Doenças fúngicas da parte aérea

Conteúdo migrado na íntegra em: 09/10/2021

Autor

Adriane Wendland Ferreira - Embrapa Arroz e Feijão

 

Mancha-angular

O agente causal da doença é o fungo Pseudocercospora griseola. Encontra-se distribuída em quase todas as regiões onde se cultiva o feijão-comum. No Brasil, a intensidade da mancha-angular aumentou muito nas últimas duas décadas, principalmente nos seguintes estados: Paraná, Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Quanto mais precoce for o seu aparecimento na cultura, maiores poderão ser os prejuízos ocasionados. Em cultivares suscetíveis, as perdas na produção são estimadas em até 80%.

A mancha-angular é mais comum e facilmente identificada nas folhas. Nas folhas primárias, apresenta conformação mais circular com halos concêntricos e coloração marrom ou castanha (Figura 1A). Nas folhas trifolioladas, as lesões apresentam formato angular, delimitadas pelas nervuras. Esse sintoma é a principal característica que denomina a doença. As lesões nas folhas adquirem coloração cinza a marrom-escura e apresentam halo amarelo ao redor (Figura 1B). São encontradas também em vagens, caules, ramos e pecíolos. Nos caules e pecíolos, as lesões são alongadas e marrom-escuras. Nas vagens, são circulares, de aspecto marrom a castanho-avermelhado, porém não deprimidas como as lesões de antracnose (Figura 1C). A esporulação pode ocorrer tanto nas folhas, caules e pecíolos, quanto nas vagens. Em campo, os sintomas são mais evidentes nos estádios finais do ciclo das plantas de feijoeiro, período em que lesões evoluem e coalescem, levando a uma desfolha prematura.

Fotos: Adriane Wendland 

A. Folhas primárias de feijoeiro com lesões mais arredondadas

B. Folhas trifolioladas com lesões em formato angular, acompanhando o limite das nervuras C. Vagens de feijoeiro com lesões de cor marrom-avermelhada
Figura 1. Sintomas de mancha-angular nas folhas (A), nos trifólios (B) e nas vagens (C).

 

Ocorre em temperaturas mais quentes e é disseminada principalmente pelo vento, sobrevivendo também em hospedeiros alternativos e, por até 19 meses, em restos de cultura. Sob condições de alta umidade, pode ser observada, na face inferior das folhas, nas vagens, nos caules e nos pecíolos, uma eflorescência de cor cinza-escuro a negra, formada pela frutificação do fungo, o synnema.

Os principais agentes de disseminação são o vento, a chuva e as partículas de solo infestadas. Entre os fatores climáticos mais favoráveis para o desenvolvimento de epidemias, encontram-se temperaturas quentes a moderadas (25 °C), com períodos de alta umidade relativa, alternados por períodos de baixa umidade e ação de ventos.

O controle mais eficiente é o uso de cultivares resistentes, porém o desenvolvimento de novas cultivares resistentes à doença é dificultado pela alta variabilidade patogênica de P. griseola. Recomenda-se a cultivar BRS Sublime, com resistência à mancha-angular. Para o manejo da doença com fungicidas, recomenda-se principalmente o uso de produtos com ação protetora, como fungicidas à base de clorotalonil e mancozeb e fungicidas sistêmicos pertencentes às estrobilurinas (azoxystrobin, piraclostrobina) e triazóis (propiconazole, difenoconazole), com destaque para fungicidas com dois grupos químicos, em termos de maior eficiência. Na base de dados do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), há uma listagem de produtos, por ingrediente ativo (http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons).

A rotação de culturas por até 2 anos e a eliminação dos restos de cultura por meio de aração profunda são medidas eficientes, uma vez que o patógeno sobrevive nos restos culturais por longo período de tempo. A semente infectada apresenta pouca importância como fonte de inóculo primário e como agente disseminador da doença.

 

Antracnose

Causada por Colletotrichum lindemuthianum (Sacc. & Magn.) Scribner, a antracnose é uma das doenças mais destrutivas do feijão-comum, podendo ocasionar perda total da lavoura quando infecta as plantas nos primeiros estádios do seu desenvolvimento. Ocorre, principalmente, em regiões de clima frio, como as do Sul do País ou nas de maior altitude. As perdas podem alcançar 100% da produção nas áreas em que as condições climáticas são favoráveis para o desenvolvimento de uma epidemia durante o ciclo da cultura, onde o plantio é realizado com sementes contaminadas provenientes de ciclos anteriores ou advindas de outras áreas de produção. O fungo sobrevive em restos de cultura, porém as sementes contaminadas é que se constituem em importante meio de disseminação e sobrevivência. Os respingos de chuva, os insetos e o homem também são disseminadores desse patógeno. É uma doença cosmopolita, que ocorre em locais de temperatura baixa a moderada (entre 13 °C e 27 °C, com ótimo de 21 °C) e umidade relativa acima de 91%. Nos Estados Unidos, a doença deixou de ter importância direta na cultura desde que o uso de sementes sadias, obtidas das regiões semiáridas, tornou-se uma prática constante. No Brasil, não há um controle rigoroso sobre a origem, sanidade, qualidade, produção e comercialização das sementes. Esse fato favorece uma disseminação generalizada de antracnose em todas as áreas de cultivo do feijoeiro. A doença pode afetar toda a parte aérea da planta.

Na face inferior das folhas, sobre as nervuras, aparecem manchas alongadas, primeiramente de cor avermelhada a púrpura e, mais tarde, pardo-escura, estendendo-se ligeiramente pelo tecido circundante e, geralmente, pela face superior (Figura 2A).

Os pecíolos e caules podem apresentar cancros. Nesses cancros e nas lesões das nervuras, ocorre a esporulação do fungo, que constitui o inóculo secundário (Figura 2B). A fase mais característica da doença ocorre nas vagens, as quais podem ser infectadas pouco depois de iniciada a sua formação. Nas vagens, a infecção ocorre em manchas deprimidas, delimitadas por um anel mais escuro, meio saliente, circundado por uma borda marrom-acinzentada (Figura 2C).

Fotos: Adriane Wendland
A. Folhas com lesões nas nervuras B. Caule e ramos com lesões de antracnose C. Vagens de feijoeiro com lesões convexas e centro mais rosado D. Sementes de feijão com sintomas de antracnose
Figura 2. Sintomas de antracnose em folhas (A), caules (B), vagens (C) e sementes (D).

 

Durante os períodos de baixa temperatura e alta umidade, essas lesões podem apresentar massa gelatinosa de esporos de coloração rosada. Quanto aos cancros, as sementes frequentemente são afetadas (Figura 2D), apresentando lesões marrons ou avermelhadas. As plântulas provenientes de tais sementes geralmente apresentam cancros escuros nos cotilédones.

O controle da doença inclui o emprego de sementes de boa qualidade, o uso de cultivares resistentes, o tratamento químico e práticas culturais, como rotação de culturas e eliminação dos restos culturais. Deve-se, também, evitar transitar na lavoura quando a folhagem estiver úmida.

O uso de sementes de cultivares resistentes, sadias e certificadas ou submetidas a tratamento químico com fungicidas sistêmicos é a forma mais eficiente para o controle dessa doença. Deve-se evitar trânsito na lavoura nas primeiras horas do dia, em presença de orvalho. A rotação de culturas com gramíneas não hospedeiras como o milho ou outra gramínea, a eliminação de restos culturais e o cultivo em áreas não contaminadas são importantes formas de manejo. A grande variabilidade patogênica e ampla distribuição dos patótipos dificultam o desenvolvimento de uma cultivar resistente. Entre as diversas cultivares com moderada resistência disponíveis no mercado, encontram-se as seguintes: BRS Realce, BRS Esplendor, BRS Estilo, IAC Diplomata e IPR Garça. Fungicidas à base de trifloxystrobin, propiconazole, trifenil hidróxido de estanho, trifenil acetato de estanho, carbendazim, carbendazim + thiran estão entre os mais recomendados para o controle químico da antracnose. Recomendam-se aplicações preventivas de produtos à base de dois grupos químicos diferentes, a fim de a evitar o surgimento de isolados de C. lindemuthianum resistentes aos fungicidas. Na base de dados do Agrofit/Mapa, há uma listagem de produtos, por ingrediente ativo (http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons).

 

Ferrugem

A ferrugem é incitada pelo fungo Uromyces appendiculatus. Encontra-se distribuída em todo o território nacional. Os prejuízos causados pela ferrugem são maiores quando ela aparece na cultura antes ou durante a floração, podendo, em cultivares suscetíveis, reduzir o rendimento em até 70%. Tem sido constatada maior incidência no plantio da seca do que no das águas.

A ferrugem ocorre mais frequentemente nas folhas, mas pode ser encontrada também nas vagens e hastes (Figura 3C).

Os primeiros sintomas podem ser observados na parte inferior das folhas (Figura 3A), como manchas pequenas, esbranquiçadas e levemente salientes. Essas manchas aumentam de tamanho até produzirem pústulas maduras, de cor marrom-avermelhada, onde são encontrados os uredósporos. Na face superior, são visualizados halos amarelos ao redor das pústulas (Figura 3B).

Fotos: Adriane Wendland
A. Face inferior das folhas de feijoeiro com pústulas de ferrugem B. Face superior das folhas com halos amarelados ao redor das pústulas. C. Vagens de feijoeiro com sintomas de ferrugem
Figura 3. Sintomas de ferrugem na face inferior das folhas (A), na face superior (B) e nas vagens (C).

 

Nas cultivares muito suscetíveis, além de um halo clorótico que rodeia a pústula primária, pode ser formado um anel de pústulas secundárias.

Na natureza, os uredósporos são disseminados pelo vento, por implementos agrícolas, insetos e animais. Longo período de umidade relativa (1018 horas) superior a 95% e temperaturas entre 17 °C e 27 °C favorecem a infecção.

O controle da ferrugem pode ser alcançado pelo uso de cultivares resistentes, por tratamento químico e práticas culturais, tais como eliminação de restos culturais, rotação de culturas e época de plantio. A maioria das cultivares comerciais disponíveis tem resistência à ferrugem. Cultivares de origem andina (feijão-branco e especiais) são mais suscetíveis a essa doença. Os danos são mais severos quanto mais cedo ocorrer a ferrugem no ciclo da cultura.

 

Sarna

A sarna do feijão-comum é uma doença incitada pelo fungo Colletotrichum dematium f. sp. truncatum e encontra-se distribuída, principalmente, nos estados de Goiás e Minas Gerais. A doença vem sendo frequentemente detectada nos cultivos no plantio direto da região do Cerrado, causando prejuízos consideráveis em áreas isoladas.

Os primeiros sintomas da sarna podem iniciar-se ainda no estádio de plântula, pela formação de uma zona de tecido mais clara pouco acima da região do colo da planta (Figura 4A).

À medida que a doença se desenvolve, esse tecido torna-se necrosado e apresenta coloração castanha (Figura 4B).

Fotos: Adriane Wendland
Figura 4. Sintomas de sarna na base dos caules (início com lesão esbranquiçada) (A), lesão escura no colo das plantas de feijoeiro (B) e acérvulos de Colletotrichum acutatum (C).

 

As lesões crescem no sentido longitudinal do caule e aumentam de tamanho, podendo tomar todo o seu diâmetro. Posteriormente, nas áreas necrosadas pode ser observado um grande número de acérvulos, que são estruturas de reprodução assexual do patógeno (Figura 4C). Quando esses sintomas ocorrem, as plantas murcham e morrem. Nas vagens, surgem pequenas manchas negras, as quais também contêm os acérvulos do fungo.

As condições de ambiente que favorecem a doença incluem temperaturas altas (28 °C), alta umidade relativa e plantio do feijão após a cultura do milho ou sorgo.

Os principais agentes de disseminação da doença à longa distância são as sementes infectadas e, à curta distância, as chuvas acompanhadas de vento, implementos agrícolas contaminados e restos de cultura.

As medidas de controle são semelhantes às recomendadas para a antracnose, inclusive os mesmos fungicidas controlam essa doença. Recomenda-se também que não se cultive o feijoeiro no sistema de plantio direto após a cultura de milho ou sorgo, se houver histórico da doença.

 

Mancha de Alternaria

A mancha de Alternaria, também conhecida como mancha-parda, é causada pelas espécies Alternaria alternata e Alternaria tenuis. É mais frequente quando se encontram boas condições de sobrevivência, como alta umidade e temperaturas amenas. Ocorre de forma mais intensa nos no Espírito Santo, em São Paulo e na Zona da Mata de Minas Gerais. Nas demais regiões do Brasil, é considerada uma doença de importância secundária.

Os sintomas iniciais são pequenas pontuações irregulares aquosas nas folhas e vagens verdes de coloração marrom-avermelhada, com bordo marrom-escuro. À medida que as manchas aumentam, apresentam forma circular com anéis concêntricos dentro da área afetada e, no centro, o tecido morto pode cair, dando aspecto de estar perfurado. Nas vagens, os locais afetados (Figuras 5A e 5B) podem unir-se e formar riscos e listras. As sementes infectadas apresentam coloração cinza e riscas marrons. Num estado avançado da doença, e sob condições de alta umidade, as plantas adquirem coloração marrom a negra.

O controle químico não é recomendado, pois a doença não tem histórico de perdas econômicas. O aumento do espaço de semeadura na linha e nas entrelinhas para facilitar a circulação do vento e remover o excesso de umidade, aliado ao uso de cultivares que são em sua maioria resistentes já resolvem como prevenção à doença.

Fotos: Adriane Wendland
Figura 5. Sintomas de mancha de Alternaria nas folhas de feijoeiro.

 

Oídio

O oídio causado por Eryshipe polygoni apresenta distribuição mundial, porém é considerada uma doença de importância secundária, ocorrendo com maior frequência durante e após o estádio de florescimento da cultura. Os primeiros sintomas são observados na parte superior das folhas, como manchas verde-escuras, que se desenvolvem, transformando-se em pequenas massas branco-acinzentadas, pulverulentas, podendo tomar toda a superfície foliar (Figura 6A). Toda a cultura fica com aspecto esbranquiçado (Figura 6B). Nas vagens, observa-se um sintoma de teia escurecido (Figura 6C). Em infecções severas, as folhas podem ficar amareladas e retorcidas, com desfolhamento prematuro. Baixas temperaturas e falta de umidade no solo favorecem o desenvolvimento da doença.

Para o controle de oídio, deve-se evitar o cultivo de cultivares de origem andina nas épocas mais frias e secas do ano e adotar as cultivares resistentes ao oídio.

Fotos: Adriane Wendland
Figura 6. Sintomas de oídio nas folhas (A), plantas (B) e vagens (C) de feijoeiro.