Poda seca

Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021

Autores

Alberto Miele - In memoriam

Francisco Mandelli

 

A poda seca da videira compreende um conjunto de operações que se efetuam na planta, consistindo na supressão parcial do sistema vegetativo lenhoso (sarmentos). Isso é realizado no inverno, durante o descanso vegetativo da videira.


Ao limitar o número e o comprimento dos sarmentos, a poda seca proporciona um balanço racional entre o vigor da planta e a produção, limitando a quantidade de uva produzida e sua qualidade. A videira admite variações na poda, o que pode ser constatado pela diversidade de sistemas de poda seca existentes em várias regiões vitícolas do mundo.


Os principais objetivos da poda seca são: a) limitar o número de gemas para regular e harmonizar a produção e o vigor, de modo a não expor as videiras a excessos de produção que favoreçam baixa frutificação no(s) ano(s) seguinte(s); b) melhorar a qualidade da uva, que pode ser comprometida por uma produção elevada; c) direcionar racionalmente a seiva elaborada para os diferentes órgãos; d) proporcionar à planta uma forma determinada que se mantenha por muito tempo e que facilite a execução dos tratos culturais.


Mesmo que os sistemas de poda seca sejam transmitidos durante gerações de forma empírica ou intuitiva, é importante que o podador conheça as bases racionais nas quais se sustenta a difícil técnica de podar. Alguns dos princípios da poda são: a) a videira normalmente frutifica em ramos do ano, ou seja, que se desenvolvem em sarmentos do ano anterior; b) a frutificação em geral é inversa ao vigor da planta; c) o vigor individual dos ramos é inversamente proporcional ao seu número; d) quanto mais um ramo se aproximar da posição vertical, maior será o seu vigor; e) a videira tem condições de nutrir e maturar de forma eficaz uma determinada quantidade de frutos; f) a gema que proporcionou um broto frutífero não produz novamente, por isso deve ser substituída por outra que ainda não tenha produzido; g) o podador deve selecionar os elementos da poda (varas e esporões) primeiramente pela sua condição (vigor e sanidade) e, após, pela sua posição na planta; h) qualquer que seja o sistema de poda adotado, o viticultor deverá estar atento para que as futuras área foliar e produção de uva tenham as melhores condições de aeração, calor e luminosidade. Portanto, a correta seleção de um sistema de poda não é tão simples como se poderia imaginar, pois deve-se considerar a variedade de uva, as características do solo, a influência do clima e os aspectos sanitários.

Na videira não se distinguem gemas vegetativas e gemas frutíferas, como em muitas espécies frutíferas, mas somente gemas mistas que originam brotos com inflorescências, folhas e gavinhas ou somente folhas e gavinhas. A gema da videira é composta de três primórdios, sendo o principal deles chamado de primário e os outros dois de secundários. As gemas localizam-se nas axilas das folhas, inseridas junto aos nós. Segundo a sua localização no broto, elas são denominadas de gemas: a) francas ou axilares, b) prontas, c) latentes, d) basilares, e) da coroa ou casqueiras e f) cegas.
 
 Figura 1. O sarmento da videira e suas partes. 
Fonte: Chauvet & Raynier, 1979.
 
A época da poda depende de vários fatores, entre os quais destacam-se a variedade de uva, o tamanho do vinhedo, a topografia do terreno (riscos de geadas tardias), a disponibilidade de mão de obra qualificada, a umidade do solo e os objetivos da produção (indústria ou consumo in natura). Geralmente, a videira é podada nos meses de julho e agosto, sendo que as variedades de brotação precoce são podadas antes das tardias.
 
Em função da quantidade de gemas deixadas em cada sarmento, os elementos da poda recebem a denominação de esporão ou vara. Quando são deixadas até três gemas francas − geralmente deixam-se duas −, chamam-se esporão, que desempenha duas funções: frutificação e produção de sarmentos para a futura poda. Quando deixam-se mais de três gemas francas − geralmente de quatro a mais de dez, dependendo da variedade −, chamam-se vara, que tem como função a frutificação.
 
Há vários tipos de sistemas de poda seca, os quais variam em função da variedade, do clima, do solo e do porta-enxerto. Eles podem ser agrupados em poda curta (cordão esporonado) e poda mista ou longa (vara e esporão). Ela é considerada curta quando deixam-se apenas esporões e mista quando deixam-se esporões e varas. Em função do número de gemas francas deixadas na videira, a poda seca mista pode ser rica, média ou pobre. É considerada rica quando permanecem mais de 120 mil gemas por hectare.
 
Quando da realização da poda seca, os cortes nas varas e esporões geralmente são realizados logo acima da última gema franca que se quer deixar, a fim de que permaneça uma pequena porção da medula. Geralmente o corte é em bisel, com a parte mais comprida do lado da última gema.
 
Há quatro tipos de poda da videira: a) a poda de implantação, que é efetuada na muda antes do plantio e que consiste no encurtamento das raízes que se quebraram durante o transporte. Há, também, a poda do enxerto, no qual se deixam de duas a três gemas francas. As mudas importadas e de alguns viveiristas nacionais apresentam o enxerto protegido por uma camada de cera e, geralmente, são plantadas sem podar a parte aérea; b) a poda de formação, que tem por finalidade dar forma adequada à planta de acordo com o sistema de sustentação adotado. Normalmente, ela é concluída até o terceiro ano após o plantio e, sendo bem efetuada, proporciona maior facilidade para a realização da poda de frutificação; c) a poda de frutificação, também chamada de poda de produção, tem por objetivo preparar a videira para a produção da próxima safra. A carga de gemas deve ser adequada à maximização da produtividade e da qualidade da uva, sem comprometer as produções dos anos seguintes; d) a poda de renovação consiste em eliminar as partes da planta − principalmente braços e cordões que se encontram com pouca vitalidade devido a acidentes climáticos, danos mecânicos, doenças ou pragas − e substituí-los por sarmentos mais jovens.
 Ilustração: Adriano Mazzarolo
Figura 2. Poda de formação: A - enxerto ou muda; B - condução da muda; C - desponta; D - condução das feminelas; E - poda seca.
 
 
 
 Ilustração: Adriano Mazzarolo
  
Figura 3. Poda de frutificação: A - planta antes da poda, mostrando os sarmentos originados dos esporões e varas deixados no ano anterior; B - planta mostrando as varas e os esporões deixados após a poda; C - brotação das duas gemas do esporão; D - detalhe indicando a posição dos cortes na poda mista de inverno; E - detalhe mostrando a vara e o esporão após a poda.
 

 

 Foto: Alberto Miele
  
 Figura 4. Videira conduzida em espaldeira durante o período de descanso (esquerda) e após a poda seca (direita).