Ecologia

Conteúdo migrado na íntegra em: 08/12/2021

Autor

Marina de Fátima Vilela - Embrapa Cerrados

 

ECOLOGIA E O BIOMA CERRADO

 

INTRODUÇÃO

O dicionário Michaelis define ecologia como a parte da Biologia que estuda as relações dos organismos com o ambiente, isto é, com o solo, o clima e os outros organismos que povoam determinada zona da Terra .

Definir ecologia como o estudo das relações dos seres vivos entre si e com o ambiente seria pouco para caracterizar a importância e a abrangência do que é a ecologia hoje, definida por alguns como a força motriz de uma mudança radical na atitude do ser humano civilizado perante a natureza.

O ambiente onde ocorrem as complexas relações mútuas e a transferência de energia entre os seres vivos e o meio é definido como ecossistema.

Mas onde começa ou termina um ecossistema? Qual ou quais os seus limites? Para uma melhor compreensão e para a possibilidade para investigações científicas os ecossistemas podem ser separados em ecossistema aquático (lagos, rios, mares e oceanos) e ecossistema terrestre (florestas, desertos, mangues, pastagens, dentre outros).

As dimensões de um ecossistema, determinadas para efeito de estudo, geralmente não ocorrem naturalmente, desta forma, um vaso ou uma cidade podem ser exemplos de ecossistemas, mesmo criados pela ação humana. Assim fica claro, que um ecossistema pode ter desde alguns cmaté milhares de km2.

Neste contexto, interessa-nos as relações e a transferência de energia entre os seres vivos e o bioma Cerrado, entretanto, é importante observar que os biomas não são ambientes fechados, uma vez que há fluxo de energia e matéria entre os mesmos, adjacentes ou não. Como exemplo do fluxo de energia e matéria tem-se a entrada de fertilizantes, defensivos e combustíveis no sistema, e a exportação de grãos, carne e combustível, dentre tantos outros.

 

BIODIVERSIDADE

O bioma Cerrado abriga uma das maiores biodiversidades do mundo. São milhares de espécies da fauna, flora e outros tipos de organismos relacionando-se em uma área de aproximadamente 204.000.000 de hectares, o equivalente a soma das áreas da Espanha, França, Alemanha, Itália e Inglaterra.

Pesquisas recentes indicam que o Cerrado abriga mais de 10.000 espécies de plantas. A fauna é igualmente rica, apresentando cerca de 159 espécies de mamíferos (23 endêmicas), 837 espécies de aves (29 endêmicas), 180 espécies de répteis (20 endêmicas) e 113 de anfíbios (32 endêmicas).

 

RECURSOS HÍDRICOS

Três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul (São Francisco, Tocantins-Araguaia e Prata) têm origem no Cerrado e todos os demais biomas brasileiros (os Pampas Gaúchos, o Pantanal Mato-Grossense, a Floresta Amazônica, a Caatinga e a Mata Atlântica) recebem alguma fração da água que nasce no Cerrado. Alguns estudos informam que a existência desses cursos d’água pode ter contribuído para a grande biodiversidade da região, pois, através dos rios, vários organismos dos mais variados biomas podem ter encontrado caminho para migrar e colonizar as regiões mais centrais do nosso território.

Dois fatores propiciaram a presença de grande quantidade de nascentes e corpos hídricos de tamanho pequeno e intermediário no Planalto Central brasileiro: o fato de ser uma região divisora de bacias e por se tratar de uma região de altitude elevada quando comparado ao restante do país.

 

FOGO

O bioma Cerrado apresenta um grande mosaico de formas de vegetação, desde as formações florestais, onde adensam as árvores e arbustos, passando pelas formações savânicas, contendo árvores e arbustos de pequeno porte entremeadas por herbáceas, até as formações campestres, onde dominam as plantas herbáceas.

Milhares de anos de ocorrência de fogo no Cerrado e de seleção natural fizeram com que muitas espécies vegetais desenvolvessem estruturas capazes de amenizar os efeitos danosos das queimadas. Algumas destas espécies possuem uma casca grossa composta de um material isolante térmico que protege as estruturas essenciais do tronco das altas temperaturas. Outras possuem órgãos de reserva nas raízes, que são capazes de guardar elementos químicos necessários à produção de novas folhas e até mesmo novos troncos.

Embora pesquisas apontem o fogo como elemento de renovação da vegetação por rebrota e germinação de sementes devido à quebra de dormência, além de constituir papel fundamental na estruturação de algumas paisagens do Cerrado, a sua ocorrência provoca mudanças na cobertura vegetal alterando a hidrologia e afetando a dinâmica e os estoques de carbono no ecossistema, ademais, a periodicidade ideal para a ocorrência de fogo no bioma ainda não é conhecida.

A peculiaridade da região em relação aos solos, a altitude, a má distribuição das chuvas, a grande quantidade de nascentes e rios, o fogo e os milhares de anos de seleção natural resultaram num grande número de espécies animais e vegetais de ocorrência restrita ao bioma Cerrado, as chamadas espécies endêmicas.

 

POPULAÇÕES TRADICIONAIS

Nas últimas décadas, o bioma Cerrado tem sofrido uma intensa invasão por atividades e populações animais e vegetais ausentes ou pouco disseminados, transformando rapidamente as paisagens e o modo de vida dos povos tradicionais, promovendo impactos ambientais e sociais imensuráveis.

As populações mais antigas do Cerrado são os povos indígenas Xavantes, Tapuias, Karajás, Avá-Canoeiros, Krahôs, Xerentes, Xacriabás, dentre alguns dos muitos outros que viviam na região e foram dizimados antes mesmo de serem conhecidos.

As chamadas populações tradicionais do Cerrado incluem, além dos povos indígenas, os povos negros ou miscigenados, conhecidos como quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, sertanejos e ribeirinhos, que permaneceram em relativo isolamento nas áreas do bioma e, ao longo dos séculos, adaptaram seus modos de vida aos recursos naturais disponíveis para alimentação, utensílios e artesanato. A maior parte dessas populações foi expulsa ou confinada a áreas marginas e hoje se vê diante de um mundo e um sistema de produção que não considera ou valoriza o conhecimento sobre a convivência com a natureza.

A situação do Cerrado, atualmente a principal região agrícola brasileira, é um grande conjunto de interações, interesses, desafios e possibilidades. A adoção de meios de produção sustentável aliando o conhecimento técnico, o conhecimento tradicional e a pesquisa são essenciais à conservação, sobretudo, dos recursos hídricos e da biodiversidade do bioma Cerrado.