Processo de elaboração

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autores

Celito Crivellaro Guerra - Embrapa Uva e Vinho

Gildo Almeida da Silva - Embrapa Uva e Vinho

 

A vinificação é o conjunto de procedimentos e processos empregados para a transformação da uva madura em vinho. A vinificação em tinto inicia com a maceração das partes sólidas; a vinificação em branco normalmente ocorre sem a fase de maceração, ou com maceração curta. A maceração curta é também utilizada para a elaboração de vinhos rosados. A seguir, são enumeradas e comentadas as principais fases da vinificação.

Colheita, recepção e análise da uva

A colheita da uva deve ser realizada manualmente, com tempo seco e, preferencialmente, nas primeiras horas da manhã. Na recepção da uva na vinícola, a uva é pesada e o grau glucométrico é determinado, para fins de cálculo do potencial alcoólico e de eventuais correções.

Desengace e esmagamento

Realizado por esmagadora/desengaçadora, a qual separa o engaço e esmaga as uvas, sem triturar as cascas e sementes. Na vinificação em tinto, o esmagamento das uvas tem como finalidade liberar o suco contido na polpa e facilitar a dissolução da matéria corante durante a maceração. Para uvas brancas, uma variação bastante utilizada da técnica é o desengace sem esmagamento. A uva é em seguida prensada inteira, o que pode aportar maior qualidade aromática ao vinho.

Sulfitagem do mosto

O uso de dióxido de enxofre em enologia é uma prática bastante antiga. As principais propriedades do SO2 são: ação seletiva sobre as leveduras, ação anti-oxidante, anti-oxidásica e conservante.

Adição de enzimas pectinolíticas

A utilização de enzimas pectinolíticas aumenta o rendimento da uva em mosto, facilita a filtração e a clarificação de mostos e vinhos e contribui para a obtenção de vinhos mais límpidos. Os preparados enzimáticos podem ser adicionados sobre a uva esmagada ou sobre o mosto na saída da prensa, no caso de vinificação em branco.

Debourbagem ou desborra

Esta operação é realizada na vinificação em branco. Consiste na separação dos constituintes sólidos do mosto (borras). Na quase totalidade dos casos, a desborra é feita por decantação das borras, acelerada pelo resfriamento do mosto. É também utilizada durante a fase pós-fermentativa (estabilização) na elaboração de vinhos brancos e tintos, em procedimentos denominados trasfegas.

Adição de leveduras

As leveduras são os microrganismos que transformam o açúcar contido no mosto da uva em álcool etílico e compostos secundários. São, portanto, os agentes biológicos da vinificação. O melhor método de adição da levedura ao mosto é através de "pé de cuba", que consiste em diluir um preparado comercial de leveduras secas ativas em uma quantidade de mosto que represente 2 a 5% do volume total a fermentar. A levedura Saccharomyces cerevisiae é a única a prestar-se à vinificação, uma vez que tem a capacidade de transformar totalmente os açúcares da uva em álcool etílico e outros compostos secundários. Existem diversas cepas da levedura que, segundo a aptidão, prestam-se mais à elaboração de vinhos brancos, tintos, espumantes, etc.

Correção de açúcar ou chaptalização

Para a obtenção de cada 1ºGL de álcool, são necessários 17g/L de açúcar na uva. O ideal para a conservação e qualidade do vinho é que o mesmo contenha cerca de 12ºGL. Para tanto, a uva madura deveria conter mais de 200g/L de açúcar, ou cerca de 22°Brix. Se a uva não contiver o teor necessário de açúcar, deve-se adicionar açúcar. Esta prática, denominada chaptalização, é empregada em vários países onde as condições naturais de cultivo da videira não permitem o acúmulo de quantidade adequadas de açúcar na uva madura. A legislação brasileira estabelece que a chaptalização não deve ultrapassar a correção máxima de 3 °GL.

Fermentação alcoólica

Na vinificação em tinto, a fermentação alcoólica pode ser dividida em duas fases: tumultuosa e lenta. A fermentação tumultuosa caracteriza-se pela grande atividade das leveduras, gerando elevação da temperatura e grande liberação de gás carbônico, que empurra as partes sólidas para a parte superior do recipiente formando o "chapéu de bagaço". Na vinificação em branco com controle de temperatura a fase tumultuosa é menos evidente, uma vez que o ajuste da temperatura para cerca de 15°C evita que a fermentação se acelere. Os fatores que afetam a fermentação alcoólica são: teor de açúcar da uva; álcool; compostos nitrogenados; oxigênio; dióxido de carbono e temperatura.

Maceração

É uma das mais importantes etapas da vinificação em tinto. Nela ocorre a extração dos compostos contidos nas partes sólidas da uva. A mesma deve ser seletiva, permitindo a máxima extração dos compostos que concorrem para a qualidade do vinho e limitando ao máximo a extração dos que concorrem para limitá-la.

Remontagens

A remontagem é uma importante etapa da maceração na vinificação em tinto. Na prática, trata-se de uma maneira de homogeneizar as fases sólida e líquida, dado que a fase sólida concentra-se na parte superior do recipiente, durante a fermentação.

Separação das fases sólida e líquida

Esta operação, denominada descuba, consiste na separação do líquido (vinho em elaboração) da fase sólida (bagaço).

Prensagem do bagaço

Esta operação, realizada logo após a descuba para os vinhos tintos e no início da vinificação para vinhos brancos, possibilita um aumento de rendimento de 10 a 15%, pela extração do vinho retido nos interstícios das partes sólidas.

Fermentação malolática

É a transformação do ácido málico em ácido láctico. De maneira geral, os vinhos tintos são beneficiados com esta fermentação ao adquirirem maior complexidade aromática, suavidade e maciez gustativa. Entretanto, é indesejável na maioria dos vinhos brancos, para os quais uma acidez mais pronunciada é realça o aroma e equilibra o sabor. O agente da fermentação malolática é a bactéria Leuconostoc oenos.

Trasfegas

Consistem em transferir o vinho de um recipiente para outro, visando separá-lo dos sólidos insolúveis que sedimentam no fundo da cuba ao final da fermentação (borras). Podem servir também em alguns casos para a aeração do vinho, reequilibrando seu potencial de oxido-redução.

Atestos

Consistem em manter completamente cheios os recipientes de estocagem, evitando o contato do vinho com o ar. Esse contato pode ocasionar no vinho oxidação descontrolada ou condições para o desenvolvimento de bactérias nocivas à qualidade. Devem ser realizados logo após a fermentação malolática e repetidos sempre que houver necessidade.

Sulfitagem do vinho

Serve para neutralizar possíveis reações químicas e bioquímicas de oxidação e evitar o crescimento de microrganismos indesejáveis no vinho. Deve-se adicionar SO2 ao mosto antes do início da fermentação alcoólica, de modo a inibir o crescimento de bactérias e leveduras selvagens que competiriam com a cultura pura de levedura, com prejuízo para a qualidade do vinho.

Estabilização polifenólica, protéica e tartárica

A estabilização é a fase que sucede as fermentações alcoólica e malolática. Nela, diversos elementos originados da uva ou da autólise das leveduras são neutralizados e induzidos à sedimentação via métodos químicos ou físicos. Uma vez decantados, são então extraídos.

Filtrações

A filtração é a prática mais empregada em enologia para retirada de micropartículas e para a estabilização microbiológica do vinho. Os tipos de filtro mais usados são: a terra (normalmente são a vácuo); a placas, ou lenticulares.

Estabilização em barricas de madeira

Esta prática é recomendada para os vinhos tintos ou brancos (principalmente tintos) cuja estrutura química seja suficientemente complexa de modo a beneficiar-se da oxidação controlada que possibilita o contato com a madeira. Para serem aptos, os vinhos devem apresentar adequado teor alcoólico (entre 12°GL e 13°GL), baixa acidez volátil, alto extrato seco e ausência de qualquer defeito ou alteração que possam ser salientados no processo. A madeira permite a penetração lenta e contínua do oxigênio, que favorece as reações de condensação entre antocianinas e taninos, contribuindo assim, para a estabilidade da cor, a diminuição da adstringência e o aumento da complexidade aromática. Além disso, a madeira é fonte de taninos elágicos e de substâncias aromáticas que são transferidos ao vinho.

Cortes

Normalmente os vinhos são elaborados sem mistura de variedades em um mesmo recipiente e assim permanecem até o final da estabilização. Nessa fase, podem ser engarrafados como tal (são os chamados vinhos varietais) ou podem ser misturados com o objetivo de obter um produto mais harmônico, remediando o excesso ou a deficiência de certos componentes.

Engarrafamento

As garrafas de vidro de 750mL de capacidade são os recipientes utilizado por excelência em todo o mundo. No engarrafamento de grandes volumes de vinho, são utilizadas máquinas engarrafadoras automáticas. As rolhas de cortiça natural são ainda hoje os melhores objetos para tampar garrafas de vinho. Existem vários tipos de rolhas para vinhos tranquilos. Para espumantes, as rolhas são de um só tipo, específicas para o tipo de garrafa utilizado e para a pressão que devem suportar.

Envelhecimento na garrafa

Na garrafa, o vinho deixa de estar sob um ambiente oxidante e passa a estar sob um ambiente redutor. Nessas condições, desenvolve o aroma terciário, ou de envelhecimento. Este aroma, por ser bastante complexo e sentido na degustação buco-nasal, é denominado buquê. O tempo de envelhecimento em garrafa é determinado pelo potencial de cada vinho, variando de alguns meses a vários anos.