Viroses

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autores

Thor Vinícius Martins Fajardo - Embrapa Uva e Vinho

Osmar Nickel - Embrapa Uva e Vinho

 

As videiras podem ser afetadas por cerca de 50 doenças de origem viral. Por serem as plantas propagadas vegetativamente, a disseminação de vírus e o aparecimento de doenças complexas, pelo acúmulo de diferentes vírus numa mesma planta, são facilitados. As viroses afetam severamente a produção, a qualidade da uva (Figura 1) e podem causar a morte de plantas jovens e adultas, além de diminuírem sensivelmente a vida útil dos vinhedos (degenerescência). As perdas podem chegar a 70% da produção e até 4 ºBrix do teor de açúcar da uva. No vinho além de baixar o teor alcoólico, causam uma diminuição acentuada na intensidade de cor dos tintos. As viroses interferem no pegamento da enxertia e no enraizamento das mudas. As de maior relevância econômica para a videira no Brasil, são as denominadas “enrolamento da folha” e “complexo rugoso”.
 
 
Foto: Thor Vinícius Martins Fajardo
  
 Figura 1. Uvas provenientes de videiras cv. Cabernet Sauvignon sadia (A) e infectada por vírus (B), com amadurecimento irregular e incompleto (menor coloração).
 
Já foram isolados nove vírus distintos, associados aos tecidos de videiras afetadas com o enrolamento da folha, sendo denominados vírus do enrolamento da folha da videira (Grapevine leafroll-associated virus, GLRaV-1 ao GLRaV-9). Essa virose é causada por um complexo viral, embora cada um dos vírus possa ocorrer de forma isolada. GLRaV-1, -2, -3 e -6 já foram detectados no Brasil; o GLRaV-3 apresenta maior incidência. Os sintomas desta virose são reconhecidos em cultivares européias (Vitis vinifera) tintas e brancas, em especial no fim do ciclo vegetativo, pelo enrolamento dos bordos da folha para baixo. Nas viníferas tintas, o limbo adquire uma coloração vermelho-violácea, sendo que o tecido ao longo das nervuras principais permanece verde (Figura 2).
 
 
 Foto: Thor Vinícius Martins Fajardo
  
Figura 2. Folha sadia (A) e folha infectada por vírus do enrolamento em planta de cultivar vinífera tinta (Cabernet Franc).
 
Nas viníferas brancas infectadas, o limbo toma uma leve coloração amarelo-pálida, às vezes mais pronunciada no tecido ao longo das nervuras principais. Nas cultivares viníferas, o tecido das folhas infectadas é rugoso, quebradiço e de consistência mais grossa do que nas folhas sadias. As plantas muito afetadas apresentam a maturação da uva irregular e atrasada (Figura 1), com menor número e tamanho de cachos e definham totalmente. As videiras americanas (V. labrusca) e híbridas não mostram os sintomas característicos da doença e apresentam apenas redução no desenvolvimento. Em algumas cultivares pode-se observar um leve enrolamento e, às vezes, queimadura entre as nervuras principais. As cultivares de porta-enxertos não mostram qualquer sintoma nas folhas quando infectadas.
 
O complexo rugoso da videira é uma associação de quatro viroses que causam alterações no lenho das plantas: Intumescimento dos ramos (“corky bark”), causado pelo Grapevine virus B (GVB); Acanaladura do lenho de Kober (“Kober stem grooving”), causada pelo Grapevine virus A (GVA); Canelura do tronco de Rupestris (“Rupestris stem pitting”), causada pelo Rupestris stem pitting-associated virus (RSPaV) e Acanaladura do lenho de LN33 (“LN33 stem grooving"), cujo vírus não está caracterizado. As caneluras são sintomas induzidos em conjunto, ou isoladamente, pela presença dos três últimos vírus. Em cultivares americanas, os sintomas, induzidos pelo GVB, se caracterizam pelo intumescimento dos pecíolos e entrenós do ramo do ano, com fendilhamento longitudinal do tecido afetado, que adquire aspecto corticento quando maduro. Em algumas cultivares viníferas e híbridas tintas pode ser observado avermelhamento intenso nas folhas ou amarelamento, em cultivares brancas. As caneluras são outro tipo de sintoma do complexo rugoso e podem ser observadas sob a casca do tronco da videira, na superfície do lenho, e correspondem ao local onde a casca penetra no tronco prejudicando a formação dos vasos condutores da seiva (Figura 3). Em muitas cultivares a doença permanece em estado latente. Cada um dos vírus, associados a esta doença, pode ser detectado através de testes biológicos específicos, utilizando-se cultivares sensíveis.
 
 
 Foto: Thor Vinícius Martins Fajardo
  
Figura 3. Corte transversal do tronco de muda de videira (cv. Itália) exibindo engrossamento da casca e reentrancias típicas das caneluras do tronco (A); após a retirada da casca, detalhe do lenho com caneluras (B) e aspecto normal do lenho em videira sadia (C).
 
 
A mancha das nervuras, causada pelo Grapevine fleck virus (GFkV), e a necrose das nervuras são viroses que ocorrem de forma latente em vinhedos brasileiros. Infectam, sem causar sintomas, as cultivares de copas comerciais, tanto destinadas para vinho como para mesa. Estas doenças, embora estejam bastante disseminadas nos nossos vinhedos, somente apresentam alguma importância econômica quando associadas a outros vírus .
 
Os sintomas de infecção viral nem sempre são perceptíveis. Alguns vírus que afetam a videira podem ser latentes em muitas cultivares comerciais, ou seja, as plantas quando infectadas não mostram os sintomas característicos da doença, sendo impossível selecionar plantas sadias pela simples observação no campo. Exemplo disto são as cultivares americanas e híbridas que praticamente não exibem os sintomas da virose do enrolamento das folhas.
 
Normalmente, os porta-enxertos, quando infectados por vírus, não mostram qualquer sintoma, ou seja, apresentam o desenvolvimento aparentemente normal, tornando impossível diferenciar no campo as plantas doentes das sadias. Consequentemente os efeitos danosos da presença do vírus somente serão observados alguns anos após o plantio ou após a formação da muda, quando a parte aérea da copa (enxerto), que comumente é sensível, mostrar os sintomas da doença. Assim, a melhor opção é adquirir porta-enxerto em viveiristas que comprovem a origem do seu material, garantindo a sua sanidade.
As viroses da videira somente podem ser controladas, no campo, se, na formação do vinhedo, for utilizada muda ou material propagativo sadio. Caso a planta esteja infectada por vírus não existe controle químico eficiente para uso no vinhedo. Se uma planta infectada for multiplicada, toda a sua descendência será doente, devendo-se, portanto, ter muito cuidado na obtenção de mudas ou de material propagativo (estacas, gemas).