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Uva para Processamento
Quebra de dormência
Conteúdo migrado na íntegra em: 22/12/2021
Autor
Alberto Miele - In memoriam
A videira tem um ciclo vegetativo anual quando cultivada em regiões de clima temperado. As fases fenológicas são brotação, floração, início de maturação, maturação e queda das folhas. O subperíodo compreendido entre a queda das folhas e a brotação chama-se descanso vegetativo. Nas condições do Hemisfério Sul, mais especialmente do sul do Brasil, ele ocorre de junho a agosto e depende de diversos fatores, entre os quais as condições climáticas e a variedade.
Dormência da gema
A dormência da gema da videira pode ser definida como um estado de aparente inatividade, mas que pode ser suspensa por vários fatores. Constatam-se três tipos de dormência: correlativa, ambiental e endógena.
Tipos de dormência
Dormência correlativa: ela ocorre quando há uma ação inibidora ao crescimento das gemas pela ação de outros órgãos da planta. Como exemplo, cita-se a inibição do crescimento das gemas laterais durante a primavera e o verão em função do crescimento e desenvolvimento do broto pela ação das gemas apicais e das folhas.
Dormência ambiental: as gemas não brotam por deficiência de fatores ambientais, como temperaturas muito baixas e estresse hídrico.
Dormência endógena: na dormência endógena não se verificam a brotação e o crescimento do broto, mesmo que tenha havido as condições necessárias para o aparecimento das dormências correlativa e ambiental. Ela deve-se a fatores inerentes ao vegetal e ocorre após ter sido exposta a um determinado número de horas de frio abaixo de 10 ºC. É um período em que a gema externamente fica sem expor nenhum sinal de evolução. Entretanto, há uma série de modificações bioquímicas e fisiológicas complexas que se processam no tecido vegetal.
Desenvolvimento da dormência endógena
As gemas latentes, formadas nas axilas das folhas, não se desenvolvem no mesmo ano de sua formação. Elas permanecem em repouso até a primavera do ano seguinte, passando pelas fases de pré-dormência, dormência e pós-dormência.
Pré-dormência: as gemas latentes permanecem nesse estado em função da inibição correlativa da gema apical ou da gema pronta. É nessa fase que a gema se organiza e começa a delinear a formação das folhas, gavinhas e inflorescências. Essa fase ocorre no início do verão, coincidindo com o início da maturação dos ramos. Ela se desenvolve com certa velocidade, pois em duas semanas aproximadamente as gemas passam de um estado fisiológico propício ao crescimento a um estado de dormência. Verifica-se que há uma correlação entre a entrada de dormência e o início de amadurecimento e crescimento do ramo.
Dormência: inicia por ocasião do término de crescimento e amadurecimento dos ramos, perdendo a faculdade de brotar. À medida que o ciclo da videira evolui e que as condições climáticas são favoráveis, ou seja, temperaturas abaixo de 10 ºC, a gema da videira atinge seu estado mais profundo de dormência. Nessa fase o açúcar inicia sua transformação em amido; a respiração celular diminui, assim como os teores de giberelinas e de certas enzimas; por outro lado, ocorre o aumento de inibidores de crescimento, como o ácido abscísico. Externamente, entretanto, não há sinais de quaisquer tipos de modificações. Com o fim do inverno, as temperaturas aumentam. Com isso, constata-se um aumento da respiração celular e de teores de hormônios dos grupos das giberelinas, citocininas e auxinas. Externamente, a gema começa a inchar, com a subsequente separação das escamas. É a fase final da dormência.
Pós-dormência: as gemas latentes atingem, então, as condições endógenas para brotarem. Mas, para isso, necessitam de determinadas condições que favoreçam a brotação. E isso é conseguido principalmente com o aumento de temperatura e, também, com certa umidade no solo.
Indução exógena da quebra de dormência
Nas regiões de clima temperado, em geral, as condições climáticas são suficientes para propiciar brotação adequada às gemas da videira. Mas, em anos em que essas condições não forem favoráveis − como temperaturas relativamente elevadas no fim de outono e no inverno e estresse hídrico no fim de inverno e início de primavera − a porcentagem de brotação pode ser baixa e as gemas brotam e se desenvolvem sem uniformidade.
A poda da videira em cordão esporonado, normalmente, não apresenta problema de brotação. Mas, a poda mista, onde se deixam varas e esporões, pode apresentar problemas especialmente nas gemas das varas. Nesse caso, brotam primeiramente as gemas apicais, seguidas pelas da base, sendo as intermediárias as últimas a brotar.
Se houver necessidade de induzir a quebra de dormência das gemas pode-se aplicar a cianamida hidrogenada, que é um regulador de crescimento. Recomenda-se aplicar esse produto na concentração de 1,9% do princípio ativo, o que equivale a mais ou menos 3,8% do produto comercial. Na prática, usam-se 3 a 4 mililitros do produto comercial em 100 litros de água.
A cianamida hidrogenada deve ser aplicada diretamente nas gemas, molhando-as completamente. Isso deve ser feito quando elas não estiverem inchadas. Tem-se que ter cuidado para não aplicar em gemas muito inchadas ou que já iniciaram a brotação, pois a cianamida é cáustica e age como um herbicida.
Para isso, recomenda-se utilizar um pulverizador. Entretanto, pode-se pincelar as gemas, o que barateia sua aplicação. Mas, nesse caso, tem-se que ter cuidado para que o viticultor não entre em contato com o produto, especialmente preservando a pele e os olhos. A ingestão pode ser fatal.
Recomenda-se, ainda, aplicar a cianamida hidrogenada em época em que não haja estresse hídrico. Mas, ela não deve ser aplicada em dias chuvosos. Não há problema se após a aplicação do produto chover, pois ela é absorvida quase que imediatamente pela vara.
Maior porcentagem de gemas brotadas significa maior produtividade do vinhedo. Entretanto, para a elaboração de vinho fino sabe-se que altas produtividades não são desejadas. A vantagem deste processo reside na possibilidade de se ter à disposição gemas que permitam ao podador ter a possibilidade de dar forma ideal à planta durante a operação da poda seca. A uniformização da brotação é altamente desejada, pois proporciona amadurecimento mais uniforme da uva o que implica em melhor qualidade do vinho.
Entretanto, recomenda-se o uso da cianamida hidrogenada somente em caso de necessidade, pois, ainda que ela seja degradada no solo, deve-se evitar sua aplicação na videira.