Qualidade

Conteúdo migrado na íntegra em: 08/12/2021

Autor

Luiza Teixeira de Lima Brito - Consultora autônoma

 

 

Atualmente, 70% do volume de água doce, que representa 3% do total de água disponível no planeta, são ultilizados na agricultura irrigada. Estudos realizados pela FAO estimam que, até o ano 2030, a área irrigada deverá expandir-se entre 30 a 40% para atender a crescente demanda da população por alimentos e matéria-prima. Estas estimativas têm conseqüências diretas no aumento da demanda de água. Portanto, ganha importância a aplicação do conceito de sustentabilidade da agricultura irrigada, que tem, entre seus princípios, a obtenção de maiores produtividades por quantidade de água aplicada, com menor impacto ao ambiente, principalmente em regiões onde há escassez de chuvas.

A eficiência da irrigação depende tanto da quantidade como da qualidade da água disponível. Quanto à quantidade, estudos realizados pela Embrapa Semi-Árido têm demonstrado que, em média, são necessários 400 litros de água para produzir 1,0 quilo de fruto de manga. Este é o volume de água necessário apenas ao uso consuntivo da planta. Considerando uma produtividade média de frutos de manga na região do Submédio São Francisco de 25 t/ha, isso representa um volume de água de 10.000 m3/ha.

No contexto da qualidade, como a água não é pura na natureza, contém substâncias dissolvidas, devido à sua inerente propriedade de solvente universal. Além disto, estudos têm sinalizado que a disponibilidade de água no planeta vem diminuindo gradativamente dado ao aumento da demanda ocorrido pelo crescimento populacional, pela expansão das fronteiras agrícolas e, principalmente, pela degradação dos recursos naturais, com ênfase nos recursos hídricos.

A qualidade da água está relacionada aos usos preponderantes. Um tipo de água pode apresentar-se favorável a um determinado uso (por exemplo, a água do mar para navegação) e a outros, não. Para ser utilizada na irrigação, aspectos relacionados com os parâmetros físicos, químicos e microbiológicos são essenciais, sendo a salinidade um dos mais representativos. Estes aspectos devem ser analisados de forma integrada com todos os componentes do sistema, considerando aspectos do clima, solo, tolerância da cultura, manejo da água, etc.

1. Clima - em regiões de clima árido ou semi-árido, ocorre déficit de água para o desenvolvimento das culturas, devido às baixas precipitações pluviométricas comparadas às elevadas taxas evapotranspirométricas. Nestas condições, as plantas requerem maior quantidade de água de irrigação, que, por sua vez, conduz a maiores riscos de salinidade do solo, seja devido ao maior quantidade de água aplicada e, ou a ocorrência de maior concentração de sais pela evaporação da água no perfil do solo.

2. Solo - a presença de sais na água de irrigação pode causar problemas relacionados com a redução da velocidade de infiltração e do potencial osmótico, influenciado no potencial total de água no solo e, aumento nos riscos de acumulação de sais no solo. Estes problemas são avaliados por meio da condutividade elétrica da água de irrigação e do extrato de saturação do solo (CEA, CEEXT), da Relação de Adsorção de Sódio (RAS) e da Porcentagem de Sódio Trocável (PST).

A salinidade do solo tem se constituído em um dos fatores limitantes da agricultura irrigada. Os efeitos da salinidade não são iguais para todas as culturas, depende de sua tolerância, e são manifestados quase sempre na perda do estande, redução da taxa de crescimento, redução ou perda total da produtividade. Além disso, certos sais, com os íons cloreto, sódio, boro e nitrato, podem se tornar tóxicos às plantas ou causar desequilíbrios nutricionais, se presentes em altas concentrações.

Mesmo sendo uma água considerada de excelente qualidade, a prática da irrigação pode ser um importante fator de salinização do solo, se não for manejada corretamente, principalmente se o sistema não contemplar drenagem, sendo um dos principais impactos negativos da agricultura irrigada. Estudos têm demonstrado que uma lâmina aplicada de 100 mm, cuja água contém 500 mg.L-1 de sais (CEA » 0,7 dS.m-1), considerada de baixa salinidade e sem restrições de uso na irrigação, adiciona, em média, 500 kg.ha-1 de sais ao solo, acumulando-se no perfil do solo a cada lâmina aplicada.

3. Tolerância da cultura - a avaliação da água de irrigação deve ser baseada na tolerância da cultura em relação ao conteúdo total de sais ou concentração de um íon específico (sódio, cloreto, boro etc.). A tolerância à salinidade é variável entre as espécies e cultivares e ainda, para uma mesma cultivar, o nível de tolerância pode variar com os estádios de desenvolvimento.

A cultura da mangueira (Mangifera indica) é altamente sensível à salinidade. Trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal de Campina Grande - PB avaliaram diferentes níveis de salinidade da água de irrigação, variando de 0,7 a 5,7 dS.m-1, nos porta-enxertos espada e manguito. Os resultados demonstraram efeitos significativos negativos da salinidade da água na germinação e na velocidade de emergência. Esses efeitos foram mais evidentes nos níveis de salinidade da água de 4,7 e 5,7 dS.m-1. Também, o porta-enxerto espada apresentou maior tolerância à salinidade da água nas fases de germinação e crescimento inicial.

4. Manejo da água de irrigação - o manejo da água tem grande influência na acumulação de saís no perfil do solo, sendo de fundamental importância a escolha adequada do método de irrigação e a definição da freqüência de aplicação de água, que interferem na adequação da qualidade da água e na tolerância das plantas à salinidade.

5. Outros fatores - outros indicadores de qualidade de água que devem ser considerados na avaliação da água de irrigação, são:

  1. Sódio - responsável pela sodicidade do solo.
  2. Íons cloreto e boro - em níveis elevados podem ser tóxicos às plantas.
  3. Materiais orgânicos ou minerais, pelos efeitos adversos no sistema de irrigação e nos emissores de água.
  4. PH - em águas alcalinas (pH > 8,0), alguns fungicidas e inseticidas se degradam mais rápido, reduzindo sua eficiência de uso, nestes casos, há necessidade de correção de pH na água de irrigação.
  5. Agroquímicos, pelos efeitos deletérios no equilíbrio ecológico ambiental. A agricultura irrigada além de maior consumidora de água, também é considerada uma das principais atividades poluidoras do ambiente.

Além desses fatores, por ser a água um veículo de disseminação de doenças, quando contaminada por agentes microbianos ou poluída por agentes químicos, pode causar danos aos frutos e à saúde do homem e ambiental. Neste contexto, a Resolução No. 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional de Meio Ambiente dispõe sobre a classificação das águas doces em função dos usos preponderantes atuais e futuros. Para uso na irrigação de espécies frutíferas, como a mangueira, é indicada a água de Classe 2, cujos parâmetros devem estar de acordo com os limites máximos permissíveis constantes nesta Resolução.

Diante desta discussão, pode-se concluir que o sucesso da irrigação está associado a diferentes fatores e devem ser analisados de forma integrada.