Agricultura e Meio Ambiente
Perdas de nutrientes
Autores
Cláudio Aparecido Spadotto - Embrapa Agricultura Digital
Marco Antonio Ferreira Gomes - Embrapa Meio Ambiente
A intervenção do homem nos ecossistemas naturais com o objetivo de produzir alimentos, fibras e energia, transformando-os no que se convencionou chamar de agroecossistemas, influencia diversas etapas dos ciclos biogeoquímicos dos elementos (ciclos de nutrientes em escala global), afetando, em conseqüência, sua estabilidade. O grau de intervenção pode variar em função do sistema agrícola adotado e, em conseqüência, também o grau de alteração dos ciclos. As modificações impostas pelas atividades agrícolas alteram a dinâmica natural dos processos e vias do ciclo dos elementos, o que pode resultar em aumento ou decréscimo da quantidade deles em alguns compartimentos do ciclo e mesmo em perdas consideráveis para fora do sistema.
As perdas devem-se à exportação dos elementos contidos nos produtos agrícolas que saem do campo. Portanto, agroecossistemas podem ser considerados sistemas abertos, pois os nutrientes são transportados para fora dos limites do sistema. Além disto, também ocorrem perdas por meio de processos naturais como a erosão e o escorrimento superficial das águas de chuvas, processos esses que em geral se intensificam em tais sistemas. Isso decorre das modificações impostas aos diversos compartimentos dos ciclos pelas práticas de manejo agrícola adotadas, que incluem entre outros aspectos, movimentação do solo, substituição da vegetação nativa diversificada por uma única espécie ou poucas espécies, geralmente exóticas, uso de práticas culturais, e adubações.
Os fertilizantes podem ser considerados contaminantes, por causarem desvios na composição normal do meio ambiente, quando fornecem quantidades variáveis de elementos traços, muitos deles reconhecidos como metais pesados e outros como micronutrientes.
O uso de fertilizantes no solo deve obedecer sistematicamente às recomendações agronômicas, mediante análises prévias da fertilidade do solo. Por se tratar de corpos estranhos ao solo, as reações e alterações processam-se física, química e biologicamente podendo causar efeitos negativos no agroecossistema.
Foto: Arquivo Embrapa Meio Ambiente
Figura 1 Aplicação de biossólido no solo
Embora necessários na agricultura, por propiciarem aumento da produtividade das culturas e manutenção da fertilidade dos solos, os fertilizantes (e corretivos), sejam eles de natureza orgânica ou mineral, podem causar reações adversas no agroecossistema e alterar seu equilíbrio, quando utilizados inadequadamente. O nível dessas alterações, no entanto, está condicionado à qualidade (composição) e quantidade do produto aplicada.
A utilização desses produtos em doses elevadas causa consumo excessivo de nutrientes pelas plantas e aumenta a disponibilidade dos elementos no sistema solo-água, levando a desequilíbrios no ambiente.
O equilíbrio dinâmico do sistema é quebrado no momento em que elementos ou componentes estranhos interferem nos parâmetros físico-químicos e biológicos do solo. O solo funciona como um reservatório com grande capacidade de reter e complexar elementos químicos, mas sua capacidade de suporte é limitada e esse limite precisa ser determinado para cada elemento estranho que está sendo introduzido. A extrapolação dos limites de suporte do solo é que dá origem aos principais problemas de ordem fisico-química.
O processo pelo qual as águas superficiais são enriquecidas com nutrientes que funcionam como adubos para plantas aquáticas é conhecido como eutrofização. Em sentido mais restrito refere-se à mudança progressiva das águas superficiais, especialmente a de lagos e lagoas, devido ao grande crescimento de algas, e de outras plantas, seguindo-se um período de decomposição durante o qual a matéria orgânica que se desdobra remove oxigênio da água com uma velocidade maior que de sua deposição. O processo causa o aparecimento de cheiro e sabor desagradáveis e dificuldades crescentes no tratamento destinado a fornecer água potável ou garantir o seu uso industrial ou agrícola. A falta de oxigênio que acompanhar o processo de eutrofização pode ser muito prejudicial aos peixes.
Foto: Arquivo Embrapa Meio Ambiente
Figura 2. Água contaminada
O nitrogênio (N) do adubo, como se sabe, tem os seguintes destinos: absorção e exportação (em parte) pelas culturas, perda por carreamento superficial, lixiviação no solo, perda por volatilização (como amônia ou como N2 ou óxido de nitrogênio no caso de desnitrificação); e as quantidades relativas variam muito.
Na Figura 3 pode-se observar um esquema do ciclo do nitrogênio de forma mais completa.
Fonte: Marco Antônio F. Gomes e Cláudio A. Spadotto
Quantidades excessivas de amônia nas águas podem também mostrar efeitos tóxicos diretos sobre peixes; entretanto, somente NH3, e não NH4+, apresenta essa condição. A fração não ionizada (NH3) aumenta com o pH e a temperatura. A concentração tóxica mais baixa é 0,2 mg/L; a exposição prolongada a 0,025 mg NH3/L pode, entretanto, já apresentar efeitos tóxicos.
O N está sempre presente nas águas superficiais porque, em média, cerca de 0,7 mg N/L são trazidos na água de chuva e porque a fixação biológica incorpora o elemento e depois libera, em parte, no solo e na água. A concentração de N na água de lagos varia na faixa de alguns microgramas por litro até 5 mg N/L quando ocorre grande influxo de resíduos.
Qualquer que seja a sua origem, o N-nítrico carreado superficialmente ou lixiviado no solo pode passar aos reservatórios de água potável. Um excesso de NO3- na água potável é considerado indesejável principalmente por causa do perigo que representa para crianças com menos de quatro meses de idade que são incapazes de se desintoxicar do nitrato que atinge seu sangue. A condição resultante é denominada methemoglobinemia (“crianças azuis”). O valor de 10 mg/l de N-NO3- é adotado em vários países como limite máximo tolerável para padrão de potabilidade da água. Animais jovens podem também desenvolver essa doença, ingerindo N em concentrações de 5 mg/l de N-N Ο água que bebem; em animais adultos com longo período de exposição pode ocorrer queda na produção de leite, deficiência de vitamina A, distúrbios da tireóide, problemas na reprodução e abortos.
Através dos alimentos, o nitrato ingerido pode sofrer também uma reação de desnitrificação no trato intestinal de animais e do homem, ocasionando intoxicações graves. O nitrato não é tóxico, mas sim o nitrito gerado de sua reação, o qual passa para a corrente sanguínea e promove a complexação do ferro da hemoglobina, impedindo assim, o transporte de oxigênio para o sangue. Outro aspecto negativo do nitrato é que em altas concentrações, há facilidade de transformação em nitrito e este reagir com aminas e formar nitrosaminas cancerígenas.
Uma proporção relativamente pequena do fósforo (P) do adubo é absorvida pelas plantas (de 5 a 30% em um período de 3 anos); a fração maior (cerca de 80%) é fixada passando para a fase sólida; as perdas por carreamento superficial e lixiviação são geralmente desprezíveis. Os teores de P que são capazes de permitir uma população sadia de peixes são: 0,005 a 0,2 mg P/L. O conteúdo de fósforo em riachos e poços é em média 0,1 mg P/L.
Em ambientes tropicais não tem sido constatada, em grande escala, a contaminação das águas por fosfato. Esse fato pode ter a seguinte explicação: o fosfato ainda não é usado em demasia, como nos países de primeiro mundo; os solos apresentam grande capacidade de fixação de fósforo; o perfil dos solos é relativamente profundo, dificultando a lixiviação e; uso mais freqüente de compostos de rápida assimilação pelas plantas e ainda por falta de estudos mais específicos. Os fertilizantes fosfatados constituem-se também em fontes de Cd e de U, além de outros elementos radioativos.
O potássio (K) do adubo é absorvido pela cultura em proporções variáveis (de 50 a 100% no ano da aplicação); as perdas por carreamento superficial são em geral pequenas; o restante é adsorvido ao complexo de troca do solo e em parte fixado; o K que passa para as águas subterrâneas vem principalmente da decomposição de minerais primários ou é liberado pelo próprio solo. Os teores de K que são capazes de permitir uma população sadia de peixes são de 4 a 20 mg K/L.
De um modo geral, não tem sido constatada, em ambientes tropicais, qualquer efeito adverso decorrente do uso de fertilizantes potássicos, seja no solo, seja na água superficial ou subterrânea.
Em culturas irrigadas, adubações contínuas com fertilizantes de elevado índice salino, como o cloreto de potássio, induz a problemas de salinidade na zona radicular, bem como o favorecimento à eutrofização dos mananciais.
O efeito negativo mais evidente, em decorrência do uso de cálcio (Ca) em excesso, é o favorecimento à dispersão dos colóides do solo. A dispersão dos colóides do solo significa o desencadeamento de um processo erosivo, por propiciar, de forma mais intensa, o escoamento superficial da água e o carreamento de partículas de solo.
Em relação aos efeitos adversos decorrentes do uso do enxofre (S), em sistemas agrícolas, não há muitos dados disponíveis na literatura que comprovem tal ação. Todavia, os compostos e fertilizantes fabricados encerram uma gama de elementos, que aparecem como impurezas ou subprodutos. Tais elementos, muitas vezes do grupo dos pesados, podem, certamente, ser os responsáveis por maiores danos nos agroecossistemas, notadamente nos organismos aquáticos e terrestres, e no próprio homem.
O fosfogesso é um desses compostos que contêm uma gama de metais pesados; é oriundo da fabricação do ácido fosfórico e, portanto, distinto do gesso obtido por mineração. O fosfogesso pode ser utilizado como condicionador de solos sódicos, por possuir efeito floculante, como fonte de S e ainda de Ca e como redutor da atividade de alumínio no solo. Limitações ao uso do fosfogesso podem surgir em razão da presença de metais tóxicos e radionuclídeos.
Em regiões tropicais e subtropicais os solos originados de rochas básicas apresentam, na fração argila, a maghemita, que é o mineral dominante do aporte de micronutrientes e, dentre eles, alguns metais pesados. Por outro lado, as fontes secundárias de micronutrientes incluem os fertilizantes.
A área de toxicologia humana tem obtido avanços consideráveis, conseguindo estabelecer um sem número de sintomas orgânicos em decorrência da presença de várias substâncias tóxicas no organismo, dentre elas, muitos metais pesados.
Relatos da literatura médica e da toxicologia mostram, por exemplo, que concentrações elevadas de alumínio (Al) causam rigidez das faces, dor de cabeça na fronte, constipação intestinal, cólicas freqüentes, ansiedade e humor variável; o manganês (Mn) em excesso, pode provocar paralisia nos membros inferiores, enfermidade de Parkinson, rosto inexpressivo, semelhante a uma máscara e constipação intestinal; o cobre (Cu) e o boro (B) em níveis tóxicos, causam o atrofiamento dos testículos, retardamento mental leve, retardamento no desenvolvimento psicomotor, convulsões e concentração difícil. No caso específico do boro, ainda foram identificados os sintomas de terror noturno, medo de cair, sobressaltos com facilidade e debilidade nas articulações; no caso do estrôncio (Sr), a ansiedade, indução à mutagênese celular, alterações na calcificação dos ossos, decorrentes de distúrbios no metabolismo do cálcio; para o vanádio (V), a diminuição dos leucócitos, depressão, tremores, irritação cutânea, além de melancolia e vertigem; zinco (Zn) em excesso foi correlacionado com vertigens constantes, infecções repetidas, alterações no crescimento, desequilíbrio emocional, além de doenças com erupção constante da pele; chumbo (Pb) em níveis elevados teve correlação com dores abdominais, vômitos, agressividade, anorexia com fome violenta após ter ingerido quantidade normal de comida e ainda agressividade.