Agricultura e Meio Ambiente
Regulamentações
Autores
Luiz Alexandre Nogueira de Sá - Embrapa Meio Ambiente
Deise Maria Fontana Capalbo - Embrapa Meio Ambiente
Apesar da escassa comprovação de conseqüências indesejáveis do uso de agentes biológicos no controle de pragas, existe no âmbito mundial uma preocupação crescente quanto a possibilidade de que esses organismos possam interferir negativamente com organismos benéficos que convivem com a praga-alvo no mesmo ecossistema, ou em outros vizinhos, e seus possíveis impactos adversos sobre a biodiversidade e a própria saúde humana. Isso tem feito com que muitos governos, instituições e agências de regulamentação aumentem o rigor nessas atividades elaborando diversos projetos de lei e códigos de conduta visando maior segurança do uso dos agentes de controle biológico.
No caso de agentes microbianos (vírus, fungos, bactérias, e outros) o fato de serem organismos naturais não significa que sejam totalmente inócuos. As mesmas propriedades que lhes conferem eficiência como agente de controle, ou seja sua capacidade de infectar e causar doença, toxicidade e deslocamento da praga-alvo, são as mesmas que estão associadas a seus riscos sobre organismos benéficos.
Foto: Arquivo Embrapa meio Ambiente
Figura 1. Inseto predador da cochonilha-rosada
Competem aos órgãos públicos relacionados com a Secretaria de Defesa Agropecuária, Fitossanitária, Meio Ambiente e Saúde Pública, estabelecerem critérios para uma avaliação de risco da utilização/comercialização de agentes microbianos de controle de pragas, através de legislações e regulamentações apropriadas.
O Brasil dispõe de regulamentações próprias, relacionadas com a importação e comercialização de agentes microbianos de controle e no âmbito regional do Cone Sul; também dispõe de regulamentações e diretrizes harmonizadas, aprovadas para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
O texto a seguir aborda as principais regulamentações sobre o assunto:
Legislação brasileira para importação de agentes de controle biológico
No Brasil, a importação de inimigos naturais, incluindo os microrganismos está fundamentada, principalmente no Decreto Presidencial 24.114, de 12 de abril de 1934. Este regulamento estabelece as normas básicas sobre o que é ou não permitido introduzir no país, as vias de importação, os documentos necessários e os procedimentos a serem adotados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Portarias complementares especificam os diferentes assuntos.
Para fins de pesquisa
No caso específico de introdução de organismos para controle biológico de pragas e outros fins no país, existem as Portarias No.106 de 14 de novembro de 1991, no. 74 de 7 de março de 1994, Instrução Normativa Nº.1 de 15 de dezembro de 1998 e Decreto Nº.4074, de 04 de janeiro de 2002. A primeira estabelece o credenciamento do Laboratório de Quarentena de organismos úteis para controle biológico de pragas e outros, situado na Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, SP (Laboratório de Quarentena "Costa Lima”) e também as competências deste Laboratório quanto à função de subsidiar a Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal, através de pareceres técnicos sobre as solicitações de introdução de inimigos naturais para o controle de pragas. A segunda portaria detalha a forma de encaminhamento das solicitações de introdução de organismos, de sua avaliação de risco e das características gerais do material a ser importado.
Para fins de comercialização
O Decreto Presidencial No. 98.816, de Janeiro de 1990, requer que a primeira introdução de um agente microbiano comercial de controle de praga, produzido em outro país e ainda não registrado no Brasil, seja submetido a quarentena. Ele deverá ser avaliado de acordo com os requisitos estabelecidos pelos órgãos de regulamentação para fins de registro, com relação à identificação do produto, toxicologia a mamíferos e outros organismos não visados. Subseqüentes introduções de tais produtos não são exigidas a passar por de quarentena, mas deverão possuir um certificado de controle de qualidade.
Importação de Organismos Geneticamente Modificados (OGMS)
A Lei de Biossegurança Lei no 11.105, de 24 de março de 2005, estabelece normas de segurança relacionadas com os OGMS. Toda introdução no Brasil requer uma avaliação inicial da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, antes que o MAPA aprove o Permite de introdução. A instituição solicitante deve possuir um Comitê Interno de Biossegurança e também um Certificado de Qualidade em Biossegurança emitido pelo CTNBio.
A avaliação de microrganismos geneticamente modificados é baseada em protocolos harmonizados no âmbito mundial tendo grande influência daqueles utilizados pela Austrália.
Protocolo de avaliação de risco em quarentena
A legislação brasileira não possui detalhes de como proceder uma avaliação de um agente microbiano em condições de quarentena. São quatro volumes de protocolos sendo: I) Informações sobre o produto e análise de resíduos; II) Testes toxicológicos em mamíferos; III) Testes toxicológicos em organismos não-alvo do ambiente aquático, organismos zooplanctônicos, fitoplanctônicos e vertebrados; e IV) Testes toxicológicos em aves, artrópodos benéficos, organismos de solo e planta. Estes Protocolos (I a IV) foram elaborados pela equipe do Laboratório de Quarentena “Costa Lima” e utilizado, juntamente com seu o Comitê Técnico Assessor na avaliação dos organismos introduzidos. No geral, a avaliação é feita caso a caso levando em consideração dados de segurança sobre a saúde humana e organismos benéficos não visados, de acordo com os critérios estabelecidos pelos órgãos de regulamentação de produtos fitossanitários do país.
Legislação de comercialização de agentes microbianos de controle
De acordo com o Decreto 4.074/2002 de 04/01/2002, que regulamenta a lei Nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências, tais produtos dentre os quais incluem os produtos contendo agentes microbianos de controle carecem de registro por órgãos federais registrantes. No Brasil são, portanto, três as instituições envolvidas no registro de um biopesticida: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério do Meio Ambiente por intermédio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Ressalta-se que até 2002, somente o IBAMA dispunha de uma Portaria específica para o registro de produtos contendo agentes microbianos de controle, a Portaria 131, de 3 de novembro de 1997, a qual foi totalmente baseada na proposta elaborada por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente, para os órgãos federais registrantes.
Protocolos de avaliação de agentes microbianos para fins comerciais
Os dados e testes exigidos para a avaliação dos produtos incluem: (a) análise do produto incluindo informações necessárias para identificação do ingrediente ativo e qualquer outra substância adicionada ou produzida, (b) testes toxicopatológicos em mamíferos; e, (c) testes ecotoxicopatológicos em organismos não visados benéficos do ambiente terrestre (aves, artrópodes benéficos, plantas) e aquático (peixes e invertebrados). As metodologias e protocolos de avaliação de risco de agentes de controle microbiano utilizadas no âmbito mundial foram organizadas por uma equipe de pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e estão disponíveis aos órgãos de regulamentação e laboratórios interessados em quatro volumes distintos.
Regulamentações de âmbito regional
Com as atividades vigentes do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) entre os países Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, houve a necessidade de uma padronização de regulamentações fitossanitárias para a região. Tal harmonização foi buscada pelo Comitê de Sanidade Vegetal do Cone Sul (COSAVE), que é formado pelos responsáveis pelos Serviços de Inspeção e Vigilância Fitossanitária dos cinco países, dando subsídio técnico ao MERCOSUL.
O COSAVE foi constituído de 8 grupos de trabalhos e, através de sua resolução No. 13, de dezembro de 1992, formou o Grupo de Trabalho Permanente em Controle Biológico (GTP-CB), sendo que a harmonização de regulamentos para importação, quarentena, registro, uso e manejo de organismos e produtos biológicos para o controle de pragas, é um dos principais objetivos.
Até o momento foram elaborados pelo GTP-CB e aprovados pelo Comitê diretivo do COSAVE os seguintes standards: (1) Lineamentos para a Importación, Exportación y Liberación de ACBS; (2) Procedimentos Quarentenários para Agentes de Controle Biológico; (3) Acreditación e Habilitación de Laboratórios de Quarentena para ACBs; e (4) Requisitos para el Registro de Productos Fitossanitários contendo Agentes Microbianos de Controle.
Um dos principais resultados esperados por esta harmonização é a otimização do uso da capacidade regional já instalada. O estabelecimento de um mecanismo de reconhecimento entre os países que permita o cumprimento de requisitos únicos para o registro é a introdução de agentes de controle biológico, baseado em uma ação conjunta e coordenada de todos os Serviços Nacionais envolvidos. Dessa maneira um laboratório de quarentena existente em um dos países da região, antes de introduzir um agente de controle exótico, deveria consultar todos os outros países da região, como também poderia introduzir organismos para aqueles países que não possuem laboratório de quarentena; um biopesticida poderia ser registrado em um país e ser aceito pelos outros, evitando gastos e duplicidade de testes exigidos pelos órgãos de registro de cada país.
A harmonização e implementação de regulamentações regionais relacionadas com agentes de controle biológico deve estar em consonância com as diretrizes da Convenção de Biodiversidade, principalmente no aspecto de acesso a recursos genéticos, transferência de tecnologia e cooperação científica, e monitoramento, avaliação e mitigação de impactos ambientais.
Esforços devem ser intensificados para que seja evitado o estabelecimento de regulamentações rígidas, criando, assim, barreiras que poderão prejudicar o ambiente de cooperação existente hoje em dia com os pesquisadores de controle biológico no mundo.