Mercado

Conteúdo migrado na íntegra em: 08/12/2021

Autor

Jason de Oliveira Duarte - Embrapa Milho e Sorgo

 

1 - Mercado do milho

O milho se caracteriza por se destinar tanto ao consumo humano como por ser empregado na alimentação de animais. Em ambos os casos, algum tipo de transformação industrial ou na própria fazenda pode ser necessário. Um resumo de possíveis utilizações do milho pode ser encontrado na Tabela 1. Nas seções seguintes, as principais transformações necessárias para o consumo animal e humano serão exploradas. 

1.1 - Consumo humano

Mesmo para o consumo humano, o milho necessita de alguma transformação. À exceção do consumo quando os grãos estão em estado leitoso, ou "verde", os grãos secos não podem ser consumidos diretamente pelos seres humanos.

O milho pode ser industrializado através dos processos de moagem úmida e seca. Esse último é o mais utilizado no Brasil. Desse processo, resultam subprodutos como a farinha de milho, o fubá, a quirera, farelos, óleo e farinha integral desengordurada, envolvendo escalas menores de produção e menor investimento industrial. O processamento industrial do milho rende, em média, 5% do seu peso na forma de óleo.

Através do processo de moagem úmida, o principal subproduto obtido é o amido, cujo nome do produto foi praticamente substituído pela designação comercial de maizena.

 

Tabela 1 - Os múltiplos uso do milho (planta, espiga e grão) no Brasil.

Destinação

Forma / Produto Final

Uso animal direto

Silagem; rolão; grãos (inteiro/desintegrado) para aves, suínos e bovinos.

Uso humano direto de preparo caseiro

Espiga assada ou cozida; pamonha; curau; pipoca; pães; bolos; broas; cuscuz; polenta; angus; sopas; farofa.

Indústria de rações

Rações para aves (corte e postura); outras aves; suínos; bovinos (corte e leite); outros mamíferos.

Indústria de alimentos - Produtos finais 

Amidos; fubás; farinhas comuns; farinhas pré-cozidas; flocadas; canjicas; óleo; creme; pipocas; glicose; dextrose.

Intermediários 

Canjicas; sêmola; semolina; moído; granulado; farelo de germe.

Xarope de glucose

Balas duras; balas mastigáveis; goma de mascar; doces em pasta; salsichas; salames; mortadelas; hambúrgueres; outras carnes processadas; frutas cristalizadas; compotas; biscoitos; xaropes; sorvetes; para polimento de arroz.

Xarope de glucose com alto teor de maltose

Cervejas

Corantes caramelo

Refrigerantes; cervejas; bebidas alcoólicas; molhos.

Maltodextrinas

Aromas e essências; sopas desidratadas; pós para sorvetes; complexos vitamínicos; produtos achocolatados.

Amidos alimentícios

Biscoitos; melhoradores de farinhas; pães; pós para pudins; fermento em pó; macarrão; produtos farmacêuticos; balas de goma.

Amidos industriais

Para papel; papelão ondulado; adesivos; fitas gomadas; briquetes de carvão; engomagens de tecidos; beneficiamento de minérios.

Dextrinas

Adesivos; tubos e tubetes; barricas de fibra; lixas; abrasivos; sacos de papel; multifolhados; estampagem de tecidos; cartonagem; beneficiamento de minérios.

Pré-gelatinizados

Fundição de peças de metal.

Adesivos

Rotulagem de garrafas e de latas; sacos; tubos e tubetes; fechamento de caixas de papelão; colagem de papel; madeira e tecidos.

Ingredientes protéicos

Rações para bovinos; suínos; aves e cães.

Fonte: Jornal Agroceres (1994)            

A moagem seca é o processo mais utilizado, devido à pequena necessidade de maquinaria e também à simplicidade dessas. As indústrias que utilizam esse tipo de processamento de milho são geralmente de pequeno porte e quase que totalmente dedicadas ao consumo local. A tendência recente está na concentração desses produtos em indústrias de maior porte. Como a maioria das indústrias é de pequena dimensão e voltada para o abastecimento local, a proximidade com o mercado é mais importante do que a localização das fontes de produção de milho.           

Além dos produtos derivados da moagem seca, uma série de novos produtos industriais foram acrescentados dentre os destinados ao consumo humano. Os de maior importância são o amido, derivado da moagem úmida, e o óleo de milho. Devido à complexidade de seu processamento e à necessidade de capital envolvido, esses produtos são oriundos de empresas de grande porte.           

Mais recentemente, tem aumentado a produção do milho especificamente destinado ao enlatamento. Essa indústria tem evoluído em termos de qualidade, pois mais recentemente, com a disponibilidade de novos materiais adaptados ao país, passou a processar milho do tipo doce. Existe um movimento no sentido da transferência dessa indústria, anteriormente localizada principalmente no extremo Sul do Brasil, para as regiões de Minas Gerais e de Goiás, onde, com as novas cultivares, é possível a produção durante todo o ano, aproveitando a infra-estrutura de irrigação existente. 

 

1.2 - Consumo animal

Nesse ponto, a cadeia produtiva do milho passa a se inserir na cadeia produtiva do leite, de ovos e da carne bovina, suína e de aves, sendo esse o canal por onde os estímulos do mercado são transmitidos aos agricultores. Mudanças nessas cadeias passam a ser de vital importância como incentivadoras do processo produtivo do milho.

Três grandes derivações ocorrem nesse item:

a) a produção de silagem para alimentação de vacas em produção de leite e, mais recentemente, de gado confinado para engorda no período de inverno;

b) a industrialização do grão de milho em ração;

c) o emprego do grão em mistura com concentrados protéicos para a alimentação de suínos e de aves.

A atividade de produção de milho para silagem tem sofrido forte influência, tanto da necessidade de modernização do setor de pecuária leiteira de Minas Gerais, como do incremento das atividades de confinamento bovino que ocorreram nos últimos anos.

No caso do item b, a industrialização do grão de milho em ração, o processo de transformação é tipicamente industrial, que resulta no fornecimento de rações prontas, principalmente utilizadas na criação de animais de estimação, como cães, gatos etc.

Na criação de suínos, item c, devido à quantidade relativamente grande de milho necessária, esse normalmente é adquirido em grão ou é parcialmente produzido pelos criadores para mistura com concentrados, na propriedade rural. 

 

1.3 - Processamento na fazenda

Uma parcela importante do milho produzido no Estado destina-se ao consumo ou a transformações em produtos destinados ao consumo na própria fazenda. O milho destinado ao consumo humano - principalmente na forma de fubá, farinha ou canjica - tem menor quantitativo frente ao destinado à alimentação de pequenos animais, geralmente aves e suínos.           

Embora esse estágio da cadeia do milho possa gerar eventualmente algum excedente para comercialização fora da propriedade agrícola, sua importância no que diz respeito ao abastecimento urbano é, hoje, muito reduzida. O aumento na eficiência dos sistemas alternativos de produção de aves e suínos, as próprias características dos produtos demandados pelos consumidores urbanos e as quantidades necessárias para atingir escalas mínimas que compensem o transporte para as regiões consumidoras reduziu muito sua capacidade de competição. Sua importância, hoje, é muito maior na subsistência dessas populações rurais do que como fator de geração de renda capaz de promover melhorias substanciais em seu padrão de vida. O desafio que se defronta nesse elo da cadeia seria a transformação da capacidade desses agricultores de se integrarem em cadeias de processamento de milho mais modernas e competitivas. Do contrário, sua situação de marginalidade frente ao processo de desenvolvimento do país não será modificada.

2. Balanço de oferta e demanda de milho

Nas tabelas 2 e 3 são retratadas as evoluções de produções e consumos de milho no Brasil e no mundo. Observa-se que no Brasil há uma tendência de crescimento da produção e do consumo de milho nos últimos cinco anos. Além disso, o país passou a fazer parte do mercado internacional de milho a partir de 2001, somente restringindo as exportações quando a demada interna exige maior atenção do produtores de milho. Esta maior demanda reflete em melhoria dos níveis de preços e estabilização das flutuações nestes. Apesar do aumento da demanda e exportação, os estoques internos têm mantido uma tendência de crescimento, porém sempre representando cerca de um mês e meio da necessidade de consumo de milho do país.

Na análise da oferta e demanda de milho em nível internacional, pode-se observar que, apesar de estarem crescendo as quantidades consumidadas e produzidas deste cereal, há um descompasso entre o crescimento do consumo e o crescimento do suprimento. Isto implica em dizer que cada vez mais se está consumindo o estoque de passagem de milho no mundo. Pode-se observar na tabela 3 que os volumes reportados para estoque final têm uma tendência de decréscimo no período analisado. Isto implica em dizer que o consumo de milho tem sido sistematicamente superior à produção de milho no mundo.

 

 

Tabela 2 - Balanço de oferta e demanda de milho do Brasil (em toneladas)

SAFRA

ESTOQUE INICIAL

PRODUÇÃO

IMPORTAÇÃO

SUPRIMENTO

CONSUMO

EXPORTAÇÃO

ESTOQUE FINAL

2000/01

3.590,8

42.289,3

624,0

46.504,1

36.135,5

5.629,0

4.739,6

2001/02

4.739,6

35.280,7

345,0

40.365,3

36.410,0

2.747,0

1.208,3

2002/03

1.208,3

47.410,9

800,6

49.419,8

37.300,0

3.566,2

8.553,6

2003/04

8.553,6

42.128,5

330,5

51.012,6

38.180,0

5.030,9

7.801,7

2004/05

7.801,7

35.006,7

597,0

43.405,4

39.200,0

1.070,0

3.135,4

2005/06

3.135,4

42.514,9

956,0

46.606,3

37.100,0

3.938,0

5.568,3

2006/07

5.568,3

51.369,9

1.095,5

58.033,7

40.500,0

10.933,5

6.600,2

2007/08

6.600,2

58.609,8

500,0

65.710,0

44.500,0

7500,0

13.710,0

Fonte:CONAB

 

 

Tabela 3 - Oferta e demanda mundial de milho  (em milhões de toneladas)

SAFRA

ESTOQUE INICIAL

PRODUÇÃO

IMPORTAÇÃO

SUPRIMENTO

CONSUMO

EXPORTAÇÃO

ESTOQUE FINAL

2002/03

150,3

603,4

76,9

830,6

628,1

76,9

125,6

2003/04

125,6

627,4

79,1

832,1

649,0

79,1

104,9

2004/05

104,9

715,8

76,0

896,6

689,0

76,0

132,1

2005/06

132,1

699,2

82,6

913,8

706,4

82,6

124,8

2006/07

124,8

712,4

91,2

928,4

728,5

91,2

108,7

2007/08(*)

108,7

791,0

96,9

996,6

776,8

96,9

122,9

Fonte:CONAB

 

3. Evolução dos preços de milho

Em decorrência de uma série de fatores, dos quais o principal foi a drástica elevação da quantidade demandada de milho para produção de etanol nos Estados Unidos, que por sua vez foi agravada por uma quebra de produção de milho na Europa, os preços deste cereal no Brasil atingiram níveis elevados, principalmente no segundo semestre de 2007, acompanhando seu comportamento do mercado internacional. O mais impressionante é que estes preços ocorreram em um ano em que o país colheu a maior safra de milho de sua história, o que indica a inserção do país no mercado internacional deste cereal. Esta inserção fez com que acontecimentos que afetaram o mercado externo possibilitassem o escoamento do excesso de produção de milho via exportações.

Como resultado destes preços mais elevados e da consequente exportação esperada de algo superior a 10 milhões de toneladas, pôde-se identificar uma série de demandas dos setores consumidores internos de milho para obter a permissão de importação de milho de outros países, como forma de conter os avanços de preços no mercado interno. A lógica desta solicitação foi o crescimento do prêmio recebido pelo milho brasileiro em decorrência de não ser transgênico, que criou um diferencial entre o preço recebido pelos exportadores brasileiros e os valores verificados em países tradicionalmente exportadores (Estados Unidos e Argentina), que por não segregarem os grãos não transgênicos não se apropriaram desta característica desejada pelos importadores europeus.

Mas estariam os preços de milho em patamares realmente elevados? A série de preços mensais de milho, coletados pela Fundação Getúlio Vargas, desde 1969, deflacionados pelo IPAOG-DI calculado por esta mesma instituição, mostram que esta afirmativa não é necessariamente verdadeira. No período compreendido entre o início da série e o ano de 1986, preços de milho, deflacionados pelo IPAOG-DI, superiores a R$ 40 a saca de 60 kg eram a regra. Em várias ocasiões valores equivalentes a R$ 70 ou superiores ocorreram. Do ano de 1987 até 1993, os preços deflacionados da saca de milho estiveram com maior frequência no intervalo de R$ 30 a R$ 40. A partir de 1994, os preços deflacionados estiveram principalmente no intervalo entre R$ 20 e R$ 30. Entretanto, mesmo neste período de graça para os consumidores, picos de preços deflacionados, ao redor de R$ 30 por saco de 60 kg de milho, ocorreram em algumas ocasiões. Exemplos desta situação foram os preços verificados em dezembro de 1994; em praticamente todo o ano de 1996; nos meses de dezembro de 1999 e janeiro/fevereiro de 2000; e no período compreendido entre outubro/dezembro de 2002 e janeiro/fevereiro de 2003.

Desta forma, preços ao redor de R$ 30 não podem ser considerados excessivos, principalmente ocorrendo no fim do ano. Este período compreende os meses de maior consumo e também um período de incerteza sobre a produção da safra de verão, que é a responsável pela maior parte do abastecimento interno do país. 

 

Muitos destes picos de preços têm uma explicação lógica, com base na produção interna. O pico de 1994 foi provavelmente causado por uma redução na produtividade obtida na safrinha deste ano, em São Paulo e no Paraná, o que já mostrava a importância deste plantio para a estabilização dos preços internos no segundo semestre. A partir de janeiro de 2005, os preços começaram a cair, frente a perspectiva de colheita de uma boa safra neste ano. A quebra de quase 5 milhões de toneladas da safra de milho de 1995/96 deu suporte para os preços elevados do ano de 1996.

Outra redução da produtividade obtida na safrinha, desta vez a de 1999 e em todos os estados produtores, foi responsável pela elevação dos preços em fins deste ano. Outra quebra de safra, desta vez em ambas, de verão e safrinha de 2001/2002, provocou o pico de preços do final de 2002 e início de 2003 que foi o pior de todos, com a saca de milho atingindo preço equivalente a R$ 33 e pior, com claros sinais de desabastecimento interno (que foi agravado pela polêmica sobre importação ou não de milho transgênico da Argentina ou dos EUA). Como em todo caso de pico, a situação tende a se normalizar à medida em que sinais de uma safra adequada aparecem no horizonte. Em alguns dos casos anteriores, os preços caem a níveis abaixo do equivalente a R$ 20, constituindo-se em um forte desestímulo para os produtores.

Em relação ao ano de 2008, houve a primeira sinalização indicando que haverá reduções de preço. Isto é um sinal de que as necessidades de fim de ano já haviam sido atendidas e que havia estoque suficiente para esperar pela próxima safra de verão. Esta safra, em que pese atrasos no plantio no Sudeste e Centro-Oeste, terá sua definição no mês de janeiro, com a constatação dos efeitos do La Niña sobre a produtividade das lavouras de milho, principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

No mercado externo a nova lei de energia dos EUA, embora estabeleça um limite para a produção de álcool a partir de milho, o fez em um nível elevado, o que indica a continuação de pressões de demanda sobre este cereal. Se em 2007 os produtores americanos foram capazes de atender a esta demanda adicional e ainda aumentar as exportações, novas incertezas existem com relação à safra de 2008 e perdurarão nas próximas safras, até que a confiança seja restabelecida e os preços reiniciem a sua tendência histórica de decréscimo.  

De qualquer forma, as perspectivas para os próximos anos serão de um novo patamar de preços nos mercados internacionais, que se transmitirão para o mercado brasileiro e manterão os preços ainda distantes dos verificados anteriormente.