Sistema Plantio Direto
Adubação em SPD Consolidado
Autores
Carlos Hissao Kurihara - Embrapa Agropecuária Oeste
Josiléia Accordi Zanatta - Consultora autônoma
Luis Carlos Hernani - Embrapa Solos
No Sistema Plantio Direto (SPD) a dinâmica de nutrientes difere da que se observa no sistema convencional, o que pode ser traduzido por maior eficiência de aproveitamento dos elementos minerais. No entanto, é importante que se considere o efeito da rotação de culturas no manejo da fertilidade química do solo. Assim, a adubação não deve visar o suprimento nutricional de uma cultura isoladamente, mas do agroecossistema como um todo, constituído de espécies com diferentes exigências nutricionais e potenciais de liberação dos nutrientes a partir da decomposição da sua biomassa vegetal. Dessa forma, o uso de fertilizantes e, consequentemente, a participação deste insumo nos custos de produção da cultura pode ser diminuída, minimizando, também, possíveis impactos ambientais negativos, como a eutrofização de mananciais (aumento acima de níveis críticos da concentração de nitrogênio e de fósforo em corpos hídricos como lagos, represas e rios).
As doses de macronutrientes devem ser baseadas nos resultados analíticos obtidos para a camada 0-10 cm do solo, considerando as recomendações oficiais para o sistema convencional (que é feito para a camada 0-20 cm) e, no caso dos micronutrientes, deve-se considerar as análises foliares das culturas mais exigentes do sistema produtivo. Além disso, devem ser considerados a exportação de nutrientes pelas culturas e os teores foliares das espécies de valor comercial do sistema de rotação de culturas adotado. O efeito das espécies antecedentes na disponibilização de nutrientes às culturas comerciais principais são muito importantes e devem ser considerados. Leguminosas de outono-inverno e nabo forrageiro, por exemplo, devido à reciclagem, proporcionam a imediata disponibilização de nutrientes para os cultivos seguintes.
Na eficiência da adubação nitrogenada em SPD consolidado, vários fatores estão envolvidos. Em geral, a disponibilidade de N no solo é afetada por tempo de adoção do SPD, estoque de matéria orgânica, intensidade de precipitação, modelos de rotação de cultura, quantidade e composição dos resíduos vegetais da cultura antecessora.
Após a estabilização do SPD, a tendência é de redução da necessidade de adubação com nitrogênio (N), em função do suprimento desse nutriente pela mineralização dos restos culturais e da matéria orgânica do solo, principalmente quando a cultura antecessora é uma leguminosa. Neste caso, é muito importante sincronizar a liberação do N dos resíduos vegetais com a demanda da planta adubada, aumentando a eficiência do uso desse nutriente. Em termos gerais, na semeadura são oferecidas as menores doses de N e a adubação de cobertura pode ser parcelada para aumentar o aproveitamento pela cultura e reduzir as perdas.
No cultivo do milho recomenda-se que a adubação com N seja parte feita na base (na linha de semeadura) e, parte em cobertura, na fase de emissão da 6ª folha. Nas culturas de soja e de algodão seguem-se as recomendações do Sistema Convencional de manejo para a adubação de N.
No SPD consolidado haverá aumento, na camada superficial do solo, da concentração de fósforo (P) e, em menores proporções, também de cálcio (Ca), magnésio (Mg) e potássio (K). O acúmulo desses nutrientes não tem se mostrado um problema para a sua absorção pelas plantas. Trabalhos de pesquisa têm mostrado que, no SPD, as plantas tendem a apresentar alta densidade de raízes, próximo à superfície do solo, o que aparentemente compensa a baixa disponibilidade de nutrientes que pode ocorrer em camadas mais profundas. Dessa forma, aplicações superficiais a lanço de P e K no SPD devem ser efetivos, desde que a disponibilidade desses nutrientes esteja acima do nível de suficiência na camada superficial (0-10 cm) e não seja baixa na camada subsuperficial (10-20 cm). Há que se considerar, no entanto, que a concentração das raízes e nutrientes (P e K) próximo à superfície do solo, pode colocar a lavoura em situação de maior vulnerabilidade a períodos de déficit hídrico, o que, em alguns casos, pode comprometer os níveis de produtividade.
A decomposição dos resíduos culturais pelos micro-organismos possibilita a redistribuição de P em formas orgânicas mais estáveis e menos suscetíveis às reações de adsorção; essas podem constituir de 19 a 89 % do P total do solo.
O manejo dos resíduos vegetais em SPD impõe contínua deposição de K sobre a superfície do solo, visto que, em geral, apenas uma pequena parte desse nutriente absorvido pelas plantas é exportada pelos grãos. Esse processo, contudo, é dependente do modelo de rotação de culturas, onde há o cultivo alternado de espécies vegetais com diferentes potenciais de acúmulo de matéria seca, exigência nutricional e capacidade de exploração de nutrientes em diferentes profundidades do perfil. Com o incremento no teor de matéria orgânica, a capacidade de troca de cátions (CTC) do solo aumenta e, consequentemente, a capacidade do solo em reter K trocável também é aumentada, minimizando as perdas por lixiviação, reduzindo a necessidade de adubação desse nutriente.
Há também indicações de que, para lavouras onde já se observam os benefícios do SPD em termos de estruturação física do perfil do solo e que apresentam teores de P e de K considerados altos (> 1,5 vezes o teor equivalente ao nível crítico), a filosofia do manejo da adubação pode ser repensada. Como o solo terá condições de suprir as exigências nutricionais das plantas, a adubação de manutenção terá mais a função de repor os nutrientes exportados pela cultura do que propriamente fornecê-los de imediato. Nestas condições, não há redução na produtividade de soja quando, eventualmente, diminui-se a dose de adubo aplicada ou mesmo se dispensa a adubação.
Ressalta-se, contudo, que essa prática pode ser adotada apenas esporadicamente, em safra em que o custo do adubo esteja elevado, e/ou a expectativa de preço de venda dos grãos não seja favorável e, desde que o agrônomo faça um acompanhamento criterioso da fertilidade do solo e do estado nutricional da cultura, como já mencionado anteriormente. Assim, evita-se o empobrecimento do solo, o que implicaria, em alguns anos, na necessidade de grandes investimentos na aquisição e aplicação de adubos para a correção da fertilidade.
A dinâmica do enxofre no solo é semelhante à do nitrogênio, esperando-se menor disponibilidade nos primeiros anos de adoção do SPD, em função da manutenção de relação entre carbono (C) e enxofre (S) elevada neste período, mas quando esse sistema está consolidado, a disponibilidade de S é aumentada, em função da ciclagem da matéria orgânica. Além disto, espera-se também que ocorra aumento da disponibilidade de S na camada subsuperficial do solo, em relação ao plantio convencional, devido ao deslocamento do ânion sulfato pelo fosfato, nos sítios de troca.
Pesquisas têm evidenciado que a cultura da soja é sensível a deficiência de S no solo. Adubos fosfatados como o superfosfato simples, o multifosfato magnesiano e outros, assim como adubos nitrogenados e o próprio gesso agrícola podem suprir adequadamente a necessidade de S na soja, a qual foi estimada em aproximadamente 30 kg ha-1.
Quanto aos micronutrientes, o incremento no teor de matéria orgânica, decorrente da adoção do SPD, tem dois efeitos distintos sobre esses elementos, exigidos pelas plantas em quantidade significativamente menores do que os macronutrientes. Por um lado, com o aumento da CTC do solo haverá minimização de perdas por lixiviação dos elementos catiônicos (cobre - Cu, ferro - Fe, manganês - Mn e zinco - Zn). E, por outro lado, a formação de complexos organominerais estáveis, do tipo quelatos, tenderá a reduzir a disponibilidade de micronutrientes, principalmente a do Cu, nos primeiros anos de implantação do SPD.
Tem sido constatado ocorrência de acúmulo de Mn e Zn e, maior disponibilidade de Cu e boro (B) na camada superficial, enquanto o Fe tende a apresentar distribuição vertical relativamente uniforme. Contudo, a distribuição de micronutrientes no perfil do solo pode variar em função do potencial de crescimento e acidificação da rizosfera e de incremento do teor de matéria orgânica no solo induzido pelas espécies vegetais utilizadas na rotação de culturas, bem como do material de origem do solo e do tempo de adoção do SPD.
A tendência de aumento do suprimento dos micronutrientes é resultante da mineralização dos restos culturais e da matéria orgânica do solo, uma das principais fontes desses elementos. Indução de deficiências, possíveis de serem observadas nos estádios iniciais de desenvolvimento vegetativo das plantas, podem ocorrer em função da relação antagônica entre Zn e P pela absorção, acentuada pelo acúmulo superficial de P, e também, em função da diminuição da disponibilidade dos micronutrientes (salvo o caso do molibdênio - Mo), decorrente do aumento do pH na camada de 0 a 5 cm de profundidade. Porém, normalmente, essas carências nutricionais são minimizadas na medida em que o sistema radicular se desenvolve. Por outro lado, a acidificação da camada superficial resultante, principalmente, da reação dos adubos nitrogenados pode favorecer a disponibilidade de Mn.
Outro aspeto a ser considerado em relação à disponibilidade de micronutrientes no SPD, se refere à possibilidade de, na análise, os extratores DTPA-TEA, HCl 0,1 mol L-1 e Mehlich-1 superestimarem a quantidade disponível às plantas, por incluir a extração dos complexos organominerais estáveis. Contudo, o monitoramento dos teores foliares por meio da análise química sistemática e periódica de folhas, bem como das produtividades obtidas em cada gleba e, consequentemente dos micronutrientes efetivamente exportados, pode sanar as eventuais inadequações e suprir os elementos deficientes.