileiras de cenoura. A safra de cenoura, em 2010, estimada em 757 mil toneladas, aproximadamente, está distribuída entre as regiões Norte e Nordeste (14,38%), com material plantado 100% cv. ‘Brasília’(4.031 hectares). O restante da produção de cenoura (86,09%) está concentrado nas regiões Sudeste (62,47%); Sul (20,96%) e Centro-Oeste (2,66%).
 
Nessas regiões, ainda é cultivada uma área 6.469 hectares com ‘Brasília’ que respondeu, em 2010, por aproximadamente 32% da produção total de cenoura. Nessas regiões, o aumento da renda líquida dos produtores, ampliação da oferta de trabalho no campo e substituição de sementes importadas por sementes nacionais, a substituição de importações de sementes, raízes e produtos derivados, o aumento da disponibilidade de cenoura para todas as faixas de renda da população e ganhos de excedentes econômicos pela redução de preços aos consumidores representam apenas alguns dos benefícios sócio econômicos da cv. Brasília.
 
Quanto á organização da produção de cenoura, no Brasil, são 409,4 mil produtores cultivando cenoura e a maior parte desses produtores (40,1%) está concentrada nos extratos de menos de 20 ha com exploração tipicamente familiar (70%). Entretanto, a partir dos anos 80, a cenoura passou a ser explorada por grupos empresariais, em propriedades maiores de 100 ha. Estima-se que o segmento empresarial representa atualmente menos de 15% da população de produtores de cenoura. Entretanto, com lavouras altamente tecnificadas, o segmento empresarial tornou-se responsável por, aproximadamente 50% da produção nacional.

Em âmbito de cadeia produtiva, considerando os coeficientes técnicos da produção verifica-se que tanto nos sistemas convencionais como orgânicos, a cenoura ‘Brasília’ contribuiu de forma significativa para geração de emprego e renda nas empresas de produção e comercialização de sementes, máquinas e equipamentos, corretivos de solos, fertilizantes e defensivos e embalagens. No setor de serviços e transporte a tecnologia contribuiu para geração de emprego e renda tanto a montante como a jusante do setor produtivo. Estima-se o valor da safra de cenoura em R$908.093, mil, a preço médio recebido pelo produtor. Sobre este valor estima-se que a cultivar ‘Brasília’ contribuiu com R$ 363,237 milhões na renda do agronegócio.
 
Na geração de empregos, a cenoura gera por hectare de 4 a 5 empregos diretos e o mesmo número indiretos só no setor produtivo, ou seja, 100.912 empregos, considerando a área de adoção da cv. Brasília. No comércio internacional, em 2010, as exportações de cenoura somaram 546 toneladas no valor de US$ 191,7 mil. As importações de cenoura foram contabilizadas em 183,3 toneladas no valor de US$271,1 mil de cenoura a granel. As importações, porém, referem-se à cenoura processada, não havendo ocorrência de importações de cenoura a granel.
 
Mesmo parecendo pequena a participação da cenoura na pauta de exportação de hortaliças, foi significativa a contribuição da cenoura substituição de importações e, nesse aspecto estima-se que, de forma direta ou indireta tenha sido efetiva a contribuição da cv. Brasília na substituição de importações. No âmbito da cadeia produtiva é importante ressaltar a diversidade de materiais lançados a partir da população original da cv. Brasília.

No âmbito da cadeia produtiva, é importante ressaltar a excelência em qualidade dos novos materiais lançados pela pesquisa pública e privada, a partir população original da cv. Brasília. Nesse sentido, a preocupação com ocorrência de deficiência de vitamina A na população de algumas regiões do país, levou a Embrapa Hortaliças a iniciar uma nova fase no programa de melhoramento com o objetivo de incorporar a cultivar Brasília melhor qualidade nutricional às raízes e, também, maior nível de resistência a nematoides-das-galhas. Esta fase no ano 2000 culminou com o lançamento da cenoura ‘Alvorada’, que dentre outras características, apresenta conteúdo de carotenóides totais 35% superior aos demais materiais existentes no mercado. A cenoura ‘Alvorada’ desenvolvida a partir de populações de cenoura ‘Brasília’, com ótima adaptação em todas as regiões brasileiras, preserva todas as qualidades fitotécnicas de resistência às doenças da cenoura ‘Brasília’.
 
Em 2005 foi lançada a cenoura ‘ BRS Esplanada’ desenvolvida para produção industrial de mini-cenouras. Adaptada as todas as regiões brasileiras, com alto teor de carotenóides (35%) a ‘BRS Esplanada’ vem possibilitando a produção de mini-cenouras durante o ano inteiro, com qualidade similar a baby carrot importada. A oferta regular de mini-cenoura processada de alta qualidade, além de beneficiar os produtores com incremento de renda por agregação de valor, a nova tecnologia favorece a balança comercial brasileira pela substituição de importações que antes era feita em grande volumes. A cultivar Esplanada foi avaliada em sistema orgânico de produção, alcançando a produtividade média de 28 t ha-1, portanto com excelente desempenho. Também da gênesis ‘ Brasília’ foi lançada pela Embrapa Hortaliças em 2009 a cultivar BRS Planalto.
 
As novas cultivares de cenoura Alvorada, BRS Esplanada e BRS Planalto além do alto conteúdo de pró-vitamina A, apresenta textura macia e paladar agradável, sendo consumidas in natura, ou utilizadas como matéria prima para indústrias processadoras de mini-cenouras, ou na forma de seleta de legumes e, também, para produção de farinhas destinadas ao preparo de alimentos infantis e sopas instantâneas, produtos de padaria. Os subprodutos dessas cenouras, como descartes de mercado e resíduos de processamento como as cascas, folhas, raspas e também podem ser aproveitados como complemento nutritivo em rações para aves e animais (bovinos, equinos, gatos, cães e peixes).

Os benefícios socioeconômicos gerados pelas cenouras do grupo Brasília quantificados até o momento referem-se apenas aos impactos econômicos na forma de renda adicional gerada para a sociedade como resultado de incremento de produtividade, redução de custos e expansão da produção. Além dos ganhos de renda para os produtores e regiões, da economia de divisas para o País pela substituição de importação de produtos e sementes e da adicional geração de emprego em todos os segmentos da cadeia produtiva de raízes e sementes, o aumento da disponibilidade de cenoura para a população de baixo poder aquisitivo, contribuição para a pesquisa na geração de novos materiais melhorados, melhoria na qualidade da dieta e na saúde população são benefícios sociais da tecnologia ‘Brasília’ ainda não quantificados pelos estudos socioeconômicos.