Solo e água

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autor

George Wellington Bastos de Melo - Embrapa Uva e Vinho

 

Sabe-se que a tipicidade de um produto oriundo da uva não é dada por características apenas da videira, mas sim dos fatores que compõem todo o ecossistema vitícola, isto é, solo, clima e planta (copa e porta-enxerto). Uma variedade expressa suas características de forma diversa quando cultivada em solos diferentes, isto significa que a produção de frutos resultará em produtos com características diversas porque o grau de interação entre as variedades e as condições ecológicas é o que estabelecerá as características organolépticas dos frutos. A partir dessas interações é que surgiu o termo francês “terroir”. Portanto, o solo tem papel fundamental na característica do produto.

 

No Brasil, a videira é cultivada em uma grande diversidade de solos e encontram-se cultivos em solos altamente intemperizados, bem como em solos jovens com alta capacidade de suprimento de nutrientes. No entanto, a grande maioria dos cultivos é feita em solos que apresentam alguma limitação nutricional, tornando-se necessário correções para que as plantas tenham condições de expressarem seu máximo potencial produtivo.

 

A prática de fertilização do solo é comum entre os produtores, porém nem sempre são seguidas recomendações técnicas. Como resultado dessa situação, tem-se observado o aumento da concentração de nutrientes nos solos, principalmente de fósforo e potássio, e ocorrência de desequilíbrios nutricionais nas plantas.

 

As videiras são encontradas em solos com grande diversidade nos atributos biológicos, químicos e físicos. A interação entre esses atributos é que vai determinar o crescimento das plantas e a expressão do potencial produtivo e, consequentemente, a qualidade dos frutos. Os atributos físicos - cor, textura, estrutura e profundidade - influenciam a retenção de umidade, a permeabilidade e aeração do solo. Já os atributos químicos mais importantes são pH, capacidade de troca de cátions e teor de matéria orgânica.

 

A cor do solo varia de cores escuras (preta, vermelha) até as claras (amarela, branca) sendo que a variação depende do material de origem, do grau de intemperismo, do teor de matéria orgânica e da concentração de minérios. Cores escuras, tendendo ao preto, indicam solos com maior teor de matéria orgânica; cores vermelhas indicam solos bem drenados; cores mosqueadas indicam que o solo permanece encharcado durante um certo período do ano. Deste modo, a cor do solo é um importante indicador do melhor local para a implantação de um vinhedo. (figura 1).

 

A textura se refere à proporção relativa das partículas que compõem o solo, ela varia desde argilosa até aquela extremamente arenosa, sendo que o mais importante é que a drenagem da água seja livre. Por outro lado, o solo deve ter boa capacidade de armazenamento de água e, contudo, não deve ocorrer alagamento do solo. Solos de textura franca, normalmente, apresentam-se com maior potencial para desenvolvimento do sistema radicular das plantas, bem como maior capacidade de retenção de umidade ideal para o crescimento das plantas. Em solos arenosos é comum a ocorrência de estresse por déficit hídrico porque esses solos possuem baixa capacidade de retenção de umidade.

 

A estrutura se refere ao modo como as partículas primárias dos solos estão arranjadas formando unidades secundárias. A estruturação do solo está relacionada às trocas gasosas e circulação de água no solo, sendo que em um solo bem estruturado, onde ocorre boa troca gasosa, o crescimento das raízes não sofre restrições e, assim, tem boa capacidade de retenção de umidade. Cultivos em solos mal estruturados podem apresentar uma série de problemas, onde se destaca a ocorrência de podridões das raízes, que é comum em regiões de alta precipitação pluviométrica, sendo que a principal causa é a falta de oxigênio no solo resultante da má drenagem da água. Estresse hídrico também é comum em solos com má estruturação, pois as raízes das plantas concentram-se mais na superfície do solo fazendo com que um curto período de estiagem possa afetar o crescimento das plantas.

 

Os solos profundos permitem melhor crescimento da videira do que solos rasos, pois rochas superficiais e/ou camadas subsuperficiais podem impedir o desenvolvimento das raízes. Os solos profundos, desde que não apresentem limitações químicas, são os que apresentam maior potencial para o desenvolvimento do sistema radicular, assim, quanto maior e mais profundo for o sistema radicular, menor será a possibilidade das plantas sofrerem com estresse hídrico e maior é a capacidade de absorção de nutrientes.

 

A matéria orgânica do solo influencia outros aspectos como a estrutura, a atividade microbiológica, atividade enzimática e atividades fisiológicas das plantas. Ela também é responsável pela adsorção dos cátions macronutrientes, o que impede a lixiviação e, consequentemente, a contaminação do meio ambiente. Comumente, os solos brasileiros apresentam teores que variam de 1 a 5% de matéria orgânica.

 

O pH do solo é uma medida simples e indica se a reação do solo é ácida, neutra ou alcalina. A importância do pH para a videira está relacionada com a disponibilidade de nutrientes. O pH ácido pode indicar presença de alumínio e manganês em níveis tóxicos, bem como baixa capacidade de suprimento de nutrientes. Por outro lado, solos alcalinos, de pH elevado, podem apresentar problemas com disponibilidade de micronutrientes, principalmente zinco, boro e molibdênio. Nas condições brasileiras, a grande maioria dos solos apresenta reação ácida, o que indica necessidade de usar calagem para aumentar o pH e, ao mesmo tempo, elevar os teores de cálcio e magnésio. A utilização de fertilizantes químicos também pode alterar o pH do solo, como, por exemplo, o uso contínuo de sulfato de amônio pode baixar o pH, com isso reduzindo a disponibilidade de nutrientes, principalmente o fósforo. Pensando em maximizar a disponibilidade de nutrientes tem-se procurado trabalhar com pH dos solos em tornar de 6,0, pois nestas condições os solos não têm apresentado níveis tóxicos de alumínio e problemas de indisponibilidade de micronutrientes.

 

A capacidade de troca de cátions é a responsável pelas trocas de nutrientes da fase sólida com a fase líquida (solução do solo) e os cátions mais importantes pela CTC são cálcio e magnésio. No RS os teores de cálcio e de magnésio são considerados altos.

 

Os atributos químicos, como pH e concentração de nutrientes, são relativamente fáceis de serem modificados para permitir às plantas expressarem seu potencial de produtividade e qualidade dos frutos. Já os atributos físicos são extremamente difíceis de serem modificados e, para que isso aconteça, são necessários investimentos financeiros e tempo.

 

Assim, os interessados em cultivar videiras devem atentar para a escolha de uma área onde não seja necessário grandes modificações nos atributos físicos dos solos, pois como dito anteriormente, as videiras são pouco tolerantes a solos que frequentemente encharcam. Nessas condições as plantas não se desenvolvem a contento e a taxa de mortalidade geralmente é alta.