Vasculares e radiculares

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autor

Fabio Rossi Cavalcanti - Embrapa Uva e Vinho

 

O declínio e morte de videiras é um problema atual e crescente, encontrado em áreas de produção de uvas no Brasil e no mundo. Este complexo de doenças geralmente acarreta danos severos, pois é causado por fungos habitantes do solo que possuem uma fase dominante de sobrevivência. Quando tais fungos parasitam o tecido vascular e lenhoso das raízes ou do colo da planta, podem desencadear podridões que comprometem o fluxo de água e nutrientes e causam a morte da planta. Em plantas perenes, como é o caso da videira, este panorama é desanimador para a produção comercial da uva, pois os solos contaminados se tornam ambiente desfavorável para a instalação de novos vinhedos. Dentre as principais podridões vasculares e radiculares diagnosticadas em vinhedos no Brasil destacam-se a fusariose, o pé-preto, as podridões descendentes e o complexo do declínio de plantas jovens.

O pé preto, no Brasil causado pelo fungo de solo Cylindrocarpon destructans, é considerada uma das mais importantes doenças de tronco que afeta viveiros e vinhedos jovens em todo o mundo. As espécies de Cylindrocarpon associadas ao pé preto infectam plantas de videira atravessando o tecido radicular e colonizando as extremidades das raízes, causando lesões necróticas deprimidas e redução na biomassa do órgão. A remoção da casca revela uma intensa descoloração negra e necrose do tecido lenhoso desenvolvido a partir da base do porta-enxerto. Outros sintomas incluem perda de vigor, encurtamento de internódios, formação de folhagem esparsa e diminuta com folhas contendo lesões cloróticas internervurais e necrose, freqüentemente levando à morte da planta.

Espécies do fungo Phaeoacremonium associados ou não a outros agentes como bactérias, viroses, insetos, outros fungos e nematóides, fatores abióticos, deficiências nutricionais, idade da planta, má condução do vinhedo ou baixa qualidade do material de propagação, podem estar envolvidos entre as causas de declínio e morte de plantas de videira. As doenças associadas a Phaeoacremonium podem ser enquadradas como “chocolate”, Esca e doença de Petri, dependendo da combinação dos fatores envolvidos. Parreirais afetados mostram sintomas de desenvolvimento inicial muito reduzido e reduzido vigor vegetativo, seguido de interrupção de crescimento e morte. Plantas afetadas revelam menor diâmetro de tronco, encurtamento de internódios, reduzida quantidade de folhagem e área foliar. Os sintomas foliares reflexos de 3 a 5 anos após transplantio incluem cloroses intervenais, necroses das extremidades e murchas, as quais podem resultar em desfolha prematura. Quando observados em seção transversal, os vasos do xilema do colo da raiz (parte de baixo do porta-enxerto) apresentam manchas negras ou marrom escuras. Em seção longitudinal, os elementos de vaso mostram estrias escurecidas. Essas estrias de vasos obstruídos ocorrem próximas à medula que pode também estar afetada e escurecida.

A fusariose é conhecida como a principal doença vascular causadora de morte de plantas de videira na Serra Gaúcha. É causada pelo fungo Fusarium oxysporum f. sp. herbemontis em situações preferenciais de solos contaminados ácidos e ricos em matéria orgânica, pois o fungo é um habitante de solo e infecta a planta pelas raízes, penetrando diretamente ou através de ferimentos. Fatores que afetam a incidência da doença e a disseminação do patógeno podem ser listados: susceptibilidade do porta-enxerto, ferimentos nas raízes provocados por pragas ou práticas culturais (aração e gradagem), contato de raízes doentes com sadias e água contaminada de enxurradas. Estacas contaminadas são veículos de contaminação a longas distâncias.

O sistema vascular do lenho da planta sofre internamente com a infecção por Fusarium, provocando sintomas reflexos em órgãos visíveis da parte aérea como folhas, ramos e frutos. No início da brotação verifica-se uma redução no crescimento dos ramos, com folhas pequenas com necrose nos bordos e quedas prematuras. Com o aumento de calor no final da primavera e início do verão a planta pode morrer subitamente. Na região dos vasos do xilema pode ser verificado um escurecimento em forma de faixa contínua saindo do sistema radicular, podendo atingir os ramos principais e os ramos do ano. Fazendo um corte longitudinal a partir da casca é possível notar, na superfície do lenho, a ocorrência da faixa escura característica. Transversalmente é muito evidente o escurecimento dos vasos do xilema. De modo reflexo, as folhas amarelam e caem, mas os cachos murcham e secam, a maioria permanecendo aderidas aos ramos. Os sintomas de declínio aparecem nos principais ramos da planta e freqüentemente em toda a planta.

A fusariose, como todos os problemas de declínio e morte de plantas, é uma doença de controle complicado, pois requer medidas estratégicas antecipadas à implantação do vinhedo e cuidados permanentes na sua condução. Os tratamentos químicos são caros e pouco eficazes. Nesse tipo de doença, o controle por uso de material genético tolerante é crucial. São recomendadas medidas de controle como se segue: a) antes do replantio em áreas contaminadas, pousio de no mínimo 1 ano, ou plantio de cultura anual; b) na implantação do novo vinhedo, usar material tolerante como o porta-enxerto Paulsen 1103 ou outro a ser recomendado por assistência técnica, de acordo com os objetivos da produção; c) evitar danos às raízes durante as práticas culturais; d) desinfestação de ferramentas; e) eliminação de plantas atacadas, removendo o máximo de raízes; f) proceder calagem (calcário 2 Kg/m2), misturando muito bem com o solo; g) isolar áreas contaminadas.

Embora seja bem caracterizada a associação entre fungos da familia Botryosphaeriaceae e podridões descendentes que também causam declínio da planta, por muito tempo a importância desses microrganismos como patógenos de videira foi amplamente negligenciada. Atualmente no Brasil, espécies de Botriosphaeriaceae são relatadas como agentes de podridões descendentes em hospedeiros vários, em sua forma anamórfica: Fusicoccum, Neofusicoccum, Lasiodiplodia, Botryosphaeria, dentre outros. Da mesma forma que a eutipiose (causada por Eutypa lata), as podridões causadas por Botryosphaeriaceae crescem mais rapidamente no sentido basipetal, descendente; da copa para o pé da planta. A doença pode se desenvolver muito lentamente, ao longo de anos, dentro do tronco e nas ramificações, a partir da porta de entrada para o patógeno. A morte da videira infectada ocorre quando o último tecido vivo é morto pelo parasitismo do fungo. A podridão descendente, tanto causada por Botryosphaeriaceae como por Eutypa lata, causa diminuição da vida útil do vinhedo, reduzindo a produtividade, aumentando os custos de produção com o aumento da necessidade de medidas culturais e poda curativa em tecidos infectados.

 

 

 

Foto: Fábio Rossi Cavalcanti
  
 Figura 1. Brotações alteradas por causa da podridão descendente.