Embriogênese

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autores

Juliana Degenhardt Goldbach - Embrapa Florestas

Douglas André Steinmacher - Consultor autônomo

 

A pupunheira apresenta problemas na produção de sementes, principalmente nas condições do sul do Brasil, onde a polinização é muitas vezes deficiente, o que colabora para a formação de cachos com poucos frutos com sementes viáveis. Adicionalmente, a produção de frutos sem sementes (tecnicamente conhecida como partenocárpica) vem sendo observada ao longo dos anos, o que faz com que a produção de sementes seja baixa, não conseguindo suprir a demanda para a produção de mudas. Os viveiristas são, por isso, obrigados a importar sementes do Peru, as quais, além da baixa qualidade e porcentagem de germinação, demoram muito a chegar, devido à forma rudimentar como são coletadas e ao transporte local precário.

Uma das principais características da pupunheira é sua capacidade de formar perfilhos, os quais poderiam ser utilizados como propágulos para propagação vegetativa via estaquia. No entanto, protocolos para estabelecimento de mudas a partir do enraizamento de perfilhos de pupunheira ainda não estão disponíveis. Além disso, a capacidade de formar raízes adventícias nas estacas diminui com a idade fisiológica das plantas. Em relatos na literatura, o enraizamento de perfilhos chegou a 38% quando esses foram coletados com alguma quantidade de raízes.

A micropropagação apresenta várias vantagens na clonagem vegetal, como a rápida multiplicação de material em pequena área e em curto espaço de tempo. Dentre as técnicas utilizadas na micropropagação para espécies florestais, a embriogênese somática é interessante por possibilitar a propagação massal clonal de genótipos elite, além de ser importante como forma de propagação para espécies com dificuldades na produção de sementes. Sua aplicação associada à criopreservação pode ser integrada a programas de melhoramento genético, por meio do estabelecimento de bancos de germoplasma in vitro e propagação massal clonal de genótipos de interesse.

Os primeiros relatos de cultivo in vitro para pupunha surgiram na década de 80 e desde então alguns trabalhos foram desenvolvidos. Resultados obtidos com a aplicação da embriogênese somática sugerem que essa técnica pode ser utilizada em escala comercial. Embriões somáticos foram obtidos a partir de diferentes tecidos, como ápices caulinares de plântulas obtidas in vitro, gemas florais, inflorescências, embriões zigóticos  e ápices caulinares. Um sistema eficiente de multiplicação foi desenvolvido recentemente, onde o estabelecimento de um sistema cíclico para multiplicação massal foi estabelecido utilizando sistemas de imersão temporária. Esse sistema está atualmente em teste no Instituto Biosomática para a multiplicação massal de genótipos selecionados de pupunha.

 

Embriogênese somática

A embriogênese somática apresenta vantagens sobre as demais técnicas de micropropagação, como a capacidade de produzir grande número de embriões num espaço limitado e o desenvolvimento direto de plantas a partir de embriões individualizados. É um processo no qual células isoladas, ou um pequeno grupo de células somáticas, dão origem a embriões, num processo morfogenético que se aproxima da sequência dos eventos que ocorrem durante a embriogênese zigótica (resultante de cruzamento sexuado).

A regeneração de plântulas utilizando a embriogênese somática ocorre por meio de uma série de etapas de desenvolvimento, a maioria deles com a utilização de fitorreguladores. A indução e o controle da embriogênese somática são dependentes do genótipo da planta matriz, da fonte de explante e do tipo e concentração dos fitorreguladores adicionados ao meio de cultura.

 

Processo de regeneração de plantas a partir da embriogênese somática

O processo da embriogênese somática envolve, basicamente, quatro etapas:

  • Iniciação e proliferação da cultura embriogênica: o sistema de micropropagação por embriogênese somática de genótipos selecionados de pupunha foi definido e está em etapa de escalonamento comercial. Para tanto, tecido vegetal selecionado de uma planta matriz é colocado em placa de Petri contendo um meio de cultura específico para a indução da embriogênese somática. Após algumas semanas nesse meio, algumas células do tecido matriz adquirem a capacidade de formação de embriões somáticos. Essa é a fase de iniciação e, enquanto for mantido nesse meio de cultura, o tecido embriogênico manterá sua capacidade de proliferação indefinidamente, mantidos em cultivos cíclicos. Essa fase, combinada com sistemas de imersão temporária, aumenta significativamente a capacidade de multiplicação in vitro. Durante esta fase, o material também pode ser congelado e preservado a 196 °C negativos indefinidamente.

  • Maturação dos embriões somáticos: assim que uma quantidade suficiente de tecido embriogênico for obtida, a fase seguinte tem por objetivo permitir que o mesmo forme embriões somáticos maduros. Uma porção do tecido embriogênico é transferida para um meio de cultura de maturação contendo reguladores de crescimento vegetal que promovem a maturação dos embriões somáticos. Em algumas semanas, embriões somáticos maduros começam a surgir, com estrutura semelhante aos embriões zigóticos encontrados normalmente nas sementes.

  • Germinação dos embriões somáticos: embriões somáticos individuais são coletados do meio de cultura anterior e colocados em meio de germinação in vitro, contendo uma mistura de nutrientes necessários para o seu desenvolvimento inicial. Os embriões somáticos germinam, formando raízes e parte aérea, de maneira similar ao que ocorre com os embriões zigóticos.

  • Cultivo na casa de vegetação e plantação no campo: quando as plântulas provenientes da embriogênese somática apresentam tamanho suficiente, estas são levadas a casa de vegetação para aclimatação, sendo posteriormente transplantadas para o local definitivo.

 

Para a cultura da pupunheira, vários tecidos foram utilizados para a indução da embriogênese somática.

Embriões zigóticos - foi avaliado o potencial de embriões zigóticos produzirem embriões somáticos. A indução de embriões somáticos foi possível em 9,8% dos explantes. Embriões somáticos cultivados em meio específico tornaram-se verdes e foram convertidos em plântulas.

Bainha foliar - A partir da metodologia de TCL (thin cell layer), que consiste na utilização de explantes com tamanho reduzido, embriões somáticos de pupunha foram obtidos a partir de bainhas foliares de plântulas germinadas in vitro, com a formação de 43% de calos embriogênicos. Após a maturação, os embriões somáticos apresentaram 45% de conversão, resultando em plântulas aptas para a aclimatação. A eficiência deste método foi depois corroborada por pesquisadores que induziram a formação de embriões somáticos e obtiveram sucesso na germinação de plântulas normais no cultivo in vitro.

Inflorescências - No estudo de indução de embriogêne se somática a partir de inflorescências jovens, foi observada a formação de calos embriogênicos em 10% dos explantes.

Primórdios foliares: a embriogênese somática a partir de primórdios foliares de B. gasipaes foi possível, porém, apesar de terem regenerado embriões normais, esses apresentaram baixas taxas de enraizamento e sobrevivência de apenas 12% das plântulas no processo de aclimatação.

 

Aplicações da embriogênese somática

A aplicação mais importante da embriogênese somática na área florestal é como técnica para a implementação de programas de melhoramento genético, bem como para multiplicação de genótipos melhorados para uso em plantios comerciais. As plantas selecionadas em tais programas podem ser propagadas utilizando este processo, para serem utilizadas em plantios florestais de alto valor comercial.

As aplicações da embriogênese somática incluem ainda a provisão de linhagens celulares para a engenharia genética, além do armazenamento de genes de interesse por longos períodos.

A principal vantagem da clonagem por embriogênese somática está relacionada à capacidade proliferativa do tecidos, o que ao final irá reduzir drasticamente o custo de uma muda clonada regenerada in vitro. Adicionalmente, esta técnica permite que o tecido embriogênico seja preservado em nitrogênio líquido (criopreservação), à temperatura de -196 °C, indefinidamente, sem alterações genéticas do material. No melhoramento de espécies arbóreas, a metade do tecido embriogênico de cada linhagem de clone pode ser propagada para produzir plantas para testes de campo, enquanto a outra metade pode ser criopreservada. Após os testes de campo terem indicado os clones de melhor performance, as linhagens correspondentes podem ser recuperadas da criopreservação e propagadas por embriogênese somática, para serem utilizadas em plantações de alto valor comercial.

Impactos ambientais da embriogênese somática

Os plantios monoclonais podem causar impacto na diversidade genética das populações. Os procedimentos a serem adotados para diminuir o impacto destes plantios devem ser os mesmos daqueles adotados para o plantio de clones a partir de estaquia ou enxertia.

 

Glossário:

Cultura de tecidos: refere-se às técnicas de cultivo de células, tecidos ou órgãos de plantas em meio nutritivo, em condições assépticas, sob condições controladas de luminosidade e temperatura.

 

Criopreservação: um processo de congelamento a temperaturas criogênicas (normalmente em nitrogênio líquido, a temperaturas inferiores a -150ºC).

 

Fitorreguladores: são substâncias utilizadas para interferir no metabolismo (anabolismo e catabolismo) dos vegetais. Os mais conhecidos são os hormônios, quais sejam as diversas formas (naturais e sintéticas) de Etileno, Giberilinas, Ácido Abscísico e Citocianina.

 

Sistema de imersão temporária: método de cultivo in vitro de plantas que utiliza um sistema de troca do meio de cultura líquido em intervalos pré-definidos de forma semi-automatizado.