Distúrbios causados por fatores abióticos

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autor

Henrique Pessoa dos Santos - Embrapa Uva e Vinho

 

 

Vários fatores interferem na produtividade e na qualidade das uvas, sejam para consumo in natura ou para processamento. Estes fatores podem ser divididos em dois grandes grupos: 1) fatores permanentes; 2) fatores culturais. O grande grupo “permanente” se subdivide em: a) elementos impostos, tais como clima, solo, pragas e doenças; b) elementos escolhidos, que incluem por exemplo a cultivar, porta-enxerto, densidade de plantio, orientação solar do local de plantio. No conjunto de todos esses fatores, existe uma classificação mais ampla que considera se o agente causal for vivo (fatores bióticos) ou inerte (fatores abióticos). Nos fatores bióticos, são considerados todos os organismos vivos, tais como pragas e doenças, presentes num determinado local e que podem exercer efeito sobre as videiras. Em contrapartida, os fatores abióticos englobam todos os agentes físicos e químicos desse mesmo local, com potencial de exercer influência sobre a qualidade e a quantidade de produção das videiras. Destaca-se que os fatores bióticos e abióticos estão em permanente ligação sistêmica, constituindo o ecossistema de um determinado local. Portanto, pelo fato destes fatores serem parte do local, devem ser sempre considerados na escolha do melhor local para implantação de um novo plantio vitícola.

 

Dentre os fatores abióticos, destacam-se como principais os seguintes:

 

Radiação solar

A radiação solar é o elemento essencial para a atividade foliar (fotossíntese) e, consequentemente, torna-se o fator ambiental mais importante para a síntese de açúcares e para o potencial de crescimento e produção das videiras. Para isso, é importante que o local de instalação do parreiral tenha uma ampla exposição solar ao longo do dia. Os limites médios de radiação solar para uma folha de videira se situam entre 50 e 600 mE.m-2.s-1 (1/3 da radiação solar incidente). Radiações abaixo desses limites são limitantes para as folhas, tornando-as totalmente dependentes das folhas mais expostas. Portanto, em parreirais com muitas folhas (alto vigor), as folhas sombreadas podem competir com os cachos por açúcares e isto restringe o potencial de qualidade da fruta.

O sombreamento reduz a capacidade de produção da videira. Esse efeito é dependente da cultivar e está relacionado ao grau de exposição solar das gemas durante o período vegetativo-produtivo. Ou seja, ramos do ciclo anterior que se desenvolveram em ambiente sombreado (excesso de nuvens , vigor excessivo com auto-sombreamento, erros de condução e/ou orientação solar do parreiral) apresentam redução na diferenciação de primórdios de inflorescências. Portanto, no ciclo seguinte o número de cachos por brotação será reduzido, limitando a capacidade de produção da planta;

Folhas e cachos que se desenvolveram em ambiente sombreado, quando expostos (ex.: após poda verde drastica) podem apresentar “queimaduras de sol”. Esse efeito ocorre em função da mudança brusca das condições de luz e a falta de adaptação desses tecidos. Para evitar esses danos, deve-se manter sempre organizado a distribuição de brotações, com amarrações, desfolhas e podas frequentes para evitar ambientes muito sombreados.

 

Temperatura

A temperatura interfere na diferenciação do primórdio de inflorescência nas gemas axilares dos ramos em crescimento, durante o ciclo vegetativo-produtivo. A faixa ideal de temperatura é variável entre cultivares, sendo as Vitis labrusca com temperaturas menores (20-25°C) do que Vitis vinifera (25-28°C). Regiões que apresentam alta frequência de temperaturas abaixo desses limites durante o período vegetativo-produtivo podem restringir o potencial de diferenciação de gemas e, consequentemente, reduzir a capacidade de produção.

A temperatura influencia o desenvolvimento da flor e a frutificação. No período brotação-floração é necessário que não ocorram temperaturas baixas (< 15°C), as quais podem restringir o desenvolvimento da inflorescência. Um efeito comum dessas baixas temperaturas nesse período é a transformação de inflorescências em gavinhas, fenômeno comumente conhecido como “desavinho”. Isto restringe drasticamente o potencial de florescimento e, consequentemente, de frutificação.

Variações bruscas de dias frios e nublados seguidos de dias secos e quentes causam também desordem fisiológica no período brotação-floração. Nestas condições, podem ocorrer sintomas foliares similares a deficiência de potássio (bordas cor café viradas para cima), porém, ao contrário do real sintoma de deficiência de potassio, esse sintoma ocorre antes do florescimento sob estas condições de temperaturas. Este efeito é dependente da cultivar e tem sido relacionado ao metabolismo do nitrogênio.

Dias frios e úmidos na primavera associados a locais com alta disponibilidade de nitrogênio (ex.: alto teor de matéria orgânica) podem também promover o sintoma “necrose de inflorescências”, o qual pode provocar grandes impactos de produção. Alguns resultados de pesquisa indicam que esse sintoma é dependente da cultivar e também envolve alterações no metabolismo de nitrogênio nas inflorescências (acúmulo de amônio) em condições de baixas temperaturas e luminosidade (dias nublados) durante o desenvolvimento da inflorescência.

A temperatura do ar altera a atividade foliar (fotossíntese) e, consequentemente, a síntese de açúcares. A faixa de temperatura ideal para atividade foliar da videira se situa em 25-30°C. Temperaturas menores que 20°C e próximas a 45°C podem reduzir drasticamente a atividade fotossintética de uma folha.

Temperaturas muito altas (35-45°C) aliadas a baixa umidade relativa do ar e deficiência hídrica no solo, podem proporcionar o ressecamento de folhas jovens, dos ápices em crescimento e de bagas situadas nas posições mais apicais nos cachos (fenômeno denominado “queima de sol”).

Temperaturas muito baixas (próximo a zero °C), as quais podem ocorrer associadas a geadas tardias no período de primavera em regiões sul-brasileiras, podem promover o congelamento e, consequentemente, a morte de ápices e ramos jovens. Este efeito pode reduzir drasticamente o potencial produtivo das plantas no ciclo corrente. Este problema pode ser controlado com o emprego de cultivares que apresentam brotações tardias.

Em regiões mais quentes, observa-se uma evolução fenológica mais rápida, reduzindo o comprimento do período brotação-colheita. Nessas regiões, é importante o controle hídrico, pois a exposição solar em conjunto com alta temperatura podem promover danos na película e, consequentemente prejuizos para qualidade visual (consumo in natura) ou qualidade enológica (degradação de pigmentos, redução de acidez, excesso de açúcar, etc).

 

Precipitações pluviométricas / Disponibilidade hídrica / granizo

Chuvas são essenciais para garantir a disponibilidade hídrica para plantas. Entretanto, quando essas ocorrem no período de floração promovem grandes prejuízos em produtividade. Isto se deve ao fato da água da chuva interferir diretamente no processo de polinização, promovendo o abortamento de flores e, consequentemente, a redução do número de bagas por cacho. O controle desse problema torna-se complexo, pois é muito influenciado por condições climáticas do ano (ex.: fenômeno El Niño). Como alternativas, pode-se adotar o plantio de cultivares com variações de ciclo e datas de florescimento, evitando-se a perda total da área. Além disso, pode-se adotar o uso de cobertura plástica.

A disponibilidade hídrica é de extrema importância para o desenvolvimento, produção e qualidade da uva para consumo ou processamento. Em média, a videira consome 1 litro de água para produzir 2 gramas de massa seca de tecido (ramo, folha ou fruto). Em função disso, dependendo da cultivar, o consumo médio de um parreiral é de 650 a 900 mm (ou L/m2) por safra. A sintomatologia da deficiência hídrica na videira é dependente do período de crescimento no qual ocorre o déficit e da intensidade do mesmo, sendo mais acentuada no período frutificação-início da maturação. Em geral, a deficiência hídrica é diagnosticada pela murcha de folhas e gavinhas nas porções apicais dos ramos (pontos de crescimento). A persistência da deficiência hídrica irá provocar a necrose e a queda de folhas basais, redução no diâmetro de tronco e crescimento de ramos, a paralização de fotossíntese, queimadura de bagas expostas ao sol e maior suscetibilidade a pragas e doenças.

Granizo corresponde a outro fator abiótico de grande impacto na viticultura. Locais de ocorrência desse fator meteorológico devem, se possível, ser evitados. O impacto do granizo sobre videira pode ser direto, reduzindo a superfície foliar e a quantidade de frutos, ou indireto, favorecendo o ataque de doenças (principalmente Botritys). Se a ocorrência do granizo for mais tardia, quando as gemas estão mais diferenciadas (ex.: início da maturação) é possível recuperar parte da produção anual realizando a prática de repoda. A garantia de qualidade da repoda dependerá da cultivar e das condições climáticas de outono no local de cultivo.

 

Ventos

Brisa leve (< 7 km/h) apresenta-se como vantagem para a viticultura. Isto porque nesta condição, o vento favorece a renovação do ar em torno das folhas (benéfico para o controle térmico e a atividade fotossintética das folhas) e reduz o tempo de secagem da folhagem e frutos após chuva ou orvalho (importante para o controle do estabelecimento de doenças). Além disso, brisas leves favorecem a polinização das inflorescências e, consequentemente, a produtividade.

Ventos fortes (> 50 km/h) podem trazer grandes danos ao parreiral, independente do período de desenvolvimento que se encontra. Entretanto, quando este se encontra no período brotação-frutificação, apenas uma brisa moderada (20-30 km/h) já pode trazer grandes prejuízos em produtividade e qualidade de safra. Isto ocorre porque os ramos novos não apresentam resistência (ex.: lignificação de tecidos) e podem facilmente se romperem gerando impactos diretos no potencial de produção das plantas. Para evitar esses danos, deve-se sempre escolher áreas protegidas de ventos fortes ou adotar quebra-ventos. Além disso, deve-se prestar a atenção ao manejo de ramos, mantendo-os fixados o máximo possível na estrutura de sustentação.

 

Solo

A estrutura física e a composição química do solo onde se encontra o parreiral também se apresentam como importantes fatores abióticos no controle da qualidade e da produção de um parreiral.